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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

“Vento Negro eu sou”

Capturar as palavras foi tanto ou mais difícil do que capturar os ângulos na penumbra.

Eram iluminados por ondas de projeção. Um no vocal, outro no violão. Juntos, eram perfeitos. Dois opostos, de elementos complementares. Senti um arrepio na espinha e uma vontade de chorar, ao ouvir a voz conhecida cantando: “Onde a terra começar / Vento Negro gente eu sou / Onde a terra terminar / Vento negro eu sou”, (“Vento Negro”, composta por José Alberto Fogaça), como se fosse a primeira vez que eu ouvia o espetáculo mágico.

Noite de quarta-feira. Atravessei a madrugada tentando capturar o melhor ângulo e algumas palavras dos dois no Morrison Rock’n Blues Bar. Marcelo Peron e Mateus Pereira Specht, violão e voz, numa ordem que pode variar, conforme o vento.

Capturar as palavras foi tanto ou mais difícil do que capturar os ângulos na penumbra. Os dois falavam como se fossem ir embora. “Vento negro, campo afora / Vai correr / Quem vai embora tem que saber / É viração”. E logo, realmente foram. Mas para o palco, aquele campo magnético com o qual não ousei competir. Nesse pequeno instante dentro do tempo, a selva urbana embalou a nossa prosa noturna, que foi pouca, mas intensa.

A aventura

“Fomos para a casa de um amigo nosso na Barra da Lagoa. Estávamos com o dinheiro contado. Só que a gente se emocionou e acabou gastando todo o dinheiro. Tivemos que ser sustentados pelo nosso amigo, que chegou a vender um jogo de xadrez para comprar as passagens para a gente voltar!”, relembram. Nem preciso perguntar se o amigo disse: “Venham mais vezes”.

Foi a chance de criarem juntos. Muitas músicas foram compostas nesse período, incorporadas ao repertório da Diabo a Quatro, surgida de uma idéia que nasceu do outro lado da fronteira: em Pelotas (RS), ou na Satolep de Mateus, que (des)costura o seu destino desde a infância, num rasgar e costurar sem fim. Em Chapecó, a Diabo a Quatro emergiu em 2005 e segue até hoje no Velho Oeste como um convite ao encantamento.

A banda teve momentos únicos ao longo da carreira. No antigo TNT – O Bar do Fano, ver a Diabo a Quatro era uma experiência grandiosa. Se vangloriam de ter reunido mais de 300 pessoas em uma cancha de bocha, no Bar da Odi. “Isso marca a história do alternativo”, lança Mateus. “Fazemos música pop. A palavra pop soa meio ácida ao alternativo, mas viemos de uma cultura pop.”

De próprio punho

Cantar/tocar música própria é algo delicado para o vocalista. “Não vejo muito sentido em fazer show com música própria. As pessoas não vão para o show para conhecer música. Vão para ouvir o que elas conhecem e gostam. Há uma certa expectativa.” Mesmo assim, de quando em quando, as músicas próprias têm espaço no show dos dois.

Opostos complementares

MPB, música nativista & Rock and Roll. Combinação, no mínimo, acertada. “Uma coisa que é considerada brega para o pessoal daqui, é a cultura gaúcha. Mas nós não fechamos os olhos para a cultura gaúcha.” Na música Jesus Krishna, por exemplo, há uma mescla de milonga com baião, além de caracteres religiosos, da vivência de Mateus com esoterismo e ocultismo.

Um ser teatral

Mateus é um ator e continua o sendo no palco das canções. Bata e calça branca, olhos pintados de negro, heranças do teatro. Busca suas crenças e as representa, em uma performance de paralelos: artística e religiosa. “Como um xamã” – explica. “O xamã é ao mesmo tempo um sacerdote, um mestre de cerimônias e também um ator”, se remete aos conceitos absorvidos por Jim Morrison.

Volta para a Mitologia Grega: “O primeiro ator que surgiu, representou Baco – o deus do vinho”, fala o vocalista, contando que Secos & Molhados e O Teatro Mágico, são bandas que influenciam o teatro da Diabo a Quatro, dona de um ecletismo inteligente.

Ele solta poesia no ar, sem perceber. Já é natural. Figuras de linguagem invadem a noite que, para mim, chegava ao fim. Perdi para o palco, o campo magnético, que recuperou os dois, para o deleite do público. “Não creio em paz sem divisão / De tanto amor que eu espalhei / Em cada céu em cada chão / Minha alma lá deixei”.

Morrison Bar

“Estão todos aí? A cerimônia vai começar.” A frase do vocalista da banda norte americana The Doors, Jim Morrison, é ótima para falar desse bar que inaugurou em 25 de junho em Chapecó. Isso porque o bar se tornou quase que um templo para os admiradores do “Rei Lagarto.”

Proprietário do Morrison Bar, o porto alegrense Rodrigo Linhares dos Santos, fundou uma casa semelhante na Praia do Rosa, litoral catarinense, há 9 anos. Em Chapecó, ele e os sócios resolveram abrir a filial do bar de maneira inesperada. “Viemos a passeio e procuramos uma casa no estilo para curtir, mas não encontramos em lugar nenhum.”

A homenagem ao vocalista do Doors aconteceu pela passagem de uma fase marcante na vida de Rodrigo. “Doors e Jim Morrison foram fortes na minha vida”, diz o proprietário.

(Publicado no Caderno Comportamento em 18 de setembro de 2010)

2 comentários:

Suetam Thceps disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Suetam Thceps disse...

O que os olhos dizem com sua voz de flecha?
Faca de fumaça, atravessa a alma. Esses olhinhos, misto de tristeza e rancor. Esse sofrimento que antes de ser genético, já contém as dores do porvir.
Há um que de velho nesse ser inaugural de si. Parece codificado em sua cútis o destino que lhe foi concedido. Sofrer como gene, dor como digital. Nos olhos sorriso não há. Nem na alma, nem na pele. Um desenho de passado e futuro amalgamados neste eterno olho pequeno de sorriso invertido e interno. Lágrima seca e sede de viver.