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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

“O pão da gente é isso”

Auditório lotado de catadores, mesa de honra de autoridades. Começa a reunião com os catadores, ontem, um grande dia para a categoria. Fortes aponta reivindicações, através de um ofício entregue ao prefeito


Ela queria logo entrar no auditório da prefeitura. Acostumada a sentar na carroça, queria aprovar o assento estofado do lugar. Nair Rosário veio acompanhada do nenê da casa, de três anos, Jonathan. Para ela, a situação dos catadores está boa, desde que não os impeçam de trabalhar. “Tavam tentando impedir a gente. Então, estamos aqui por isso, para lutar pelos nossos direitos.”
No Centro, eles não podem entrar, restando os bairros, em pontos determinados. “Queremos continuar trabalhando. Não queremos prejudicar ninguém e também não queremos ser prejudicados. Porque precisamos trabalhar para sobreviver.” Viver em cima da carroça não é coisa simples, mas que se acostuma com o tempo. Aos 30 anos, casada, com quatro filhos para criar, com o dinheiro do lixo reciclado, paga as contas, compra roupas, calçados para os filhos e as dá conta das despesas do colégio.
Dentre outros motivos, a situação está complicada porque há caminhões fazendo o trabalho de pessoas como Nair. “Chega o final do mês, vai pagar as contar e não conseguiu o dinheiro. É o nosso ganha pão. Como a gente vai ficar?”

Família em luta

Na primeira fila do auditório, família em peso para lutar pelos seus direitos. Helena Aparecida Soares, 23, mãe de três crianças (o mais velho com cinco anos), e a irmã Fabiana Aparecida da Rosa, 17, davam de mamar aos pequenos. Ao lado, o padrasto e a mãe. Todos catadores. Helena lamenta a dificuldade encontrada no seu cotidiano de catadora. “É difícil. A gente se suja bastante a roupa. Só que fazer o que? A gente não tem outro ganho. Já digo, o pão da gente é isso. Tem que se obrigar.”
Puxa carrinho nas sofridas subidas. Tem hora que para numa sombra e sente vontade de chorar, pelo nervosismo que aflora. “Tentei emprego nas firmas, mas não consegui. Tenho filhos e não vou deixar eles passarem fome. Jamais. Eles vão chegar, pedir um pedaço de pão e eu vou dizer: ‘não tem, meu filho!’ Que dor que é para uma mãe. Eu disse: ‘eu vou catar papelão.’ Não é feio. Não tô roubando, tô trabalhando. E se alguém quiser fazer farra, que faça.” Para tanto, pediu um carrinho para a mãe.
Helena mora no Tomazelli. “Às vezes faço Jardim do Lago, às vezes Colatto, sozinha, empurrando o carrinho.” Fala que um dos motivos da reunião é a baixa nos preços do material reciclável. “O preço das coisas tá lá embaixo.”
A moça teve os dois filhos sem querer. Tomava comprimido do posto, mas, pelo jeito, não surtiu efeito. Se obrigou a comprar anticoncepcional na farmácia. “Se eu continuar tomando comprimido do posto, capaz de ter mais uma ‘pencada’ de filho. Fazer o que? Agora tem que criar. Já que tá no mundo... Que nada, amanhã ou depois cresce e ajuda a mãe.”
A mãe de Helena entra na conversa. Terezinha da Lurdes Ferreira diz que sente dó da filha. “Ela, com aquele cargão. Empurrando sozinha. Um dia, menina, me deu muito dó. Suada, suada, suada. ‘Vermeia’ que era um peru. Arcadinha empurrando aquele carrinho.”
O padrasto, Antônio, 66 anos, ainda está na lida. Apesar da idade, não aparenta. Descendente de “bugre”, como lança a esposa, tem poucos cabelos brancos debaixo do chapéu charmoso. “É sangue de índio”, fala Terezinha. Na semana passada, Antônio entregou 1,8 mil quilos de ferro. “Puxado a muque”. Entretanto, o que ganhou foi “mixaria”. Se o preço estivesse bom, teria feito R$ 1 mil. Mas, com o preço atual, fez R$ 560. Hoje, o quilo do papelão, por exemplo, está 15 centavos; plástico seco 40; plástico mole 30; misto (jornal) 8. “O preço baixou. Deve fazer um mês e pouco.”

Compondo a mesa de honra

Auditório lotado de catadores, mesa de honra de autoridades. Começa a reunião com os catadores, ontem, um grande dia para a categoria. Sandro Fortes é o representante dos catadores. Prefeito Zé, como é chamado pelo secretário da Agricultura, João Rodrigues, que faz parte da platéia, agradece de início aos catadores por terem atendido ao pedido de não trafegaram mais no Centro da cidade.
Fortes aponta as reivindicações, através de um ofício entregue ao prefeito. São reivindicações que compõem um projeto, cujo prazo de elaboração dado pela prefeitura foi de 60 dias. O representante pede um prazo maior para a construção do projeto, pois acha necessário fazer um estudo aprofundado junto da prefeitura, órgãos públicos e trabalhadores. “Um projeto não é para um mês, nem para um ano; é para uma vida.”
Oito núcleos em oito regiões de Chapecó estão sendo montados, cada um com uma diretoria/coordenação, com um ou dois representantes dentro da Associação dos Trabalhadores de Serviço de Reciclagem. “Nos reunimos mensalmente com esse pessoal para discutir e decidir as situações. Chegamos à pauta de reivindicação com 12 itens, que aumentaram para 15.”

Entre os itens:

• Construção e adequação de no mínimo quatro galpões de alvenaria para poder abrigar todo o serviço de reciclagem, ainda que a necessidade seja atualmente de oito galpões. Lá os catadores terão onde depositar os materiais, ao invés de depositá-los em via pública/ao ar livre;
• Equipamentos de segurança para o trabalho, como luvas, bonés e jalecos;
• Aquisição de prensas e equipamentos de segurança para que os catadores possam enfardar o material, melhorando o preço da comercialização;
• Aumento de prazo para circulação dos veículos com tração animal em via pública, por um período de até 20 de novembro de 2011, em vias pré-estabelecidas entre a associação e o poder público;
• Convênio para manter os trabalhadores em situação de trabalho;
• Fornecimento de veículo para atender os moradores nas residências/comunidades, com visitas periódicas para que sejam reconhecidas as necessidades e transportar os trabalhadores quando necessário;
• Que o caminhão de coleta da prefeitura não entregue o material reciclável aos estabelecimentos e sim direto ao trabalhador, com roteiro pré-fixado ente o Poder Público e associação;
• Acompanhamento social e psicossocial com as famílias dos catadores;
• Contato direto da prefeitura com os núcleos e comunidades.

Nisso, um momento de ápice na reunião. Nair, ao lado do filho Jonathan, Paulo, Inês, Darci, Tereza, Vitacir, Everaldo, Neusa, Valdir, Abraão, Alessandro, Ângelo, Jair e Gilmar. Nomes de pessoas comuns, gente conhecida nas comunidades, chamadas para a mesa de honra, que sobem ao palco acompanhadas de palmas.
Zé Caramori se compromete a ajudar. Para tanto, salienta que é preciso que a voz das pessoas simples seja ouvida. “O município vai ajudar, mas quem sabe dos problemas, das necessidades, são vocês. Conhecem o dia a dia, a dor no pé, a dor no lombo.” Fala que o trabalho cumprido pelos catadores, não é somente meio de sustento deles, como é algo importante para a comunidade chapecoense.
Ele afirma que a construção do galpão na Efapi será feita ainda nesse semestre. O segundo galpão, deverá ter local definido. Promete que dois serão feitos, portanto, ainda em 2011, início de 2012. Os equipamentos de segurança serão conseguidos via convênio. Buscará linhas de crédito para compra de equipamentos, que serão pagos pelos catadores, cujo juros serão arcados pela prefeitura.
Veículos serão conseguidos através da Receita Federal, que apreende automóveis usados para tráfico entre outros, devendo cedê-los aos catadores. Os caminhões de coleta já estão, conforme Caramori, funcionando nos locais definidos pelos catadores, mas, a questão deve ser melhorada. Por meio da FASC (Fundação de Ação Social de Chapecó), o acompanhamento social e psicossocial também já está disponível. “Espero que tenha dado o encaminhamento imediato para todas as ações para que elas todas tenham solução”, conclui o prefeito.

Aqui estamos nós, os trabalhadores

Altas horas da noite, grevistas apelam para radinho, vuvuzela, chimarrão e café. Tudo isso “para não perder a esperança”, como diz um dos grevistas acampados em frente ao Prosegur


Ninguém quer saber de dar nome. Tudo bem. Com ou sem nomes, vários homens fazem vigília noite à dentro. Com radinho ligado na AM, rolando Tonico & Tinoco e Teixeirinha, eles apelam para a vuvuzela – instrumento que sobrou de uma Copa do Mundo frustrada –, quando um pega no sono, tomam um mate amargo ou um cafezinho e fazem o lanche ali mesmo, em frente à Prosegur. De quando em quando, também rola um baralhinho para distrair.
Lá, tem um corneteiro oficial. Com seu cata-ovo, que mais me parece o chapéu de um cantor de blues da madrugada, o corneteiro bota a vuvuzela para funcionar ao menor sinal de sono. Trabalhou durante 12 horas, para depois entrar no território de greve. Como não poderia ser diferente, assim como há o corneteiro, há o “corneteado”. “Nosso colega tá fazendo greve de fome. Estamos impressionados com ele, porque o que ele comeu hoje não chegou a 10 quilos. Ontem passou longe. Tá acontecendo alguma coisa.”
São 24h em greve. “Para não perder a esperança”, como diz um senhor, vale, vale tudo. Conversas na madrugada aliviam os revezamentos. Uma turma de dia; outra à noite. A greve começou na segunda e segue sem previsão de parada. Deixam as famílias de lado para brigar. Brigar pela dignidade, que é mais do que uma palavra estampada em vermelho nas faixas de improviso. “A gente não vê o filho acordando, nem dormindo.”
Um deles ia ter que ficar até a meia-noite. “Podia estar em casa, abraçadinho com a mulher e com os filhos. Mas são ‘ossos do ofício’. ‘Tamo’ aí, numa luta justa e ‘vamo’ até o final. Qualquer coisa, recupero esses dias perdidos.” Outro conta que a esposa entende algum sacrifício, mas que também sente em ter que passar parte da noite ali.
O acampamento foi montado com criatividade, com união, força, luta e dignidade, as mesmas virtudes que mantém a greve. Muitos deles, nunca tinham entrado em uma maratona de greve como essa. É a vez deles, a hora da luta, como as camisetas indicam. “O que nós mais queremos é que acabe a compensação de horas.”
Ninguém está ali por livre e espontânea vontade. “Se não fosse triste, seria cômico.” Outro complementa: “Bom seria se a gente não precisasse chegar a esse ponto. Que os patrões nos reconhecessem, tivessem uma visão não só da empresa crescer. Queremos que a empresa cresça, mas que as pessoas que desenvolvem ela, cresçam junto. Somos nós, os trabalhadores. Estamos brigando por uma coisa que não gostaríamos de estar brigando.”
Mas, agora que tiveram que parar, vão até o fim. Com essa parada, bancos ontem nem abriram. “Fica feio, uma vergonha para nós. Ter que tocar de ficar acampado.” Ainda assim, entendem sabiamente que as vidas valem mais e têm mais peso, do que a vergonha sentida.

Libertinagem & sadismo: ingredientes de um marquês


“O Marido Complacente” é um clássico do libertino Marquês de Sade. Contos reunidos, escritos com técnica exímia – fato que caracterizou Sade, quem deu origem ao termo sadismo, denotando a excitação e prazer provocados pelo sofrimento alheio. Escritor e filósofo francês, Donatien Alphonse-François de Sade ou simplesmente Marquês de Sade, dá uma amostra fiel de seu universo literário e pessoal através de “O Marido Complacente.”
Num raro ensaio sobre a arte da escrita, disse que um escritor deveria “pintar os homens tais como são”. E como há subjetividade e dificuldade nessa tarefa. Mas, ainda assim, Sade tentou ser coerente a esse conceito, a seu modo, tanto na literatura como na sua própria vida. Viveu encarcerado por muito tempo, ao passo que perversões não faltaram nos seus dias, fiéis aos seus delírios mais sinceros. Ofereceu à história uma ampla obra, complexa, repleta de um tormento (e de uma qualidade) inquestionável, segundo críticos.
Em pleno Século 18, em meio à Revolução Francesa, uma das mais perigosas figuras foi, sem dúvidas, Marquês de Sade. Uma pessoa contraditória, por vezes brilhante e sensível; outras, egoísta e demoníaca. Foi com espalhafato que continua a chocar, mesmo no Século 21. Seu legado provoca quebras de tabus. Publicou romances eróticos, foi banido da administração de Napoleão e passou os últimos anos de vida num sanatório. Hoje, um mito.
No trecho do conto “O Corno de Si Mesmo ou A Conciliação Inesperada”, uma pitada das picantes passagens de Sade, que escandalizou o seu tempo. “A amante do sr. de Raneville não era uma profissional, mas mulher casada e por isso mais excitante, pois, diga-se o que quiser, o salzinho do adultério valoriza não raro o prazer.”
Ele nasceu em Paris, no ano de 1740, tendo morrido no sanatório, em 1814. Entre suas obras, “Diálogo entre um Padre e um Moribundo” (1782); “Os 120 dias de Sodoma” (1785); “Os infortúnios da virtude” (1788); “La philososophie dans le boudoir” (1795); e “Os crimes do amor” (1800).
Já no ano 2000, Marquês de Sade ganhou a sétima arte em “Contos Proibidos de Marquês de Sade”, cujo título original é “Quills”. Se trata de um drama norte-americano, dirigido por Philip Kaufman. No elenco, ninguém menos do que Kate Winslet, no papel de Madeleine, e Geoffrey Rush, como Marquês de Sade.

“...e que nada nem ninguém é mais importante do que nós próprios. E não devemos negar-nos nenhum prazer, nenhuma experiência, nenhuma satisfação, desculpando-nos com a moral, a religião ou os costumes.” (Marquês de Sade)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Quanto vale uma vida?

Mãe teria ido a uma lanchonete do terminal urbano, pedindo para a proprietária ficar com criança de 14 dias. Há quem diga que a mãe teria pedido dinheiro em troca, fato negado pela dona do bar

Drogas e abandono. Confusão, versões diferentes de um mesmo fato. A princípio, o Conselho Tutelar recebeu uma denúncia de que uma senhora no terminal urbano estava com uma criança, deixada pela mãe, dependente química.

Versão do Conselho

Nossa primeira parada é no Conselho Tutelar. A conselheira tutelar, Laurita Becker, informou que, por telefone, a dona da lanchonete disse que a mãe do bebê estaria vendendo a criança. “Mas, no momento que fui até lá, ela colocou uma outra história, de que a criança teria sido abandonada pela mãe.” Conforme Laurita, a criança foi deixada no sábado (19), dia em que a mãe estava bastante entorpecida.
Dependente de drogas, principalmente de crack, ela teria ido a uma lanchonete do Terminal Urbano "Patrãozinho", Prefeito João Destri, pedindo para a proprietária ficar com a criança. A dona da lanchonete então ficou com o menino. “Comprou roupa, leite e cuidou”, continua. Na terça-feira (22), a mãe retornou ao local para buscar a criança. Entretanto, a proprietária da lanchonete não quis devolvê-la. A dona ligou para o seu advogado e ele esclareceu que ela não poderia ficar com a criança. Nisso, ligou então para o Conselho Tutelar. “Ela fez um procedimento legal, embora devesse ter ligado ainda no sábado.”
Laurita acredita que é complicado afirmar que a mãe teria tentado vender a criança. O boato, que se propagou na mídia, é de que ela teria tentado vender o bebê por R$ 100. “Daqui a pouco, a mulher do terminal vai dizer ‘não, eu não falei que estava comprando uma criança.’ Não temos essa certeza. Porque ela também pode ser processada criminalmente.”

Desenrolar da história

Um boletim de ocorrência foi feito. O bebê foi para uma instituição de acolhimento do município. A mãe está em casa. “Agora, a Justiça tomará as medidas cabíveis à situação”, observa a conselheira. Foi encaminhada ao Caps Ad (Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas), onde será acompanhada. A instituição de acolhimento fará os procedimentos legais, que inclui visita à família de origem, ver da possibilidade de retorno à família e, se não for possível da criança permanecer com a família biológica, pode ser adotada pela chamada família ampliada, ou seja, por outros parentes próximos, como tios, tias, avôs ou avós. “A ideia é que essa criança retorne à família”, completa Laurita.

Flerte fatal

Em conversa com a mãe da moça, que diz que quer cuidar da criança, o Conselho Tutelar soube que a família era do interior. “Saíram da beira do rio. São agricultores, trabalhadores, vieram para cidade com aquele sonho de melhorar de vida.” A moça entrou no universo das drogas de repente. “Disse: ‘Ah, aquela coisa. A gente nem sabia que existia. Ela começou a se envolver com umas pessoas e quando viu estava dependente.’”

Lanchonete do terminal

O nosso segundo destino é o terminal urbano. Lá, encontramos a dona da lanchonete, que não quer ser identificada, nem identificar seu estabelecimento, muito menos tirar fotos. Segundo ela, a mãe da criança freqüenta o terminal há muito tempo. Proibida de entrar na maioria dos bares, por conta de sua dependência, a moça também tem histórico de mais de 15 roubos. Ela conta que essa é a quarta criança que a moça tenta se livrar, tendo perdido os três anteriores.
Na versão da dona do bar, a criança chegou pelas mãos da mãe, esposa de um moto boy, à lanchonete na segunda-feira, 18h. Muito transtornada, a moça aparentava ter entre 25 e 27 anos. Fala que a mãe não pediu dinheiro em troca do filho, apenas queria doá-lo. “Ela disse que não queria a criança por causa da família, da mãe dela, e não tinha comida nem onde deixar o bebê.” Prometeu que iria voltar, que precisava apenas pegar um documento da criança, que tinha que comprar remédio. Na lanchonete, deixou a bolsa. Nela, havia uma receita.

Como demorou, a proprietária foi comprar leite para o bebê, que não parava de chorar. “Eu não sabia onde ela morava. Só sabia que era no São Pedro.” Esperaram até terça pela manhã. Ficou com medo de acionar a polícia. “Esperei que, a qualquer momento, ela batesse na porta.” Em sua cabeça, diz que nunca passou a ideia de adotar uma criança. Porém, ao ver o pequeno, sua concepção mudou.
“Lindo. Naquele momento, te dá aquela coisa, e tu pensa que nunca, nem um animal faria o que ela estava fazendo. Ela ficou o tempo inteiro ali, insistindo para que eu ficasse um pouquinho com a criança. Aí eu falei que eu não podia, que estava apurada. Depois eu disse: ‘Tá, parece que ninguém quer ficar com o anjo, então eu fico.’” Mãe de dois filhos, casada, ela acompanhou a gravidez da moça.
A mãe do bebê de 14 dias, que ficou pelo período de 10 dias no hospital longe dela, só teria ido ao hospital buscá-lo depois de um chamado. Quando ela foi dar à luz, o Conselho Tutelar já estava sob aviso, porque no hospital sabiam da condição de dependente da moça e seu histórico familiar.
A dona do bar revela que, com vontade de adotar o bebê depois de ter ficado por esse período com ele, foi aconselhada a pensar por um ou dois dias para que tivesse certeza se queria ou não assumir a criança. Uma vida nova, que surgiria a partir daí. De acordo com ela, a mãe da criança não tem condições de cuidar de um filho.
Apesar do bebê ter nascido de um corpo dependente de drogas, em um contexto complicado, é perfeito, conforme a proprietária da lanchonete. “Você acha que ele tem um mês, porque já queria se erguer. Quando eu dei leite para ele, chupava com tanta fome... É chocante a maneira e a frieza da mãe dele. Não dá para ela ficar andando com aquele bebê, como se fosse uma bola de pingue-pongue.” Para ela, a mãe estaria pensando em liberdade ao deixar o filho na lanchonete. “Ela sabe que a liberdade dela na rua acabou. Achou que podia deixar o bebê numa caixinha, quietinho, depois podia vir buscar.”

Burburinho

No terminal, algumas pessoas, que também não querem ser identificadas, que fazem parte do cotidiano do lugar e conhecem a mãe da criança há 10 anos, dizem que acham mesmo possível ela ter pedido dinheiro em troca da criança, para que continuasse sustentando o seu vício no crack. Eles confirmam o histórico de roubo da garota. Vista na noite do terminal, ela também faria programa por poucos trocados.

domingo, 20 de fevereiro de 2011


"Eu sou apenas uma garota ferrada procurando paz de espírito..."

Trainspotting



"Escolha sua vida. Escolha seu futuro. Escolha seu emprego. Escolha sua carreira. Escolha sua família. Escolha uma televisão enorme, um carro último tipo, celular e microondas. Escolha tudo isso e tente imaginar-se, feliz, entre todas essas coisas, num domingo de manhã. Mas, por que escolher só coisas como essas ?? Será que você sabe as razões? Ou será que é tudo uma questão de escolha?"

confissões para a lua



vivo entre ele e o mundo; entre o instinto e a razão. não aprecio distância e frieza. estou confusa. o que eu sou? minhas escolhas e opções me fazem perdida. me fazem o que? o que fez com a minha cabeça? o que eu fiz com ela? o desejo chega em tríades. move miríades. eu sou fogo, sou água, ar, terra. mas o elemento mais forte é o fogo e ele me consome. sobrevivo. procrastino meus atos. me tornei atriz. desde quando? no palco, meu teatro muda a cada subida de cortinas. eu sou veludo vermelho. não posso me conter. me jogando em todas as direções, como se precisasse um pouco de cada um para poder sobreviver. de repente, tudo some. meus rituais de magia branca, abandono em um canto do quarto de luz acesa na madrugada. às vezes, penso que sou a única com a luz ligada do quarto nessas horas da noite; às vezes penso, que somente eu permaneço adolescente aos 27, com as idéias fixas de sempre, com os mesmos gostos para blues & rock, jazz & mpb. ele surgiu. gaita na boca de blues, o corpo em furacão. ele me entende. será que me entende? às vezes calo, às vezes metralho ouvidos de palavras sem fim; às vezes gêmeos, às vezes escorpião. quase sempre, centaura. acordo meio mulher, meio bicho. meu desejo não tem rédeas. não aprecio a frieza, mas também não aprecio a busca pelo prazer pelo mero prazer. pela manhã, desperto lúcida e com a consciência nas alturas; adormeço em tremores de palavras em ecos falsos. minha mandíbula se abre no ritmo de uma alucinação que não era esperada. realidade e imaginação fazem festa na minha mente corroída. esquizofrenia e psicose na bula do meu cérebro de mil amoras e café preto. não. não fale comigo. não entendo felicidade e constância. não assumo, não me dôo. estou sendo perseguida há anos por uma criatura de carne. mas eu não sou apenas carne. vê, sou alma. mas só de alma, meu corpo não vive. preciso alimenta-lo de vida, ainda que a vida de mim não nasça. teria dias e mais dias de ócio e ainda assim, não me encontraria. o pensamento e a escrita não trazem respostas. é a loucura batendo na porta. bate, bate, bate. me quebra inteira. no vácuo de mim e das frases, crio um novo cenário de horror. não sei no que acreditar. nem rezas, nem bocas em silêncio, me dizem o que fazer. sou oráculo de mim. todas as bocas e todos os corpos não me dão respostas. todas as linhas dos meus livros de gaveta não me preenchem. ausência, distância, recusa, silêncio. fiz um roteiro de palhaço dentro da taça de medusa. quero ver os teus cabelos me trazerem o vinho até à boca. não quero a arte branca; não quero a arte permitida. quero a transgressão; a arte que não tem nome, nem palco, nem script. já ouviu falar da arte dos vagabundos? vagabundos fazem arte. o sonho de um vagabundo, é arte sacra nos becos do mundo. a música urbana dos guetos é arte viva. o stencil dos muros, o grafite nas unhas; a fuga dos homens da lei, eis a arte. meus amores são todos brutos; minha arte é toda torta. meu amor me homicida. minha voz tornou-se roca de arte. minha arte, tornou-me oca e irreparável. você chegou, vou descansar. deitar no teu ombro e cantar canções de ninar. deixa eu ser santa no teu ombro de deus assexuado. fui embora, para não voltar. finito.

Teatro & circo: ao ar livre, “Cirkito de los Badulakes” encantou o público






Uma tarde de boas risadas e de emoção. Malabares coloridos, pernas de pau, tango, brincadeiras e diversão não faltaram na apresentação, que é uma homenagem ao circo tradicional

Teatro ao ar livre e com pitadas de improviso. Foi o que fizeram três atores da Cia da Gaia no sábado (19) à tarde, na Praça Coronel Bertaso, através da peça “Cirkito de los Badulakes”. O público ficou simplesmente encantado com a apresentação informal dos atores. Uma tarde de boas risadas e de emoção. Malabares coloridos, pernas de pau, tango, brincadeiras e diversão não faltaram.
A ideia foi montar um espetáculo de teatro que fizesse uma homenagem ao circo. A peça foi montada no ano passado, para o Dia Mundial do Teatro e Circo, comemorado em 27 de março. “É uma homenagem ao circo, já que fazíamos brincadeiras circenses em alguns de nossos trabalhos”, comenta o ator Tarcísio Brighenti. Além disso, o dia 27 de março é o dia do aniversário de outro ator e apresentador da peça: Alejandro Abdala. No ano passado, a Palhaça Barrica também fez parte do espetáculo.
“Cirkito de los Badulakes” tem um roteiro, mas segue uma linha de improviso. “Dentro do roteiro, construímos as brincadeiras com o público”. Esse, por sua vez, interage com o espetáculo, apresentado até então em palco. Os próprios atores riam de si mesmos e usaram da espontaneidade para prender a atenção do público.
Teatro e circo em um mesmo espetáculo, que uniu doses de intervenção urbana e boa atuação. Uma ode ao circo tradicional, o espetáculo é composto pelas linguagens circenses e teatrais, resgatando a imaginação de quem o assiste.
Em “Cirkito de los Badulakes”, um homem solitário (curiosamente Alejando Abdala), no dia de seu aniversário, se depara com a nostalgia da infância. E, no palco de suas memórias, surge uma referência: o circo e seus personagens clássicos. Entre elementos e brinquedos, que encontra em sua maleta, o homem solitário esquece da solidão e não quer que a aventura termine.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Vidas que se chocam e culminam: Eis, Amores Brutos

O filme será exibido nesse sábado (19), das 20h às 22h, no Cine Teatro do Sesc. Faz parte de uma trilogia, na qual também estão incluídos os filmes 21 Gramas e Babel, do mesmo diretor

Do espanhol Amores Perros, Amor Cão no português de Portugal ou Amores Brutos na tradução brasileira, é um drama mexicano do ano de 2000, dirigido por Alejandro Gonzáles Iñarritu. Amores Brutos será exibido nesse sábado (19), das 20h às 22h, no Cine Teatro do Sesc Chapecó (Serviço Social do Comércio). O filme é recomendado para maiores de 16 anos. Outra exibição está programada para o dia 13 de março, também das 20h às 22h. Ambas as exibições têm entrada franca.

Auxiliar da biblioteca do Sesc, Cleber Bicigo conta que o filme faz parte de uma trilogia, na qual também estão incluídos os dois filmes: 21 Gramas (2003) e Babel (2006), do mesmo diretor. Iñarritu ainda dirigiu, entre outros filmes, o famoso documentário 11'09"01 - September 11 (2002).

“Os filmes têm um tempo narrativo não cronológico. É uma narrativa fragmentada. Dentro dos fragmentos, percebemos qual é a história que vai ser contada. No caso de Amores Brutos, ele começa com um acidente entre dois carros e, a partir disso, as histórias vão sendo desamarradas”, comenta Cleber. São personagens de classes sociais diferentes, cujas histórias de vida culminam nesse acidente. Depois do primeiro impacto em que as vidas se chocam, o filme remonta os momentos que levaram a chegar ao encontro entre os dois carros. “As vidas que se chocaram, em uma esquina, cada uma com uma história diferente a ser contada”, explica. A conexão dos três filmes está na narrativa. “O grande lance é a forma narrativa”, diz Bicigo.

Abrindo o debate

Quem complementa é a atriz e diretora chapecoense Inajá Neckel. “Não é um filme aristotélico (ou seja, linear). Não é nada aristotélico. Isso eu achei fantástico. Fui mais pela sensação quando assisti. Pela imagem e sensação. É terrível porque há uma impossibilidade dos personagens de lidarem com a situação”, revela a atriz. Inajá fala em especial da personagem Valeria – uma modelo que se envolve no acidente e, de cadeira de rodas, olha para a própria imagem do passado recente através de um outdoor.

Entre os filmes da trilogia, Amores Brutos é o favorito de Inajá. Ela salienta a parceria entre o diretor e o roteirista do filme, Guillermo Arriaga (indicado ao Ariel por Roteiro original). Arriaga, segundo Inajá, interferia na direção, embora tivesse a proposta da dramaturgia. “A dramaturgia é muito importante. É o diferencial do filme. As imagens são ótimas; os atores também, mas a dramaturgia é onde o filme dá o salto.” Ela enfatiza que o filme conduz o espectador e não dá muitas pistas do desfecho, ou seja, lança surpresas ao longo da história.

De certa forma, a trilogia marcada pelo tempo narrativo não cronológico, se assemelha ao trabalho de um diretor norte-americano muito conhecido: Quentin Tarantino, que procura uma visão não-linear dentro de suas produções. Entretanto, Cleber vê certa diferença entre os diretores. “Tarantino trabalha com a narrativa fragmentada, porém de uma mesma história; na trilogia de Iñarritu, a narrativa fragmentada é trabalhada na mesma perspectiva, mas são várias histórias diferentes que se unem, que culminam em um dado momento, em um único momento.”

SINOPSE

Na confusa cidade do México, um carro em alta velocidade provoca um acidente que destrói três vidas. Octavio, o adolescente ao volante, fugia das grandes confusões que deixou para trás, tendo ao lado seu cão Cofi, que sangra sem parar. Octavio ama sua cunhada, Susana, e Cofi é a fonte de renda dos dois. No outro carro, a modelo Valeria dirigia feliz. Ela tinha acabado de se mudar para viver ao lado de seu amor, o executivo Daniel. Depois do acidente, conhece o inferno. Até Richi, o cachorrinho de Valeria, assume a depressão e o desespero da dupla de recém-casados. El Chivo é uma testemunha do acidente. Ex-guerrilheiro comunista, atual matador de aluguel, ele é o modelo do desencanto e da amargura. Corre para o local do acidente, mas a única vida que lhe interessa ali é a de Cofi. Curiosamente, é o cachorro que perturba a sua vida, dando-lhe a chance de se reconciliar com o passado.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Boca Maldita: Café, futebol & mulher

O lugar reúne gente famosa, influente. Antigos políticos, professores, jornalistas e até escritores têm no Boca espaço cativo

A história do Boca Maldita ou Café do Paludo, é uma história de várias bocas. Cheguei ao lendário café pouco depois das 9h de quinta-feira. “Aqui é o Boca Maldita?”, pergunto a um grupo de homens, que estavam sentados debaixo do toldo com a inscrição “Café Expresso”, na Getúlio, lendo jornal e botando as fofocas em dia. Edimar Ribeiro, aposentado, dono de uma empresa de transportes e turismo, é quem tira a minha dúvida. Ele diz que ali é o lugar certo para falar em futebol e mulher, enquanto se pode tomar um belo café expresso. “Café, futebol e mulher. Mas, mulher, deixa fora”, brinca.
Freqüentador assíduo há 20 anos do histórico café chapecoense, quando não está viajando, bate ponto no Boca Maldita, toda manhã. São 20 minutos diários dedicados ao cafezinho, entre às 8h e às 9h. “Eu gosto do Boca porque encontro com o pessoal. A maioria aqui é amiga. Jogamos conversa fora, lemos o jornal e, às vezes, sai alguma coisa interessante das conversas. Falamos de tudo um pouco. Faz bem para o dia-a-dia. Ando meio na folga, vou fazer o que?”
O café não é mais do Paludo, um dos donos mais conhecidos do estabelecimento. Agora, é de Amauri e Elisabete Espíndola. “Você fala com o povo e é: ‘eu vou lá no Café do Paludo’. Ainda é o Café do Paludo, do Alfredo Paludo.” Ribeiro afirma que Amauri, conhecido como “Havaiano”, pelo amor ao time catarinense, briga com os clientes por conta do time do coração. “Ele é havaiano doente”, comenta.
Pudera, o assunto que mais rola no balcão, bancos e banquetas do Boca é a Chapecoense, Grêmio e Internacional. “Aqui, é o lugar dos ‘expressadores’ de opiniões. Aqui, todos têm razão.” Quando o time de algum dos freqüentadores perde, aí é gozação generalizada, pegação no pé sem tamanho. Edimar fala que prefere escutar. “Eu mais escuto do que falo. Leio jornal. Porque não dá para se envolver em todas as discussões. Tem horas que você acaba discutindo. Todo mundo quer ter razão, todo mundo sabe, e aquele que fala demais é o que sabe menos.” Ele estranha a falta dos colorados naquela manhã. “Os colorados fugiram. Estou estranhando que não tem ninguém. Como o Inter perdeu ontem, os colorados não apareceram, porque é só pegação no pé.”

Figuras ilustres

O lugar reúne gente famosa, influente. Antigos políticos, professores, jornalistas e até escritores têm no Boca espaço cativo. Um dos freqüentadores assíduos é o personagem impagável, Katielly Lanzini, que se inspira nos papos do Boca para escrever o Diário Chapecó Urgente. Antigamente, o mendigo conhecidíssimo na cidade, “Tuté”, também freqüentava o café. O mendigo ganhou até coluna no Jornal Folha do Oeste.
Logo, o café recebe uma outra figura ilustre, famosa, formadora de opiniões: Nelson Badalotti. “Quer que eu fale sobre a sua pessoa?”, indaga. “Não, não. Muito obrigada. Eu já sei de mim.” Como se não bastasse, quer que eu conte alguma fofoca. “O que nós sabemos não interessa; queremos saber o que você sabe.” Parente do “cara do esporte”, infelizmente, como diz, Badalotti conta piada, no meio da entrevista.
Em frente a ele, Milton Lunardi, que não estava muito para papo com jornalista naquele dia. Mas, dá a dica: aponta uma placa, com informações valiosas sobre o lugar: “Boca Maldita de Chapecó. Reduto de formadores de opiniões aptos a discutirem assuntos de todos segmentos da sociedade moderna. Homenagem do proprietário Alfredo Paludo a todos os membros da academia dos imortais da Boca Maldita. Chapecó, Janeiro de 1997”. Além disso, mostra uma caricatura na parede do café. Uma obra de arte em couro, dotada de uma língua enorme, que não deixa incertezas sobre a fama assumida do café.
“Tu viu o que o Flamengo fez? Moeu a pau”, chega um novo cliente em estardalhaço. “Tudo bem, Nelson?” “Dia” para lá, “dia” para cá. Aperto de mão aqui, outro ali. “Vocês conhecem meu sobrinho? Polícia federal em Florianópolis. Ele é o ‘multador’ da estrada. Esse é o que pega a gente. É esse!”
Peço se as mulheres têm medo de passar por ali, medo de virar notícia. Para Nelson, o Boca é como um confessionário. O que rola debaixo do toldo, fica no toldo. “Aqui tem mais fama do que qualquer outra coisa. Os assuntos são seriíssimos. Embaixo desse toldinho aqui, o que a gente fala tem que morrer aqui dentro. Isso é norma.” Nisso, chega o escritor Silvério da Costa. Conversa vai, conversa vem, ganho um livro autografado do escritor que fez questão de fazer a foto da orelha da obra no Boca. O presente é “Trilhos Cruzados”, lançado em 2010, que marca os “20 e tantos anos de poesia” do “Portuga”, como é conhecido no lugar.

“Entrevista” com café

Ao lado da Livraria Cometa, também antiguíssima na cidade, e de uma banca de jornais, o Boca Maldita abriu por volta de 1976, segundo o primeiro proprietário, Honorino Antonio Gasparetto. Os proprietários atuais estavam bem inacessíveis. “Ah, essa vida de repórter. Tenho que ser humilde, insistente e conquistar as fontes todos os dias. Uma enxurrada de ‘nãos’. Nunca querem falar ou tirar fotos”, descontraio. Elisabete solta um sorriso, mas mesmo assim, não quer saber de entrevista formal. Estava muito ocupada e o esposo não se encontrava.
Faço o meu pedido. Café expresso, fraco, com leite e um pouco de canela. Já que me torno cliente, tenho mais chances com Elisabete que, depois de algumas tentativas, conta que veio de Palhoça, preservando o sotaque, e que trabalha no Boca Maldita há três anos. Uma mulher, no meio de tantos homens, no meio das línguas que são mais afiadas do que as de salão de beleza. Ela não fala nada, mas nem precisou. O próprio café fala por si.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Atrás dos números, há vidas

Pessoas matam, pessoas morrem, todos os dias. Dados, números, estatísticas. Além disso, há o medo, a revolta, o desespero. Pessoas que tentam encontrar alguma esperança, algum resto de otimismo para seguir a vida. Mais uma tentativa de homicídio? Não, mais do que isso.

As notícias nos jornais não me deixam mentir: homicídios e tentativas de homicídios são fatos cotidianos. Poderíamos tranquilamente trazer dados específicos de quantas pessoas morrem ou quase morrem em Chapecó, quem sabe na região oeste, em Santa Catarina, no Brasil, no mundo. Dados, números, estatísticas.
Semana passada, mais alguém entrou para as estatísticas: Denise Marchesini Aigner, 44 anos. Um grande jornal do estado noticiou que ela mantinha relacionamento com o suspeito do crime, do atentado contra a vida. Uma mulher de 44 anos, que sobreviveu depois de ter tido sua vida quase arrancada por uma bala de revólver, em plena Attílio Fontana, Bairro Colatto. Quarta-feira da semana passada (9). Manhã de fevereiro. Denise saía do consultório dentário do filho, único, Rafael.
Com a arma em mãos, dirigindo um Renault Scenic com placas de Ponte Serrada, Antonio Barbosa parou o carro e atirou contra a cabeça de Denise, parada em um estacionamento. No HRO (Hospital Regional do Oeste) ainda está internada em estado grave, na UTI.
Antonio e Denise moravam desde 2010 em Passos Maia. Ele, agora preso; ela, inconsciente em uma cama de hospital. Antonio tem diversas passagens pela polícia, por ameaças e agressões, mas só foi pego depois de quase acabar com a vida de Denise, embora ela tenha avisado sobre as ameaças que estava sofrendo, inclusive, dias antes da tentativa de homicídio. “Que lei é essa? Não fizeram nada. Nada. Não tinham ordem de prisão.”
É o que conta a mãe Antonia e é a partir daqui que a história começa a fazer sentido. Meu destino: Hospital Regional do Oeste. Quarta-feira, uma semana depois do crime. Pouco antes do meio-dia, chego ao lugar decidida a compreender a tênue linha que separa a vida da morte – que havia sentido tão perto há poucos minutos.
Ao lado de Antonia e de Márcia, próxima de Denise desde a infância, lavei as mãos com sabão líquido, enxuguei no papel-toalha, desinfetei em álcool, coloquei o jaleco e estava pronta para fazer a visita, assim como Antonia e Márcia. Esperei Antonia sair e ali pude sentir os reflexos do que é ter uma filha entre a vida e a morte. Denise em coma; a mãe, em desespero, tentando buscar esperanças para garantir um pouco de otimismo nas mãos geladas, que desaprenderam a rezar de repente, tão grande era o impacto da dor.
Uma dor que não compreende matemática, que fere individualmente aqueles que compõem as estatísticas, aqueles, tão individuais. “Palavras chegam de todos os lugares, telefonemas, novenas. Quero ter esperanças, mas eu nunca vi ela nesse estado”, revela a mãe Antonia. Ela e a família receberam constantes ameaças. No dia seguinte do atentado, quando Antonio Barbosa ainda não estava preso, dois de seus irmãos ameaçaram a família de Denise de morte. “Se alguém fosse dar depoimento contra ele, iam matar” continua a mãe.
Antonia, se sente como a “próxima vítima”, como ela mesma diz. Medo, revolta, desespero. Maior do que qualquer dado, número, estatística, é o sentimento de Antonia, que mal consegue se expressar. “Está todo mundo abalado”, resume. Antonia perdeu um filho de uma maneira estúpida, como ela chama, em um acidente. Tentava levar a vida, ainda que com as crises de depressão. Agora, já não sabe mais o que pensar, nem o que dizer ao ver a filha num estado impronunciável. Antonia foi a voz de Denise naquela manhã. A voz da filha Denise, que se mantém muda e inerte pela banalização da morte, pela banalização da vida. E eu, a voz de Antonia.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ar de melodias

Entre a harmonia e o ar, procurei encontrar os nomes das músicas que invadiram o café de melodias, vindas de dois homens ou de uma multidão que compõe a Sociedade Sonora. Depois, foi a vez do Trevo de Quatro Folhas trazer o ritual místico da música aos ouvidos dos visitantes noturnos da Quinta Autoral

Sociedade Sonora e Trevo de Quatro Folhas invadiram o ar de melodias na Quinta Autoral de Música do Café Brasiliano, dia 10 de fevereiro.

Dois homens ou uma multidão

Primeiro, a sociedade de apenas dois homens, Antonio Marcos (Tonho) e Winston Gambatto, trouxe uma multidão de sensações através dos acordes dos violões, com músicas instrumentais de nomes interessantes, que procurei encontrar entre a harmonia e o ar.
Os dois faziam parte da extinta banda chapecoense Plug and Play. Tinham algumas ideias de composições e resolveram uni-las. “Eu pegava uma música minha e ele colocava algo nessa música. E vice e versa. Começamos a compor juntos. Novas músicas surgiram”, conta Winston. Algumas das músicas tocadas no café, na primeira apresentação da Sociedade Sonora, são ideias unidas de Tonho e Winston.
A Sociedade Sonora surgiu para dar vazão à grande vontade de tocar que os dois tinham. Uma brincadeira de violão, instrumento estudado por Winston, conhecedor de violão clássico. “Nunca fui regrado nessa questão de estudo, mas sempre tive vontade de criar algo meu. E o violão é um instrumento que permite isso.”
Brincadeira recente: são apenas seis meses de criação da Sociedade Sonora. “Pensei: ‘O que a gente pode fazer, entre eu e você, já que a gente gosta de tomar cerveja juntos, se reúne bastante nos sábados, domingos, fazendo experiências musicais? Tocar violão’”, fala Tonho.
Foi uma surpresa para Winston o que eles conseguiram fazer com dois violões e os rumos que a música tomou através desse trabalho. Conseguiram fazer na Sociedade o que não estavam conseguindo em outros projetos musicais paralelos. “Curtir o som pelo som. Fazer uma apresentação, não era a questão”, completa Tonho.
Músicas com nomes peculiares, como Labut e Bolinho de Chuva. A primeira, por exemplo, é um tratado sobre o trabalho, a invariabilidade do ciclo da busca pelo dinheiro, que traz frustração, na visão do letrista Antonio. “Tu entra no cansaço, na rotina. E a rotina é uma coisa que mata. Mas, às vezes, no meio dessa rotina você consegue despertar.” Bolinho de Chuva é uma música que remete a uma sensação de tranqüilidade de um dia de chuva e de ócio, que carrega em si toda a mística própria da música instrumental.
Como diz Tonho, a música instrumental beira à mística pelo fato de não usar a narrativa (letra) e possuir um título que transporta uma imagem. “A partir dessa imagem, associada ao movimento do som, cada um cria a sua história. O grande desafio da música instrumental é passar aquilo que está escondido no título, no movimento do som.”

A mística da música também mora na narrativa

Já o Trevo de Quatro Folhas, composto por Aldriano Junior Milani, Antonio Marcos (Tonho), Jakson Kreuz, Priscila Maboni e Rodrigo Brivio, traz a mística da música instrumental, em longas passagens, remetendo ao progressivo, com a narrativa poética do letrista Antonio Marcos que, feito pássaro alado, saiu de um projeto pousando quase que imediatamente em outro naquela noite.
Me sinto feito pássaro novo, viajante, longe do ninho, não quero mais não ser gente grande, bom mesmo é ser passarinho!” O refrão de Pássaro Alado, colado na parede em cartolina e escrito à mão, vinha suave de Priscila Maboni, ex-integrante da banda Dorothy, que vestida de personagem de música, entra nas canções e lá se instala, até o show acabar. “Sou o personagem que está na música. Não tem como ficar imune à letra que você está cantando. Tu sente a música e canta.”
A história desse projeto é antiga. A primeira gravação com esse nome aconteceu em 2004. Tocavam/cantavam, em períodos de latência. O Trevo de Quatro Folhas é mais uma das vontades de Tonho, que não cabia nos projetos musicais que ele fazia parte. Um “plano b” particular, feito em casa, varando a madrugada. Músicas introspectivas, com o olhar de alguém parado observando o mundo. “Se eu te dissesse que tal música, foi feita de tal forma, com tal intenção e em tal dia, seria mentira. São histórias, minhas histórias. Coisas que eu vivi, por muitos anos, coisas tristes, divertidas...”
Algumas letras têm seis, sete anos de existência. Porém, mais da metade do show da Quinta Autoral, foi de músicas inéditas, que nunca foram tocadas ao vivo. “Nunca tocamos desse jeito. Desse jeito, nunca tinha acontecido.” Antonio conheceu Jakson, irmão de música, ainda no tempo dos Bauretes Quizofônicos – o primeiro que aderiu à idéia do Trevo de Quatro Folhas. Depois, veio Priscila. Aldriano e Rodrigo, Tonho conheceu recentemente, através de uma outra banda.
História de oito, nove anos, impossível de ser sintetizada em minutos desconfortáveis e gravados de conversa. Mas Tonho tenta. Diz que a banda une folk, elementos de rock, incluindo progressivo, e elementos aleatórios. Desses, alguns surgiram de Beirut, que se aproxima da música folclórica, pela composição dos instrumentos.
Com essa formação, a banda ainda não havia tocado, pois a formação atual data de três semanas, sendo que houve apenas dois ensaios com essa formação antes do show. Uma das apresentações memoráveis do Trevo de Quatro Folhas aconteceu no FEMIC (Festival da Música e da Integração Catarinense), porém com outra formação. “Essa é a melhor formação que a banda já teve”, lança Tonho, dizendo que o Trevo teve tentativas mais elétricas.
“Se eu tivesse que te resumir, o Trevo de Quatro Folhas é feito de coisas que eu deixei em segundo plano, não por culpa dos outros, mas por minha culpa. Eu sou o maior culpado”, afirma ele, que começou a fazer música no dia em que soube de um curso de violão no colégio. “O dia em que eu escolhi o violão, comecei a fazer música. Eu era criança. O dia em que eu escrevi a minha primeira poesia triste sobre o mundo, comecei a fazer música. E eu gosto do rock porque ele me dá a possibilidade de eu fazer o que quiser com a música. Isso que a gente fez, pode-se dizer que é rock. Mas pode-se dizer que não é”, revela Antonio. “Tudo o que somos, isso tudo, é o Trevo”, resume, por fim, Priscila.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Cara a cara com a “temida famigerada”!

“Esticando as Canelas” foi escolhido pelo projeto “Baú de Histórias” do Sesc. Pela primeira vez, um espetáculo chapecoense é selecionado para fazer parte do projeto. O espetáculo passará por 28 cidades de Santa Catarina, num total de 48 apresentações, duas em cada cidade

Céu e inferno; Deus e o diabo. O anti-herói Zé Malandro, apreciador de baralho e cachaça, procurado pela própria Morte. Fugiu tanto, que ganhou a imortalidade. Mas encarar a “temida famigerada”, não é para qualquer um. Que o diga o público do espetáculo “Esticando as Canelas”, contação de histórias representada pela atriz chapecoense Josiane Geroldi, ontem. A apresentação aconteceu no Cine Teatro do Sesc Chapecó, através do Projeto Enter, que reúne todas as linguagens da arte, iniciado no dia 5, com “O vendedor de palavras”, seguindo até o próximo sábado.
A peça é baseada no livro “Contos de enganar a morte”, do folclorista Ricardo Azevedo. Ele faz um resgate dos contos populares da tradição oral brasileira, a exemplo de Luis da Câmara Cascudo, que também fez registros escritos de história oral. “Gosto muito das versões do Ricardo Azevedo, porque ele tem um quê de humor, uma linguagem que toca, que dá vontade de contar”, fala Josiane.
A Morte é apenas um dos personagens interpretados por Josiane, que também encarna diversos outros, como um velhinho bondoso (seria Deus?), um casal de diabos, Zé Malandro e faz ainda a narrativa da peça. “Eu tento caracterizar o personagem pela voz, para que quem estiver ouvindo, consiga imaginar aquele personagem. Mesmo que eu dê pistas de como esse personagem é para mim, a pessoa, pela voz, consegue criar o seu”.
O espetáculo foi escolhido pelo projeto “Baú de Histórias” do Sesc. Pela primeira vez, um espetáculo chapecoense é selecionado para fazer parte do projeto. “Esticando as Canelas” passará por 28 cidades de Santa Catarina, num total de 48 apresentações, duas em cada cidade. A data de estréia ainda não foi definida, mas a expectativa é de que o cronograma saia em abril. “No final do ano passado, resolvemos fazer uma filmagem do espetáculo, preparar um material e mandar para a seleção”, lembra a atriz. Eram 14 grupos que concorriam. Desses, apenas cinco foram escolhidos. “É um reconhecimento legal, mas também dá medo, porque é uma grande responsabilidade. Estou bem ansiosa para que saia. Às vezes eu penso: ‘será que é verdade?’”
Josiane começou a fazer “Esticando as Canelas” em 2007. Na manhã de quarta-feira, foi a primeira apresentação em anos. Apresentou o espetáculo no ano de 2007 em algumas escolas e participou com ele de alguns circuitos do Sesc. Recentemente, a convite da técnica de cultura do Sesc, Camila Miotto, Josiane retomou o espetáculo, que veio incrementado em 2011.
A atriz fez parte de um grupo de contação de histórias chamado “Contarolar”. “Misturamos teatro com contação de histórias. Quando a gente dava voz para um personagem, queria que essa voz mudasse e que o corpo também mudasse, para o personagem ficar mais nítido para quem assistisse”, diz Camila Miotto, que também fez parte do grupo. “A partir da narrativa, imaginamos que voz o personagem tem, como ele é”, complementa Josiane.
Um espetáculo próprio para qualquer público, por se tratar de um conto popular, “Esticando as Canelas”, como revela Josiane, “está na boca de todo mundo”. Camila conta que pessoas de mais idade identificam as histórias. “Toda a história tem um quê de valores”, lança Josiane. Para Camila, o papel do contador de histórias é contar a história, sem pregar a moral, o que faz com que o público crie a sua própria leitura.
Embora seja a morte tão temida, a história deixa a ideia de que para existir vida, é preciso existir morte. “É isso que o Ricardo diz: não precisamos nos preocupar com a morte, porque ela é garantida; temos que nos preocupar com a vida e em como vivemos ela”, conclui a atriz.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Olhar demorado para um cenário de abandono



O relógio marcava pouco mais de 11h. Uma manhã de fevereiro, uma nebulosa manhã de terça-feira. Foram 52 minutos de imersão solitária na abordagem de um fenômeno social: o celibato no campo

Pouco a pouco, as luzes ganharam a escuridão e logo as imagens familiares invadiram a tela. O silêncio do Cine Teatro do Sesc Chapecó (Serviço Social do Comércio) foi quebrado pelo violão de Márcio Pazin e pela voz de Carol Pereyr. O relógio marcava pouco mais de 11h. Uma manhã de fevereiro, uma nebulosa manhã de terça-feira, dia 8. Dia escolhido para a exibição do documentário “Celibato no Campo”, projeto premiado pelo edital de cinema da Fundação Catarinense de Cultura em 2008, finalizado em agosto de 2010.
Na tela, nomes conhecidos. Direção de Cassemiro Vitorino e Ilka Goldschmidt, através da Margot Produções; Imagens, Dayan Schütz; Som, Rafaela Menin. Os cenários interioranos, ainda mais conhecidos: Formosa do Sul, Saudades e Seara. Foram 52 minutos de imersão solitária na abordagem de um fenômeno social: o celibato masculino no campo. Moças que trocam o trabalho duro e o aconchego do campo para encarar a competição acirrada na cidade, onde um derruba o outro sem cerimônias, como expressa uma das filhas pródigas do campo, Rafaela Ternus. Lugares que ameaçam se tornar cenários-fantasmas, que ameaçam desaparecer, assim como os casamentos, cada vez mais raros nesse meio.
Foram mais de 25 horas de gravações em formato FULL HD. “Celibato no Campo”, segundo os diretores, não tem a proposta de ser sensacionalista e sim de ocupar um papel social importante, despertando o interesse da sociedade para o novo cenário rural, de abandono, ocupado em sua maioria por casais de idosos e homens solteiros. Ao final, sem querer estragar a surpresa de quem ainda não viu, a sensação de que o campo que conhecemos, filhos e/ou netos de homens e mulheres do campo, está com os dias contados, num ritmo de transição que causa grande desconsolo.
De um lado, pessoas que viveram a vida toda em uma mesma rotina de trabalho, sol a sol, e que agora estão sós, sem o apoio dos filhos; de outro, jovens que anseiam pelo novo, que muitas vezes têm vergonha de se dizerem colonos, que querem garantir o próprio dinheiro, já que os lucros das propriedades rurais não raro ficam centralizados nas mãos dos mais velhos. Situações que demandam um olhar mais demorado da população, do Poder Público, que precisará se empenhar ao máximo se quiser garantir a permanência do jovem no campo, a continuidade de toda uma cultura e até mesmo o futuro das cidades, já que se não há quem produz, também não há alimento para fazer a roda urbana girar.
“Celibato no Campo” ganhou espaço no Jornal Folha de São Paulo em 25 de dezembro do ano passado. O filme foi lançado oficialmente em 11 de novembro de 2010, no Sesc, sendo também exibido nas comunidades rurais em que o documentário foi rodado.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Tropeiro velho de guerra

“De gaúcho, eu não tenho nada. Só o coração”, diz o fundador do Museu Tropeiro Velho que há 25 anos preserva culturas antigas em forma de peças repletas de valor histórico

Quando eu não queria mais encontra-lo, foi aí que o encontrei. Assim aconteceu entre eu e um antigo personagem do oeste catarinense: Luiz da Fonseca Rosa, conhecido como Luiz Mineiro. Fui guiada por uma menina, um entre 28 frutos gerados por quatro filhas mulheres e cinco filhos homens, tidos ao longo de uma união que dura há 61 anos, entre Luiz e Enedina, que já casaram três vezes, ou melhor, casaram uma e celebraram mais duas vezes pelos longos anos de convivência. Porém, isso não é tanto para Luiz, pois tem um tio, o Pedruca, com 100 anos e 75 de casado.
Luiz e Enedina são responsáveis por um legado histórico: o Museu Tropeiro Velho, localizado na Linha Boa Vista há nada mais, nada menos, do que 25 anos. O apelido de “Mineiro” não surgiu por acaso. “Mineiro porque os meus troncos vieram de Minas Gerais. Fiquei com o apelido de ‘Mineiro’ até agora. Meu avô veio de Minas em 1858”, conta Luiz, 84 anos. Ao perguntar para um e para outro em que dia nasceram, a resposta é só uma: 1º de abril.
Mineiro juntou objetos de família para por no museu e alguns são provindos de doações. “Vem do Mato Grosso, vem do Rio Grande... Presentes que me trazem. Tenho bastante.” Todo pilchado, o senhor não estava muito para conversa naquela manhã, já que estava pronto para ir a uma festa de interior, a qual não queria perder nem por decreto. “De gaúcho, eu não tenho nada. Só o coração.” “E é verdade que o senhor é bravo, seu Luiz?” Ele responde: “Me tirando do sério, sou um tigre.”
A casa em que moram, a terceira durante a vida toda que passaram no mesmo lugar, foi feita pelos cinco filhos. Lá, a história de vida dele e da esposa, filhos, netos e outros familiares, lotam as estantes e paredes, que ainda abrigam imagens e badulaques religiosos. Uma casa colorida, com jeito e cheiro de passado, assim como é o Museu Tropeiro Velho, o lugar feito de madeira escura forrado de memórias que logo, logo, eu iria conhecer pelo guia Mineiro.
Feliz pela fama do esposo, Enedina, 76, fez um álbum de recortes de jornais com reportagens que saíram sobre ele, ela, a família e o museu ao longo dos anos. “Aqui está eu e meu véio”, mostra os recortes. “Olha aqui o meu véio de novo”, continua orgulhosa. “Então vocês fizeram história por aqui”, digo. “E rapadura, açúcar e melado”, surpreende Enedina, que depois de ter quebrado a perna, parou de freqüentar o museu que ajudou a criar. Mas, nesse dia, ela faria uma exceção.
Antes de partirmos, Luiz Mineiro, como não podia deixar de ser, serve uma cachacinha, guardada em um enorme cifre pendurado na área de casa, em meio a lembranças de grandes vidas que se uniram.

Com os dois pés no passado

Finalmente, as portas do museu se abrem e ponho os dois pés no passado, ao lado de minhas ilustres companhias de domingo. Em uma das mesinhas, uma máquina de somar que foi de Teixeirinha, ídolo dos antigos. Nas proximidades, máquinas de escrever, rádios, lampiões, panelas, ferros de passar e até a cama com colchão de palha em que Luiz nasceu.
Tem também unha de tigre, chifre de servo, pele de onça, tamanduá bandeira, anta, couro de cobras quilométricas, em altura e largura, animais empalhados – inclusive a cabeça de um cavalo que viveu 38 anos –, instrumentos usados para a plantação, para lidar com os bichos ou eliminar pestes. “Esse aqui é o monjolo, primeira máquina dos caboclos para fazer farinha, socar canjica, socar arroz”, lembra Mineiro, mostrando ainda um boneco-cangaceiro, com toda a indumentária típica, representando o lampião do norte.
Ele acha que seu canto de memórias é útil para que as próximas gerações conheçam um pouco do passado. “Cada peça conta uma história”, diz. Nomes desconhecidos por uma geração tecnológica, como bruaca, cangaia e arreio. “Com esse arreio fui de Dionísio Cerqueira a Florianópolis a cavalo, em 1985. Atravessei o estado inteiro.”
O homem que já fez muito pela história do oeste, vai saindo de fininho, para buscar mais visitantes. Enquanto isso, me entorpeço com velhas imagens, que guardo no íntimo de uma máquina digital.
Logo, tenho companhia. “Assim que eles faziam comida, Bianca”, fala uma senhora mostrando o caldeirão suspenso em toras de lenha. “É pele de onça mesmo?”, indaga a menina olhando o entorno.
Dona Enedina vê com seriedade a herança deixada por eles através do museu. Uma herança que perdura com muito trabalho, tempo e paciência. Aproveitando que estávamos sozinhas, ela demonstra seu amor pelo esposo, sem as rusgas da proximidade. “Meu véio, meu marido, foi o único homem que conheci. E não quero outro. É ele e pronto”, expressando pausadamente o seu apreço por esse inesquecível personagem do oeste, que cedo terminou a prosa, pois era dia de festa e o passado podia esperar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

para o inferno com o amor: uma história de erich fromm (hell)

comumente, pessoas me procuram. represento uma espécie de fetiche. elas querem saber como é ultrapassar os limites do meu silêncio, do meu corpo. raramente eu cedo às investidas. desse canto do mundo em que vivo há alguns anos, vejo o pior lado do ser humano. tenho a audácia de dizer até que amor é mito; monogamia também. é claro que sou contraditória e não raro caio nas armadilhas do amor romântico. é claro que espero o sagrado, como qualquer menina que cresceu lendo contos de fadas. mas, é em horas como essa, que percebo essas faces distorcidas dos seres humanos, que ouço vozes inexistentes que só eu ouço, que constato erich fromm (hell). o psicanalista alemão, filósofo e sociólogo, citado por mim em uma crítica literária intitulada “o amor é uma arte”, que viveu entre 1900 e 1980, já sabia antes de eu nascer o que eu percebo agora. ele sabia que o amor depende de sutilezas, de algumas necessidades atendidas, de alguns fatores que preservem a sobrevivência orgânica e social de um individuo. não quero generalizar, mas a maioria das pessoas ama aquilo que lhe convém, ama um conjunto de características que são assimiladas e aceitas, ama a própria imagem refletida no outro, o espelho de si mesmo, inventado, melhorado, distorcido. ouvi milhares de vezes pessoas dizendo que me amam, dizendo que são minhas amigas, que sentem saudades, pessoas que me abraçam, me beijam, me querem por perto. pois eu digo: e se eu não tivesse passado pelas experiências pelas quais tive acesso, elas me amariam? se eu não soubesse escrever, não tivesse tido a chance de estudar, se morasse na favela, se precisasse me prostituir para viver, roubar, matar, se elas soubessem o que se passa pela minha cabeça, elas me amariam? se conhecêssemos a rotina de uma pessoa, soubéssemos o que ela faz quando está só, se ela tivesse uma doença incurável e transmissível, por mais que seu espírito/alma, ou o que for, fosse o mesmo maravilhoso espírito/alma, toparíamos ter um filho ao lado dessa pessoa? é a sobrevivência orgânica que impera. se a mesma pessoa com aquele magnífico espírito/alma pesasse 30 ou 300 quilos, seria amada? é a sobrevivência social que impera. já pensei e escrevi sobre isso e muito mais do que isso, mas nunca organizei em um texto. não que agora esteja organizando, mas enfim. são questionamentos que eu me faço a respeito das condições sociais em que as pessoas estão submetidas, que favorecem ou não a dita felicidade, o acesso ao amor. ainda lembrando de fromm, acredito que não podemos ser ignorantes em termos de amor. se deixar levar pelos sentimentos sem pensar sobre eles, acreditar em algo que não conhecemos. voltando a um aspecto comentado no início, desconfio da existência do amor e da monogamia, porque são conceitos engolidos e reproduzidos por nós sem nenhum critério. da forma que conhecemos esses conceitos, o que posso dizer é que eles não são duráveis. o amor da forma que conhecemos é ilusão momentânea; a monogamia é insustentável. minhas experiências me dizem isso; os anos me disseram isso. se eu negar a tudo, estarei escarrando na cara de uma sociedade que quer me ver de vestido branco no altar sagrado; mas se eu aceitar, estarei cuspindo na minha própria cara, nas minhas experiências desse lado do mundo. nem opostos, nem semelhantes podem ser fieis ou felizes para sempre.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

As flores sombrias de Baudelaire

As Flores do Mal é a obra-prima do poeta francês Charles Baudelaire. Os poemas mais antigos da obra datam de 1841. Causou celeuma judicial e hostilidade na imprensa da época. Publicado em 1857, foi julgado como imoral. O poeta foi condenado por ofensa à moral pública, tendo sido multado e obrigado a retirar alguns poemas do livro.

Em seus versos, Baudelaire enfatiza os sentimentos de uma alma atormentada, através de uma poética sepulcral, de tom triste, sombrio e também boêmio. Baudelaire deu origem aos chamados poetas malditos na França, tendo inventado uma nova estratégia de linguagem, pois incorporou a matéria da realidade grotesca à linguagem sublimada do romantismo, criando assim a poesia moderna. Baudelaire, além de poeta, foi também crítico e marcou as últimas décadas do século XIX. Influenciou a poesia internacional com As Flores do Mal, surgindo, a partir do livro, o movimento simbolista.

Charles-Pierre Baudelaire nasceu em Paris, em 9 de abril de 1821. A casa em que nasceu, na Rua Hautefeuille, 13, foi demolida e hoje abriga a Livraria Hachette, no Boulevard St. Germain.

O livro que tenho é um texto integral, lançado pela Martin Claret, em 2003, que publicou As Flores do Mal na conhecida Coleção a Obra-Prima de Cada Autor. É dividido entre Spleen e ideal, Quadros parisienses, O vinho, Flores do mal, Revolta, A morte e Poemas acrescentados às Flores do Mal na edição póstuma.

O comprei no ano seguinte do lançamento, na faculdade. Seu estado deplorável conta histórias das noites em que foi devorado sem pudor. Ecoaram das gargantas na noite ébria “A uma mendiga ruiva”, “A alma do outro mundo” e principalmente “De profundis clamavi”, poema cujo título se remete ao Salmo 134: “Das profundezas erguerei a ti, Senhor, os meus clamores”. (De profundis clamabo ad te, Domine).

E que conexão sentia com aquele poema.

Imploro-te compaixão, ó meu único amor,

Do fundo deste abismo em que agora sucumbo.

É um universo morno, o horizonte de chumbo

Em que nadam na noite a blasfêmia e o horror.

E seis meses no céu plana um sol sempre frio,

E seis meses a noite é imensa e tumular,

É um país bem mais nu do que a terra polar,

– Sem verde, sem bosque e sem animal e nem rio.

No mundo não existe um horror comparado

Ao frio tão cruel deste sol congelado,

À noite imensa igual à do caos ancestral;

A sorte invejarei do mais vil animal,

Capaz de mergulhar no seu sono inconsciente,

Com os fios do Tempo a dobrar lentamente!

Em 31 de agosto de 1867, Baudelaire morre, sendo sepultado no Cemitério de Montparnasse, onde faz companhia a figuras como Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Guy de Maupassant e Man Ray. Sua vida, como a muitos de seus vizinhos de alcova, parece ter percorrido mais tempo do que a vida de nós, meros mortais, pela força da obra deixada, que dispensa demais elogios.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fui ser feliz


Baby, Eu Amo Você
(Ramones)

Eu já alguma vez te falei
Como é bom te abraçar?
Não é fácil explicar

Embora eu realmente continue tentando
Eu acho que posso começar a chorar
Meu coração não pode esperar outro dia
Quando você me beija eu só consigo,
Me beije eu só consigo,
Me beije eu só consigo dizer:

Baby, eu amo você (vamos baby)
Baby, eu amo você
Baby, eu amo você

Baby eu amo, eu amo só você

Eu não posso viver sem você
Eu amo tudo em você
Eu não posso evitar se me sinto desse jeito

Oh, eu estou tão feliz que te encontrei
Eu quero meus braços ao redor de você
Eu amo ouvir você chamar meu nome
Me fale baby se você sente o mesmo

Baby, eu amo você (vamos baby)
Baby, eu amo você
Baby, eu amo você

Eu amo só você

Ah, eu estou tão feliz que eu encontrei você
Eu quero meus braços em torno de você
Eu amo ouvir você chamar meu nome
Me fale baby se você sente o mesmo

Baby eu te amo
Baby eu te amo
Baby eu te amo

Eu amo somente você