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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Psicodália 2009: “Vida longa ao Rock’n’Roll!”


Mas em mim tudo vai legal
Gim com tônica
Rock no carnaval

Red Tomatoes

Não. Nem só de samba, clássicas marchinhas e axé music é feito o carnaval. Para pelo menos três mil pessoas que foram ao Festival Psicodália de Carnaval 2009, no interior da pequena cidade de 3.500 habitantes, São Martinho (SC), localizada em plena Serra do Tabuleiro, o feriado foi tecido com os mais loucos acordes do rock psicodélico, experimental, teatral e circense – se é que as duas últimas terminações existem.
Privilégio de poucos viajantes do Velho Oeste – que partiram de ônibus mágicos em seletas dúzias de cidades como Xanxerê, Xaxim, Chapecó, Joaçaba e São Miguel d’Oeste, o festival, que aconteceu de 20 a 24 de fevereiro, reuniu, além dos oestinos e demais catarinas, seres de vários estados, como Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
Longe das parafernálias, tramas e paranóias tecnológicas, os dias de deleite na quarta edição do Psicodália “obrigaram” os peregrinos a gastar suas horas sem computadores, celulares e televisões! Em compensação, tiveram ao alcance das mãos oficinas variadas – de artesanato, massagem oriental, teatro e outros –, bem como shows e espetáculos, podendo instalar-se em meio a vibrantes montanhas, de suculentos cogumelos e de riachos convidativos, em acampamentos de “piras” diferentes e próprias, dos mais tranqüilos aos mais festivos, de nomes pitorescos, como “Mutantes”, “Secos & Molhados” e “Vale das Maçãs”, remetendo à grandes bandas de rock brasileiras.
Bandas estas que inspiraram novos grupos independentes, que dificilmente teriam espaço na mídia, entre eles Casa de Orates, O Sebbo, Pata de Elefante e Zé Trindade. Nomes deram o ar da graça no carnaval do rock, harmonizando espaços com uma banda das antigas, Som Nosso de Cada Dia, formada na década de 1970, que fez, no festival, seu terceiro show após a volta recente; e com o ícone crítico e profético Plá, músico e compositor meio bicho-grilo, que tem nada mais, nada menos do que 36 CDs gravados.
O difícil é não associar o Psicodália ao Woodstock. Entretanto, para alguns, pode ser ainda mais complicado imaginar que hoje em dia é possível reviver um festival desse gênero. Porém, o Psicodália é uma prova de que a nossa geração, habituada desde tão cedo aos cenários urbanóides, quer, precisa e retorna, aos poucos, à vida dos pais e avós, com uma nova roupagem, é claro, com um baita “medo da chuva” (né, Raulzito?!), mas com elementos em comum, já que, afinal de contas, a história é cíclica e “tudo deve passar”, como diria Renato Russo.
No geral, o festival não desagradou. Nem aos velhos hippies, apesar de terem percebido à tendência dos mais jovens à permanecerem tempo demais no pequeno centro burgo onde eram vendidos badulaques artesanais diversos; nem aos moradores da região, que admiram a paz e hábitos de higiene dos “novos colonos” e os tostões por eles proporcionados, engordando a economia local; e muito menos aos doces viajantes, sujeitos que, como esta repórter que vos fala, mesmo com a complicação das filas do banho e do rango, aproveitaram a deixa para meditar, celebrar ao estilo de Baco, o Deus do Vinho, perpetuando lendas* e fazendo história, por ou sem querer.

* Uma das lendas do festival é a Lenda de Wagner. Conta-se, em uma das diversas versões, que certa vez um rapaz chamado Wagner se perdeu no Psicodália e que seus amigos puseram-se a chamá-lo. Desde então, os participantes gritam o nome “Wagner”, ainda que ele não esteja lá, perpetuando o chamamento como marca do festival.

(Publicado no Folha Regional em 2 de março de 2009)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Das folias esotéricas



De que tempos remotos seriam datadas as superstições? De que matéria são feitas para que perdurem tanto? Teriam um fundo de verdade as histórias contadas pelos nossos pais e avós? As mesmas que ouviram dos seus, e assim por diante, como uma louca imagem de um espelho em frente ao outro: infinita, e de incertos paradeiros curvilíneos.
E foram noites após noites de chuva e com cheiro de parafina, do fogo que queima a vela e acende a imaginação... A imaginação, e não seria esta a tal matéria de que são feitas as superstições? Diriam os simplistas, filósofos de boteco, que elas viriam do medo humano do desconhecido. O eterno receio do negro, o lendário medo da morte, ainda que a vida doa mais e seja comumente mais lenta; Diriam os crentes que elas viriam da mais pura e indiscutível verdade. Ora, quem desconfiaria do poder nocivo dos vãos das escadas pendidas nas paredes, dos gatos que cruzam as ruas furtivos e das temerosas sextas-feiras marcadas pelo tão afamado número 13?; “Uma mente doentia, alienada e ignorante”, lançariam os descrentes, munidos de cálculos, fórmulas e comprovações científicas provindas de cérebros altamente racionais, incompatíveis a quaisquer noções de fé.
No Tarot, o número 13 não é nada mais, nada menos do que o arcano da Morte, a mais temida das lâminas, que perambulam pelos séculos decifrando as engenhosas organizações sociais, do Imperador, passando pelo Hierofante, chegando ao Louco, o bobo da corte de todas as cidadelas do Mundo, aquele que de tão “bobo”, fala o que o povo vê, mesmo que com o pescoço em guilhotina eminente.
E o 6? Ah, o 6. Sua má fama é antiguíssima, dos tempos bíblicos, a-po-ca-lip-ti-ca! Sexta-feira, o sexto dia da semana: Que dia para estar aliado ao vilão dos números, o 13. Pior do que isso, somente se unido a uma seqüência de dois 6, aí sim. Meia, meia, meia (666): o Número da Besta. O que diria Pitágoras ou Einstein sobre tais atribuições? Chamem os matemáticos, porque disso, eu nada sei. Só do que me lembro dos tempos de escola é de uma frase nada amistosa que me vinha à mente: “Sorte desse cara que inventou a matemática de já estar morto; se não estivesse, eu mesma o mataria”.
Na tradições esotéricas da numerologia, o número 6 não é tão mal assim. Ele representa harmonia e o amor. O 13, é entendido pelo número 4 (1+3=4), um número bem menos excitante, já que fala de rotina e pragmatismo. É, e falando nisso, a escada, companhia rotineira de exímios pintores, lixadores de mão cheia e limpadores de translúcidas superfícies planas, só é nociva, na minha opinião, se aliada com más intenções à poderosa Lei da Inércia, a primeira de Isaac Newton, que diz que: “Um corpo em repouso irá permanecer em repouso até que alguém ou alguma coisa aplique uma força resultante diferente de zero sobre o mesmo”. Ou seja, se os pintores, lixadores e limpadores nervozinhos resolverem colocar determinada força em suas respectivas varinhas mágicas de cada dia e lançarem na sua cabeça. Aí sim, a Dona Inércia garante que o objeto não vai parar de cair até encontrar um obstáculo, ou seja, a sua cachola. Assim, garanto que passar debaixo de escadas é mesmo um tanto perigoso.
Quanto à discriminação ao negro do gato, a acho válida desde que o supersticioso em questão utilize a sua criatividade maléfica e preconceituosa contra o pobre bichano – Felis silvestris catus negrus – para baixar o Edgar Allan Poe que existe em si e (re)inventar um conto imortal, usando a matéria-prima das superstições, a imaginação: fonte indispensável de verdadeiras proezas nos campos da história, filosofia, religião, esoterismo, matemática, física e, é claro, das letras, para a qual me refugio sem saber de nada, nem dela, nem das outras, como uma supersticiosa e eterna espectadora da vida.


(Publicado no Folha Regional em 13 de fevereiro de 2009)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

linhas estranhas num guardanapo mal dobrado*

e agora?
se estamos em sintonia
e eu tenho o medo
maior do mundo?
não sei amar sem ter medo
nem estar junto sem fundir-me
como matéria pura
misturando-se no outro


e o velho vitrô a espreita
dias retrô na velha cidade
café preto & angústia
olhos que observam
corpos que cruzam
escrita espontânea na noite de quinta
sem saber para que diabos
rumar minha fonte

* sugestão de um velho-novo amigo.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Tião, o Andarilho da Passarela


Minha vida é andar
Por este país
Pra ver se um dia
Descanso feliz


(Gonzaguinha -
Vida de Viajante)


Cidade pequena é assim: todo mundo conhece todo mundo, e basta avistar o rosto de um possível forasteiro que logo, logo se comenta. Foi assim com Tião, o Andarilho da Passarela, percebido pelos olhares curiosos dos moradores de Xanxerê nesta semana, ainda mais porque escolheu um lugar um tanto impróprio para esticar o seu pano: o ponto de ônibus que fica embaixo da passarela, na beira da estrada da BR-282.
Os moradores dizem que não é de hoje que ele perambula por aquelas bandas com o seu carrinho de papel, algo que ele mesmo confirmou. Como a Assistência Social da prefeitura não pôde passar informações sobre o destino do até então "sem nome" andarilho, a equipe de reportagem do Folha Regional decidiu procurar uma profissional especializada na Língua Brasileira de Sinais (Libras), Marisa Giroletti, para conversar com ele, já que ele é deficiente auditivo.
Muito amigável, Tião dormia quando chegamos, apesar de os caminhões de carga pesada passarem quase ao lado do seu travesseiro improvisado: um cobertor envolto em um pedaço de plástico. Assim que acordou e nos viu, abriu um sorriso e se dispôs a conversar, sem sair de sua (in)cômoda posição. Braços cruzados atrás da cabeça, pés encostados em um dos pilares do ponto de ônibus, Tião, e somente Tião – pois não soube dizer o seu sobrenome, tampouco escrevê-lo –, não tem carteira de identidade ou quaisquer documentos. O que leva consigo é uma carteira de habilitação de categoria própria para dirigir caminhões e outros documentos de um caminhão, porém, nenhum deles é seu.
Várias de nossas perguntas não puderam ser respondidas por Tião. De acordo com Marisa, ele não se comunica em Libras, pois usa gestos caseiros e leitura labial. "Ele fala pausadamente e usa palavras-chave. Quando questionado, ele olha bem para a boca da pessoa e faz leitura labial. Alguma coisa entende através de gestos, mas são gestos naturais, e não aqueles da língua de sinais", explica Marisa. Para ela, o andarilho ficou surdo depois de adulto, e é hoje um surdo oralizado.
O que conseguimos compreender é que ele não tem casa, mulher ou filhos; sua mãe morreu e de seu pai não sabe nem mesmo o nome. Entretanto, tem um irmão chamado Jorge, mas não pode mais morar junto dele. "Ele faz muitos sinais que dão a impressão de que ele é de um lugar mais distante do que Chapecó." O andarilho nunca teve casa, morava com o irmão, e agora ganha ou compra comida no restaurante do Posto Gueno, assim como o cigarro que acendeu no fim da entrevista. "Perguntei se ele gosta de beber, e ele respondeu, sorrindo, que sim; que gosta muito de beber... Mas é muito tranquilo, não me pareceu uma pessoa agressiva, e sim bastante simpático. Ele deve viver de doações, porque o que tem no carrinho são as coisas dele, não é para vender", lembra a intérprete. Segundo ela, ele não apresenta deficiência mental. Troca de roupa, mas provavelmente não tomou como rotina a higiene pessoal.
Na opinião de Marisa, é preciso encaminhá-lo para outro local, porque ali ele está atrapalhando. "Está num ponto de ônibus; podem ter mulheres que querem pegar o ônibus, ou estudantes, à noite, e de repente ele pode estar bêbado e não gostar de companhia. Não se sabe qual é o comportamento dele alcoolizado. Além disso, o carrinho atrapalha a visão dos motoristas de caminhão."

Profissional especializado

Um dos compromissos do prefeito eleito Bruno Bortoluzzi é inserir um profissional intérprete no Poder Público, na prefeitura ou na Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR). "Se tivesse esse intérprete, que entendesse da linguagem dos sinais, ele poderia até mesmo acompanhar o prefeito e outras autoridades em entrevistas na TV, porque os surdos também assistem e precisam de acesso às informações", afirma Marisa, citando como exemplo os comunicados em rede nacional.
Para resolver essa questão, está sendo discutida a possibilidade de abrir um concurso direcionado à área de Educação Especial. Um intérprete poderia acompanhar os deficientes auditivos às consultas médicas, ser útil nas sessões da Câmara de Vereadores ou, em um caso como o de Tião, auxiliar a comunicação, mais do que uma pessoa leiga conseguiria. "Nós fizemos isso de maneira voluntária, mas a profissão de intérprete é uma profissão como outra qualquer", conclui.

(Publicado no Folha Regional em 6 de fevereiro de 2009)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O Amor Romântico começa a sair de cena


Autor: ?

Uma história popular relata o caso de uma jovem que desejava muito viver uma relação de amor e então deixou um bilhete num local onde seria fácil de ser encontrado. A mensagem era a seguinte: "A quem encontrar este bilhete: eu te amo." (1) Parece improvável? Mas é isso mesmo o que acontece por aí, só que de forma mais sutil. Na verdade não faz muita diferença quem encontre o bilhete. Quantas vezes ouvimos a descrição do parceiro amoroso de alguém como sendo uma pessoa maravilhosa, bonita, inteligente e quando somos apresentados a ela levamos um choque? É comum não possuir absolutamente nenhuma das características atribuídas pelo outro.
O amor romântico não é construído na relação com a pessoa real, mas sobre a imagem que se faz dela, trazendo a ilusão de amor verdadeiro. Deseja-se tanto vivê-lo que, quando alguém o critica, provoca grande desapontamento Não é para menos. Nada pode unir tanto duas pessoas como a fusão romântica. A questão é que, por mais encantamento e exaltação que cause num primeiro momento, ela se torna opressiva por se opor à nossa individualidade.
Vivemos um período de grandes transformações no mundo e, no que diz respeito ao amor, o dilema atual se situa entre o desejo de simbiose com o parceiro e o desejo de liberdade. É inegável que a fusão que o amor romântico propõe é extremamente sedutora. Que remédio melhor poderia haver para o nosso desamparo do que a sensação de nos completarmos na relação com outra pessoa?
No entanto, quando alguém alcança um estágio de desenvolvimento pessoal em que descobre o prazer de estar sozinho, percebendo as próprias singularidades, se dá conta de uma profunda mudança interna. Preservar a própria individualidade passa a ser fundamental, e a idéia básica de fusão do amor romântico, em que os dois se tornam um só, deixa de ser atraente. Muita gente com quem converso se mostra pessimista quanto à possibilidade das pessoas alcançarem essa independência. Afirmam que o desejo de fusão com o outro está tão arraigado aos nossos ideais que ninguém vai querer sofrer a perda desse sonho. Não tenho tanta certeza assim.
Roberto Freire, por exemplo, declarou que lhe custou muita dor, solidão e desespero aprender que sentir amor era uma potencialidade vital sua, produção criativa própria, e que para amar dependia apenas dele mesmo. A expressão e comunicação do seu amor eram produtos da liberdade pessoal e social conquistada. "Em minha inocência e ignorância, eu atribuía a algumas pessoas o poder de liberar, produzir, fazer exercer-se e se comunicar o amor em mim e de mim. Esse amor pertencia, pois, exclusivamente a essas pessoas, ficando eu delas dependente para sempre. Se, por alguma razão, me deixassem ou não quisessem produzi-lo em mim, eu secava de amor e — o que é pior — ficava em seu lugar, na pessoa e no corpo, uma sangrenta ferida, como a de uma amputação, que não cicatrizaria jamais." (2)
Por enquanto, não há dúvida de que desejar viver relações de amor fora do modelo romântico pode ser frustrante. As pessoas são viciadas nesse tipo de amor e fica difícil encontrar parceiros que já tenham se libertado dele. Mas acredito ser apenas uma questão de tempo. As mudanças são lentas e graduais, mas definitivas, nesse caso. Para quem imagina que vai perder alguma coisa ao desistir do amor romântico, Bonnie Kreps, cineasta canadense, que escreveu um livro sobre o assunto, é animadora.
Ela diz que deixar o hábito de "apaixonar-se loucamente" para a novidade de entrar num tipo de amor sem projeções e idealizações também tem sua própria excitação. É a mesma sensação de utilizar novos músculos, que sempre tivemos, mas nunca usamos por causa de nosso modo de vida. Entretanto, ao começar a utilizá-los podemos fazer com nosso corpo coisas que antes nunca conseguimos. Para ela, os músculos psicológicos também existem e devemos olhar através da camuflagem do mito do amor romântico a fim de encontrá-los — e, então, ver com o que se parecerá o amor quando mais pessoas começarem a flexioná-los. (3)

Porchat, Ieda (organização), Amor, casamento e separação, Brasiliense, 1992, p.96
Freire, Roberto: Ame e dê vexame, Editora Sol e Chuva, S. Paulo, 1987, pg. 41.
Kreps, Bonnie: Paixões eternas, Ilusões passageiras, Saraiva, S. Paulo, 1992, pg 13.


O amor como meio, não como fim

Por: Flávio Gikovate

- É hora de substituir o ideal romântico do amor que basta em si mesmo (por isso não dura) por uma relação que traga crescimento individual.
Há algo de errado na forma como temos vivido nossas relações amorosas. Isso é fácil de ser constatado, pois temos sofrido muito por amor. Se o que anda bem tem que nos fazer felizes, o sofrimento só pode significar que estamos numa rota equivocada. Desde crianças, aprendemos que o amor não deve ser objeto de reflexão e de entendimento racional; que deve ser apenas vivenciado, como uma mágica fascinante que nos faz sentir completos e aconchegados quando estamos ao lado daquela pessoa que se tornou única e especial. Aprendemos que a mágica do amor não pode ser perturbada pela razão, que devemos evitar esse tipo de “contaminação” para podermos usufruir integralmente as delícias dessa emoção – só que não tem dado certo. Vamos tentar, então, o caminho inverso: vamos pensar sobre o tema com sinceridade e coragem. Conclusões novas, quem sabe, nos tragam melhores resultados.
Vamos nos deter em apenas uma das idéias que governam nossa visão do amor. Imaginamos sempre que um bom vínculo afetivo significa o fim de todos os nossos problemas. Nosso ideal romântico é assim: duas pessoas se encontram, se encantam uma com a outra, compõem um forte elo, de grande dependência, sentem-se preenchidas e completas e sonham em largar tudo o que fazem para se refugiar em algum oásis e viver inteiramente uma para a outra usufruindo o aconchego de ter achado sua “metade da laranja”. Nada parece lhes faltar. Tudo o que antes valorizavam – dinheiro, aparência física, trabalho, posição social etc. – parece não ter mais a menor importância. Tudo o que não diz respeito ao amor se transforma em banalidade, algo supérfluo que agora pode ser descartado sem o menor problema.
Sabemos que quem quis levar essas fantasias para a vida prática se deu mal. Com o passar do tempo, percebe-se que uma vida reclusa, sem novos estímulos, somente voltada para a relação amorosa, muito depressa se torna tediosa e desinteressante. Podemos sonhar com o paraíso perdido ou com a volta ao útero, mas não podemos fugir ao fato de que estamos habituados a viver com certos riscos, certos desafios. Sabemos que eles nos deixam em alerta e intrigados; que nos fazem muito bem.
De certa forma, a realização do ideal romântico corresponde à negação da vida. Visto por esse ângulo, o amor é a antivida, pois em nome dele abandonamos tudo aquilo que até então era a nossa vida. No primeiro momento até podemos achar que estamos fazendo uma boa troca, mas rapidamente nos aborrecemos com o vazio deixado por essa renúncia à vida. A partir daí, começa a irritação com o ser amado, agora entendido como o causador do tédio, como uma pessoa pouco criativa e desinteressante. O resultado todos conhecemos: o casal rompe e cada um volta à sua vida anterior, levando consigo a impressão de ter falido em seus ideais de vida.
Os doentes acham que a saúde é tudo. Os pobres imaginam que o dinheiro lhes traria toda a felicidade sonhada. Os carentes – isto é, todos nós – acham que o amor é a mágica que dá significado à vida. O que nos falta aparece sempre idealizado, como o elixir da longa vida e da eterna felicidade.
Diariamente, porém, a realidade nos mostra que as coisas não são assim, e acho importante aprendermos com ela. Nossas concepções têm de se basear em fatos, nossos projetos têm que estar de acordo com aquilo que costuma dar certo no mundo real. Fantasias e sonhos, ao contrário, têm origem em processos psíquicos ligados à lembranças e frustrações do passado. É importante percebermos que o que poderia ser uma ótima solução aos seis meses de idade, como voltar ao útero materno, será ineficaz e intolerável aos 30 anos. A bicicleta que eu não tive aos 7 anos, por exemplo, não irá resolver nenhum dos meus problemas atuais. É preciso parar de sonhar com soluções que já não nos satisfazem a adaptar nossos sonhos à realidade da condição de vida adulta.
Se é verdade, então, que o amor nos enche de alegria, vitalidade e coragem – e isso ninguém contesta –, por que não direcionar essa nova energia para ativar ainda mais os projetos nos quais estamos empenhados? Quando amamos e nos sentimos amados por alguém que admiramos e valorizamos, nossa auto-estima cresce, nos sentimos dignos e fortes. Tornamo-nos ousados e capazes de tentar coisas novas, tanto em relação ao mundo exterior como na compreensão da nossa subjetividade. Em vez de ser um fim em si mesmo, o amor deveria funcionar como um meio para o aprimoramento individual, nos curando das frustrações do passado e nos impulsionando para o futuro. Casais que conseguem vivê-lo dessa maneira crescem e evoluem, e sob essa condição seu amor se renova e se revitaliza.