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domingo, 25 de janeiro de 2009

reticente


mudo tão rápido
que não consigo
captar um conceito
durável o suficiente
que me dê tempo
de escrevê-lo sem
contradições
adoto mil faces
e mil nomes mais
sou fugitiva
de mim mesma
minha pele é tão
pálida e fria
não sente o sol
há meses, anos
quase não como
quase não durmo
sou masoquista
transformo tudo em dor
e a cada nova camada
de olheira funda e negra
penso na energia morta
e não sei em que jazigo
ela se enterrou...

sobre as paixões


de que matéria são feitas as paixões?
de que combinação de cores elas se formam?
virão elas das marés de vênus
ou das pregas dos vestidos de afrodite?
seriam elas pólen do sopro de eros
ou quem sabe habitam o sangue espesso
de cada um dos seres terrenos
esperando a hora certa de verter em febre?
patologia sem antídoto
alquimia sem fórmulas
química orgânica maldita
mas que dê e que passe
como gripe de verão!

mas eu sou arte



mas eu sou arte, literatura, percepção! um caos, sem embasamento teórico ou comprovação científica. contra-indicada para menores, de efeitos nocivos & irreversíveis.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Esperando o Nada*



Lembra-se do Hotel dos Confusos?
Tu esqueceu tua alma por lá
Teu café esfriou, teu poema rasgou
Teu cigarro apagou, a garota surtou
Você chegou, cheirando de naftalina
À gasolina, você voltou, sim, voltou!
Sob um Céu de Blues, no Sol Nascente
Teu cavalo alado tinha asas de nuvem
Tua estrada era mais poeirenta que a morte!
Você partiu, outra vez partiu, partiu!
Fiquei com o barulho da TV, o travesseiro frio
A serpente à espreita, reluzindo nas garras
As unhas vermelhas, roídas, lembranças de bar
Sagrado ou profano, morada de vampiros
Sugando meu whisky, secando meu vinho
Navio de Cristal, viagem astral
Garota interrompida, perdida de dor
Me ame outra vez, me ame com ternura
Baladinhas românticas na padaria da esquina
Tudo me lembra você, mas por que?

* Antigo poema de um diário em tempo de espera.

sábado, 3 de janeiro de 2009

(?) - Parte I - Esboço



Ele todo fedia. Mas não era um fedor apenas, vindo daquele corpo gordo, flácido & peludo. Era um fedor bem maior. Vinha da alma. Reflexo pútrido de uma vida junkie, arcada pelas diversas tríades malditas do submundo, das noitadas de amor em seu formato mínimo à fermentação das cervas chocas dançando na barriga & nas veias, saindo pelos poros. Da boca, ziguezagueava um bafo de estrume, seco & pobre das ervas meiadas com coisaqualquer, mescladas às pedras derretidas que vomitavam-se todas da mente corrosiva & do nariz escorregadio, branco & repleto & ínfimo de morangos mofados para sempre.
Vivia de pequenos ou grandes furtos. Não poupava os amigos ou a família. Podre, podre, Dean Moriarty do oeste selvagem. Não tomava banho há sete dias e dormia em um sofazinho pulguento do amigo de farras. Fugira da penitenciária pela terceira vez no ano: desordem & vagabundagem, posse de entorpecentes & desacato à autoridade.
Delinqüente juvenil, aos 27 anos, na estrada desde os treze, nosso Dean pegou todas as menininhas do colégio, da Cohab & da putaqueopariu. Seu corpo imundo abrigava as mais loucas & variadas doenças de Vênus, de Marte ou Saturno. Doenças estas que emitia despreocupadamente aos quatro ventos, difusas & complexas pelos úteros, bocas & intestinos à dentro ou à fora. Duas décadas de folia nos ombros, forrados de pelo espesso, mas mal & mal sabia beijar. Se apaixonava perdidamente todo dia, o suficiente para aporrinhar os amigos a o seguirem atrás de seus rabos-de-saia. Paixões que, feliz ou infelizmente, não sobreviviam aos primeiros raios de sol do dia seguinte.
E era um poeta, mas sua poesia era impaciente e logo sucumbia a uma grosseria alcoólatra, reduzida ao intento de atrair as menininhas das quais pretendia se encostar momentaneamente – gigolô instantâneo – querendo voltar desesperado ao colo materno, sem drama, sem cuspe. Quando não conseguia, procurava as putas da zona para satisfazer seu amor de verme, de boca-do-lixo, sustentado, por vezes, pelo trabalho braçal, suado & mal pago, numa ânsia de bom moço que pairava de quando em quando, fracassada.
Era um tempo crítico. Pessoas desempregadas, vagando sem rumo, vendo o presidente discursar inflamado & otimista no horário nobre, enquanto arrumavam suas malas para lugar nenhum, seguindo para terras distantes & vidas desconhecidas, com seus níveis rebaixados escandalosamente. E isso se estendia além dos limites do oeste, do estado com nome de santa e do solo verde & amarelo. Falava-se em mundo, em grandes fábricas falidas, em potências brochas, em recessão, depressão, quebra... crise, a maior, desde 1929. O futuro era, mais do que nunca, pós-2008, uma nublada pintura, impossível de ser prevista pelas mãos das cartomantes, em tarôs, runas ou i-ching, cálculos numerológicos ou astrais.
O encontrei bem naqueles dias rotos, na porta de casa, pedindo cerveja. Ofereci café com bolachas, mas Leonardo Menegatti não era homem de se prestar a tal papel, apesar de eu ser o seu amor divino & eterno daquela noite. Saímos então para conversar & tomar umas cervejas, enquanto caminhávamos pelas ruas circundantes à rodovia que cortava a cidade ao meio. Era uma daquelas madrugadas de novembro, quentes & gostosas madrugadas de quase verão. Sentamos em uma enferrujada passarela e eu tentei mantê-lo ocupado com discussões profundas a respeito da literatura que eu e ele apreciávamos na época, cinema & música também, entre o trepidar do concreto estremecido pelos caminhões de carga que ronronavam pela estrada que corria impaciente debaixo dos nossos pés suspensos.
Mas a verdade é que o diabo era machista e achava que esse tipo de conversa se limitava às suas amizades masculinas e não me deu as menores chances. E ele era só mãos & dedos intermitentes que eu impelia no fervor de minhas intenções meramente literárias em relação àquela criatura, fumando cigarros e tagarelando pouco à vontade. Eu andava escrevendo em um daqueles ritmos frenéticos, contos, crônicas, poemas & protótipos de romances inacabados, grandes reportagens, roteiros de filmes B & todo o tipo de produção textual que me batia estridente nas têmporas, e Léo era, de longe, o personagem ideal para alguma de minhas histórias.
É claro que eu andava muito sozinha naqueles tempos, mas, apesar de parecer desculpa esfarrapada, esta havia sido uma escolha feita anos antes, após algumas seqüências desiludidas nos campos fumacentos dos amores & amigos, síndrome do pânico & desistências repetidas da vontade de viver, estudar, trabalhar ou sair. Para mim, a dor era a matéria densa de que precisava para criar e não raro me metia em meio a olhos de furacões pelo simples prazer da arte. Mas ninguém sabia. Porém, além disso, havia sim a necessidade de acreditar em algo sublime, em grandes transformações, em amores não breves, que durassem bem mais do que um dia. Só que eu sempre errava o alvo. E como errava.
Uma de minhas poucas escolhas acertadas talvez fora a faculdade de jornalismo, que tentava concluir com um esforço desumano a contar pelos conflitos demoníacos que carregava no peito dilacerado. Vinte e cinco anos e um histórico de fugas novelescas, épicas e também patéticas. O fato era que, só de pensar em dar satisfações a quem quer que fosse ou de me comprometer a ponto de barrar qualquer um dos meus planos de viagens imprevistas, feitas de carona, ônibus, calhambeques ou a pé, um calafrio me percorria a espinha de tal forma que o único impulso era o de escapar, como uma bala em um revólver.
Fugira até mesmo e principalmente daqueles que chamava antigamente de “drugues”, em uma alusão ao filme baseado na obra de Burgess. Um bando de malucos metidos a artistas, drogados e traficantes que me cercavam atrás de um canto para se afundarem em seus vícios, egoísmos & ambições. O papo era só um e não colava. Seus olhos injetados, vermelhos & de um brilho falso me diziam tudo o que precisava saber e nada ou ninguém me convencia do contrário: aquela gente não prestava, era de uma estranha raça sanguessuga, vampiros salafrários, vigaristas & aproveitadores.
Mas Léo vinha de longe, era a novidade que estava procurando num raio plurilateral de mais ou menos 600 quilômetros e não encontrava. Uma alegoria da mesma raça, mas que tinha algo de puro que me atraía. Ele não era dissimulado o suficiente para me repelir, mas nem tragável o necessário para me prender. Jamais dei qualquer mísera chance ao vagabundo em anos de convivência moderada, mas o admirava por ser um beat anacrônico, ignorando os muros a perder de vista da sociedade da época. Para ele, eu ainda não sei o que eu era ou se chegava a ser alguma coisa maior do que um naco de carne.
E, em 2008, não havia mais tempo para as pessoas se conhecerem. Além da crise, havia outros problemas de mesma ordem e proporção. O nosso estado tinha sido assolado por uma enchente vasta, descomunal, incabível a qualquer adjetivo que eu tentasse encontrar no momento. Como se não bastasse, o mal do século, do anterior e daquele, a solidão, como diria Manfredini, era outra catástrofe sem precendentes, quem sabe maior do que qualquer crise ou tragédia das águas.
Toneladas de pessoas presas em saletas de computadores, monitorando suas vidas em sites de relacionamentos, tomados por ataques súbitos & prolongados de paranóia, que as obrigava a verificar constantemente em tais parafernalhas a quantas andava o seu status quo. Programas de bate-papo instantâneos eram o furor daqueles dias cinzas, assim como blogs de desarranjo vulgar. Todo mundo tinha o que dizer, pelo menos atrás dos teclados & monitores.