“De gaúcho, eu não tenho nada. Só o coração”, diz o fundador do Museu Tropeiro Velho que há 25 anos preserva culturas antigas em forma de peças repletas de valor histórico
Quando eu não queria mais encontra-lo, foi aí que o encontrei. Assim aconteceu entre eu e um antigo personagem do oeste catarinense: Luiz da Fonseca Rosa, conhecido como Luiz Mineiro. Fui guiada por uma menina, um entre 28 frutos gerados por quatro filhas mulheres e cinco filhos homens, tidos ao longo de uma união que dura há 61 anos, entre Luiz e Enedina, que já casaram três vezes, ou melhor, casaram uma e celebraram mais duas vezes pelos longos anos de convivência. Porém, isso não é tanto para Luiz, pois tem um tio, o Pedruca, com 100 anos e 75 de casado.
Luiz e Enedina são responsáveis por um legado histórico: o Museu Tropeiro Velho, localizado na Linha Boa Vista há nada mais, nada menos, do que 25 anos. O apelido de “Mineiro” não surgiu por acaso. “Mineiro porque os meus troncos vieram de Minas Gerais. Fiquei com o apelido de ‘Mineiro’ até agora. Meu avô veio de Minas em 1858”, conta Luiz, 84 anos. Ao perguntar para um e para outro em que dia nasceram, a resposta é só uma: 1º de abril.
Mineiro juntou objetos de família para por no museu e alguns são provindos de doações. “Vem do Mato Grosso, vem do Rio Grande... Presentes que me trazem. Tenho bastante.” Todo pilchado, o senhor não estava muito para conversa naquela manhã, já que estava pronto para ir a uma festa de interior, a qual não queria perder nem por decreto. “De gaúcho, eu não tenho nada. Só o coração.” “E é verdade que o senhor é bravo, seu Luiz?” Ele responde: “Me tirando do sério, sou um tigre.”
A casa em que moram, a terceira durante a vida toda que passaram no mesmo lugar, foi feita pelos cinco filhos. Lá, a história de vida dele e da esposa, filhos, netos e outros familiares, lotam as estantes e paredes, que ainda abrigam imagens e badulaques religiosos. Uma casa colorida, com jeito e cheiro de passado, assim como é o Museu Tropeiro Velho, o lugar feito de madeira escura forrado de memórias que logo, logo, eu iria conhecer pelo guia Mineiro.
Feliz pela fama do esposo, Enedina, 76, fez um álbum de recortes de jornais com reportagens que saíram sobre ele, ela, a família e o museu ao longo dos anos. “Aqui está eu e meu véio”, mostra os recortes. “Olha aqui o meu véio de novo”, continua orgulhosa. “Então vocês fizeram história por aqui”, digo. “E rapadura, açúcar e melado”, surpreende Enedina, que depois de ter quebrado a perna, parou de freqüentar o museu que ajudou a criar. Mas, nesse dia, ela faria uma exceção.
Antes de partirmos, Luiz Mineiro, como não podia deixar de ser, serve uma cachacinha, guardada em um enorme cifre pendurado na área de casa, em meio a lembranças de grandes vidas que se uniram.
Com os dois pés no passado
Finalmente, as portas do museu se abrem e ponho os dois pés no passado, ao lado de minhas ilustres companhias de domingo. Em uma das mesinhas, uma máquina de somar que foi de Teixeirinha, ídolo dos antigos. Nas proximidades, máquinas de escrever, rádios, lampiões, panelas, ferros de passar e até a cama com colchão de palha em que Luiz nasceu.
Tem também unha de tigre, chifre de servo, pele de onça, tamanduá bandeira, anta, couro de cobras quilométricas, em altura e largura, animais empalhados – inclusive a cabeça de um cavalo que viveu 38 anos –, instrumentos usados para a plantação, para lidar com os bichos ou eliminar pestes. “Esse aqui é o monjolo, primeira máquina dos caboclos para fazer farinha, socar canjica, socar arroz”, lembra Mineiro, mostrando ainda um boneco-cangaceiro, com toda a indumentária típica, representando o lampião do norte.
Ele acha que seu canto de memórias é útil para que as próximas gerações conheçam um pouco do passado. “Cada peça conta uma história”, diz. Nomes desconhecidos por uma geração tecnológica, como bruaca, cangaia e arreio. “Com esse arreio fui de Dionísio Cerqueira a Florianópolis a cavalo, em 1985. Atravessei o estado inteiro.”
O homem que já fez muito pela história do oeste, vai saindo de fininho, para buscar mais visitantes. Enquanto isso, me entorpeço com velhas imagens, que guardo no íntimo de uma máquina digital.
Logo, tenho companhia. “Assim que eles faziam comida, Bianca”, fala uma senhora mostrando o caldeirão suspenso em toras de lenha. “É pele de onça mesmo?”, indaga a menina olhando o entorno.
Dona Enedina vê com seriedade a herança deixada por eles através do museu. Uma herança que perdura com muito trabalho, tempo e paciência. Aproveitando que estávamos sozinhas, ela demonstra seu amor pelo esposo, sem as rusgas da proximidade. “Meu véio, meu marido, foi o único homem que conheci. E não quero outro. É ele e pronto”, expressando pausadamente o seu apreço por esse inesquecível personagem do oeste, que cedo terminou a prosa, pois era dia de festa e o passado podia esperar.
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