Pesquisar este blog

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Um dia de minha quase-vida*



Jovens senhoras untadas de creme facial anti-sinais comemoram ao lado de suas crias cibernéticas e de seus esposos adúlteros e engomados de gel a vitória dos novos donos do poder: os mesmos de sempre. Na tarde anterior, carreatas faraônicas espalharam feito mágica centenas de santinhos rubros por toda Xanxerê. Unidos pela chuva, os santinhos resultaram em um mar vermelho em processo inicial de decomposição, que só teria o seu fim centenas de anos depois, caso o velho diablo rubio – ex-atração de circo, órfão e bêbado das antigas, cuja casa é uma caminhonete estacionada em um posto de gasolina, – não os recolhesse.
Equipados com os melhores maquinários e os mais imponentes automóveis de imprensa personalizados já vistos na história da cidade, jornalistas talentosos e experientes desapareceram hoje de cena, já que o candidato ao qual apoiaram foi derrotado. Mas isso sem antes fazer um ao-vivo exclusivo para a emissora da rádio local diretamente do lugar onde o perdedor deveria estar comemorando a sua vitória.
Horas, dias, semanas e meses antes, estes mesmos senhores estavam engajados em causas nobres que consistiam em denegrir a imagem do opositor e enaltecer a “d’o escolhido”, forjando pesquisas de opinião que seriam veiculadas em todas as mídias, além de publicar somente um lado torto dos fatos, afinal, “ideologia não enche barriga”. “D’o escolhido”, derrotado, apesar da compra de votos descarada e das ameaças feitas aos quatro ventos ao proletariado, além dos santinhos reunidos pelas mãos de diablo rubio, restaram apenas as dívidas, a serem pagas pelo povo, e os processos, que serão engavetados pelos estagiários do Fórum municipal, juntamente com os anteriores, fadados ao mofo.
Os mesmos jornalistas, gabaritados – que costumam plagiar matérias opinativas pegas da internet e escrever com os cotovelos em uma linguagem que nem eles próprios compreendem – com a barriga desprovida de ideologias e os bolsos cheios do dinheiro sujo, aos poucos voltarão a sua rotina anterior. Rotina que não inclui estudar jornalismo, uma vez que os vestibulares da região são difíceis demais (menos de 1 por vaga) e o curso demanda muito tempo e não possui vantagens econômicas aos acadêmicos.
Não que as ovelhas que ingressam no mencionado curso se tornam menos ovelhas quando egressas. Tais animais também costumam se vender aos proprietários dos meios de comunicação, abaixando a cabeça como prostitutos-de-mídias-do-inferno, escrevendo no mesmo idioma de cotovelo dos não-formados. Mas isso não intimida as ovelhas, de forma alguma, pois elas saem às ruas munidas com faixas que defendem a obrigatoriedade do diploma, enchendo a boca de hipocrisia para falar de ética jornalística.
E como eu fico nessa história? Um de meus digníssimos professores da faculdade, pós-graduado em encheção de saco, mestre-de-porra-nenhuma e doutor-de-não-sei-o-que, que costuma falar de pessoas em termos como “objeto”, “sujeito” e “indivíduo”, diz nas entrelinhas que poesia é heresia e eu, uma herege. Da minha utopia, fica uma sombra intermitente que não encontrou espaço, um grito encarcerado na garganta cancerígena e uma vontade revoltosa de ir morar no mato. Sem companhia.

* Esta é uma crônica de ficção (ou não).


terça-feira, 21 de outubro de 2008

kaihai


rosa branca contra o vento
tecidos florais em roxo & vermelho
meu cérebro se agita na vanguarda das estações

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

vitrô



estou sozinha outra vez no velho vitrô
tomo um café que me custou r$ 1,50
e fumo um cigarro barato qualquer
ao meu lado, um velho grisalho & barrigudo
que traga cavernoso um cálice de cachaça
enquanto observa o movimento esbaforido
deve ser freguês, pois a garçonete o chama de “seu”
pedindo a ele se quer o sanduíche de sempre
responsável por boa parte da pança disforme
são quase oito horas da noite de sexta
e meu corpo é um misto da chuva da tarde
com a fumaça da semana inteira
agora o cheiro de fritura se une
a esse enredo aromático decadente
meus óculos embaçados já não vêem
o amor que antes vira tantas vezes
e os meus ouvidos são de caos
captando sons variados de trânsito
programas de auditório & cães uivantes
e é nessas noites que penso em ti
nessas & em tantas outras
por que você foi partir?

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Dos traços & das cores



Há de ser a mistura que dá o tom da beleza: do olhinho puxado com o olhar infantil; do formato do rosto com a expressão doce; do cabelo castanho com os fios dourados pelo sol e do vento da tarde com as cores, amareladas, rosadas e pardas.

(Publicado no Clic da Folha em 14 de outubro de 2008)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

trecho de clarice



"ah, e dizer que isto vai acabar, que por si mesmo não pode durar. não, ela não está se referindo ao fogo, refere-se ao que sente. o que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar. encarniça-se então sobre o momento, come-lhe o fogo, e o fogo doce arde, arde, flameja. então, ela que sabe que tudo vai acabar, pega a mão livre do homem, e ao prendê-la nas suas, ela doce arde, arde, flameja."

(clarice lispector)


domingo, 12 de outubro de 2008

noite de verão



e as bochechas adotaram o conhecido tom rubro outra vez. timidez & saudade misturam-se numa dança infernal, nas montanhosas viagens da mente da garotinha imersa nas tintas quentes do seu mundo palidamente colorido. ah, quem dera ser uma de suas paixões, quem dera repousar nos teus lábios poéticos, a esculpir os mais belos & obscuros versos nessas madrugadas insanas em que passamos juntos, ainda que distantes, meu amor. fico só, a máquina de escrever a furar a noite com seu som incandescentemente literário. fico com o meu café, meu coração gélido de dor pela ausência do amor que jamais veio ao meu encontro. fico só no meu leito, a analisar o vago divã cor de flamboyant. mas não, não temas. não há porque responder ao chamado já não sou uma donzela em perigo, sou o monstro que a exilou nessa masmorra sem vida feita de pó, lembranças. o que resta-me é o ópio nessas noites de verão, e que venha a transgressão da consciência, traga-me sonhos venais com o mocinho que bate a porta imaginária do meu ser. e fez-se a poesia mais sincera para ti, meu amor, para ti.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

“era uma vez o amor, mas tive que mata-lo”



e agora fico com esse semblante de desassossego na cara
com essa cara de quem caiu na rede sem querer
crio vermes possessivos entre os vãos da cabeça
te desvirtuo, te amaldiçôo, oh, demônio azul possessor
por que você foi bater em minha porta noturna
a procura de prazeres fáceis, dom quixote oestino?
deu com os burros & os planos n’água, pervertido andante!
mas eu queria adentrar nesse oceano suspenso dos teus olhos
fazer de ti o meu dilúvio na madrugada serena
rasgar tuas vestes, teu peito, dilacerar com as mãos
aprisionar-te sem ver em meio a essa floresta de sonhos
negra, impura, cálida & vil do amor dos vivos
queria ver o corpo derreter em medos & delírios
toda a aura juntar-se ao meu sol particular
e quando finalmente amanhecesse & tu estivesses entregue
dar-te o sono dos mortos, sem pestanejar em velórios
fazer do teu sangue a minha champanhe mais cara
roubar-te, em pesadelos, os segredos de infância
lançar-te nos divãs da inconsciência
arrancar suspiros, gemidos & sussurros
depois devolver-te ao lugar de onde veio
jogar-te como carniça entre as hienas pedantes
em cada naco teu, uma dentada profunda
de boca em boca viajando à prazo
e quando tua alma saísse do corpo
que liberasse todo o odor do meu amor incrustado
pairando no ar feito um perfume demente
envelhecido & persistente, juntando-se a fumaça dos umbrais
e se mesmo assim o meu amor persistisse
mataria a mim mesma, sem dó nem piedade
para depois procurar-te, patética, pelas estradas
que eu mesmo joguei-te por amor

terça-feira, 7 de outubro de 2008

cor-ciano



mas é que sinto falta do teu abraço,
de cor-ciano, que une mas não prende.
é que me lembro da tua boca,
cantarolando desafinada,
aquela velha bossa nova,
entre os beijos-de-bruxa-divina.
se é que você volta, eu já não sei,
mas me arrisco & me lanço infame
em profecias tolas de botequim,
a te esperar, fumando charutos
de fumaças espirais,
com borboletas no estômago
e o vírus do amor na retina.