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sábado, 31 de julho de 2010

Um dedo de prosa com Maria da Silva


Pergunto para Maria, a da história não contada, se ela tem algum sonho ainda. O silêncio é minha resposta.

Quando ela me disse seu nome, achei que tivesse inventado na hora: “Maria. Maria da Silva”. Talvez o nome mais comum do Brasil. Maria, o feminino de João para os brasileiros; da Silva, o sobrenome do Brasil, se o Brasil tivesse sobrenome. Sua idade é um mistério, para o mundo e principalmente para ela. “Não sei. Não tenho registro, não tenho nada, menina. Nada, nada, nada. Nem carteirinha da lotação.”
Ela estava interessada nas minhas moedas “inexistentes”; e eu, na sua história “inexistente”. “Não lembro de nada, não. Não sei nem quanto tenho em moeda”, agita a mão recheada de centavos. Sentada na mureta do banheiro público do Terminal Urbano, ela esperava seu rolo de fumo, que seria comprado por “Baixinha” na loja próxima do camelô, e os dois litros da sua cachaça cativa, “Pimpas”. “Baixinha” era a moça de blusão laranja e de poucos dentes, que vi cantarolando pelo terminal enquanto acendia seu cigarro, que saiu do lado de Maria assim que cheguei.
Graças a “Baixinha”, Maria da Silva logo preencheria o papel luminoso, arrancado de uma carteira de cigarro, com o fumo em rolo. Com seu paiero e sua “Pimpas”, se sentiria em casa, ainda que a casa fosse a rua naquele momento. Além da rua, o albergue é outro lugar que chama de casa, que não sai antes de tomar um gole de vinho. “É lá que eu moro. Eu tô bem, como bem. De meio-dia, almoço aqui no Chico e de tarde como no albergue de novo.”
Para cada ônibus que passa, um sinal de “beleza” com o dedo de unha vermelha. O boné de crochê, verde, combinando com a bijuteria que ornamenta as orelhas. Maria da Silva, apesar do nome comum, é única. Única pela simpatia que esbanja, pela alegria que transmite entre feições sofridas e ébrias, através da pele escurecida pelo descaso, talvez só seu, talvez de outros. Nascida em Cascavel (PR), Maria fala que tem filhos. “O Milton, o Jairo, o Valdomiro e o Joãozinho. E a Julcimara.”
Entretida num cumprimento e outro, se mostra popular. Pede esmola para um senhor com cabelo grisalho que se aproxima, com blusa de listras horizontais, pretas e brancas, com um número estampado no centro – como as dos presidiários dos desenhos animados –, que a chama de “Maria da Penha” (ou seria da “Maria da Pinga”?) e diz que se é pra ela comprar cachaça ele não vai dar é nada. “É para pagar a minha conta ali no Ivo, homem do céu!” Solta gargalhadas espontâneas, expressões de espanto e descontração, o deixa ir, mas sem antes lançar: “Você me paga, comprido!”
Conta que é casada e não dá trela para os “veios” do Terminal Urbano. O marido não aparece há alguns dias. Só Deus sabe o seu paradeiro. “Eu tô achando que ele vai vir amanhã”, (des)acredita vagamente. Pergunto como ela passa os dias. Responde: “Passo”. Sim, é de mais sorrisos e desvios, do que de palavras.
Já que a boca não falava por ela, as lentes da máquina começaram a falar. Deixou tranquilamente eu tirar fotos e até pediu que revelasse e levasse para ela as provas do acontecido. Mostra as mãos, conta dos anéis, faz cara de desconfiada. Depois dos cliques, pediu para se ver na pequena tela. “Olha aí eu!” Otimista com o resultado, mais uma vez sorriu. Nisso, uma velha conhecida do Maria Goretti aparece. “Só por Deus, Maria. Ela quer tirar foto tua pra botar lá na colônia pra espantar os bichos da horta!”
Pergunto para Maria, a da história não contada, se ela tem algum sonho ainda. O silêncio é minha resposta. Entorna mais um pouco a garrafa de plástico da amiga “Pimpas”, que ainda tinha, pede minhas últimas moedas e acabou-se o dedo de prosa.

OS DADOS DA RUA


Na Fundação de Ação Social de Chapecó (FASC), Maria da Silva é conhecida como “Maria da Pinga”. A assistente social, Karina De Witt, afirma que ela é uma pessoa que tem um vínculo muito forte com as ruas. “A FASC está tentando reatar os laços familiares de Maria”, frisa.
Karina relata que Maria tem uma irmã que ofereceu lugar para ela ficar. O problema é que em casa, existem regras, como não beber, não fumar e levar namorados. Assim, ela acaba oferecendo resistência ao trabalho da Assistência Social. Desvinculada da família há muitos anos, Maria não quer seguir normas, pois suas normas são aquelas que aprendeu nas ruas.
A Fundação atende dez pessoas no albergue; pelo menos cinco são atendidas na fundação diariamente e mensalmente são 50 pessoas em situação de rua auxiliadas no total, entre elas migrantes e andarilhos. Em janeiro, o número de pessoas em situação de rua aumenta consideravelmente, já que nessa época elas procuram a cidade em busca de novas oportunidades de emprego.
A assistente observa que não são todos os moradores de rua que procuram ajuda. Muitos deles têm problemas com álcool ou drogas e não querem ou não conseguem abandonar os vícios. Não se sujeitando às regras de um lar, alguns procuram casas abandonadas para viver e contatam a FASC somente quando precisam de algo, como roupas ou caronas.
O trabalho da fundação também acontece através de denúncias e de rondas buscativas diárias. São duas rondas feitas pela manhã e diversas nos períodos da tarde e da noite. De acordo com Karina, a atuação é feita com respeito ao direito de ir e vir do morador de rua. “O que a sociedade não entende é que respeitamos o tempo das pessoas”, destaca. A FASC atende também portadores de deficiência mental, que sofrem com violência, e idosos.
Muitas das pessoas que estão nas ruas não têm roupas ou documentos, assim como Maria, que não é reconhecida como cidadã pela falta de Certidão de Nascimento. E esse é um dos auxílios oferecidos pela fundação: dar subsídios que façam dos moradores de rua, de fato, cidadãos. Pessoas como ela, muitas vezes, sofreram repressão em outros momentos e têm receio de serem ajudadas. Ainda assim, a assistente social salienta que há casos em que moradores são recolocados em lares acolhedores, reatando os laços familiares até então perdidos.

(Publicado no Voz do Oeste em 31 de julho e 1º de agosto de 2010)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vai, caminhante!

De Chapecó para Dublin, na Irlanda, é um pulo. Pelo menos é em tempos modernos. Para conversar com a chapecoense, Suzana Faccio Pezzini, hoje em dia, o jeito é o MSN. E foi através desse meio que ela contou sobre sua viagem pela “fazenda da Europa”, com riqueza de detalhes, e falou sobre seus novos destinos, tão inusitados quanto o espírito dessa aventureira.

Depois de tanto ver fotos maravilhosas, em um site de relacionamentos, de um lugar distante chamado Dublin, Irlanda, decido fazer uma entrevista com a dona das fotos, Suzana Faccio Pezzini. Mando um recado para ela, que responde com euforia. Marcamos a entrevista pelo MSN e assim conheci melhor esse espírito aventureiro.
Suzana, ou Suzi, como é conhecida pelos mais próximos, tem 26 anos é chapecoense. “Com muito orgulho!! Em qualquer lugar do mundo, sempre chapecoense.” É formada em Letras Inglês pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), com pós-graduação em Negócios Internacionais e agora se encaminha para o mestrado.
Chegou em Dublin, não só a maior cidade como também a capital da Irlanda, em 14 de setembro de 2009. Quatro dias antes do seu aniversário. “A minha experiência está sendo ótima. Desde o momento em que eu cheguei aqui até agora. Não é sempre mil maravilhas, óbvio. Mas, se você se dispõe a uma aventura, tem que saber que alguns momentos serão bons, outros nem tanto.”
O espírito aventureiro e curioso estava disposto a desbravar tudo o que poderia “nessas terras distantes e absorver o máximo de experiência.” “Vai do espírito de cada um. Alguns são inquietos e inconformados com a mesmice, curiosos demais com o mundo. Bem, o meu espírito é assim: gosto de desafios, gosto de apostar grande.” Preferiu não criar muitas expectativas antes de chegar, para também não se frustrar ao descobrir o que estaria por vir. “Minha ficha foi caindo aos poucos. Quando eu estava dentro do avião, tinha um Mapa Mundi na minha frente e nele um aviãozinho desenhando a rota que estava fazendo. E, nossa, quando eu me dava conta que estava dentro daquele avião e que o meu destino era 'looooonge', muito longe, senti todos os tipos de sensação que se possa imaginar”, relata.
Suzi diz que Dublin é muito diferente de tudo o que já havia visto. Porém, como já tinha viajado para os Estados Unidos da América anteriormente, o aeroporto não foi tão chocante. “Até foi mais fácil do que eu imaginava, já que nos EUA a burocracia para se entrar tira até a paciência de um padre de pedra. Mas aqui foi bem tranqüilo”, brinca.
Quando chegou, se viu em cenas do filme Trainspotting, várias vezes. “A arquitetura é como a dos filmes, claro, são feitos na Irlanda!” Uma arquitetura completamente diferente daquela do Brasil. “A arquitetura da Irlanda e do Reino Unido são muito parecidas. A Irlanda foi colônia do Reino Unido por muitos anos. Então, a relação e a semelhança são grandes.” O país foi fundado pelos Vikings, que o dominaram até 1170.
Aproximadamente 2 milhões de pessoas vivem em Dublin. Na Irlanda, o número fica em torno de 4 milhões. Brasileiros, são 30 mil. “Tem muitos brazucas perdidos por aqui.” A Irlanda é considerada a “fazenda da Europa”. “E é mesmo. Não conseguia pensar que isso poderia ser verdade antes de vir”, comenta.
Chegou com “a grana” exigida pela imigração. “Para a gente, no Brasil, é muito dinheiro. Mas aqui não é quase nada.” Eram momentos de crise. “Aí no Brasil, falamos em crise e tudo mais, mas a gente não sente tanto. Aqui, senti na pele e é muito difícil de se viver em um lugar em época de crise.” Suas memórias estão sendo base para um livro. “Tô escrevendo um livro sobre tudo que está se passando por aqui, sobre o que vivi e como tudo aconteceu. Espero que um dia eu possa mostrar ele aos outros aventureiros curiosos como eu.”
No meio da conversa, Suzi me mandou o link do seu blog, onde conta muitas dessas experiências. Enquanto ela foi preparar uma torrada, eu lia o diário de bordo da caminhante, Locopéia Desvairada: http://locopeiadesvairada.blogspot.com

Sexta-feira, 5 de março de 2010

da vida do lado de cá

passando pelo mesmo lugar de sempre, admirando a sessão de bolo e sem um puto no bolso, apenas com minha moedinha da sorte de 2 euros que restou.
na cabeça, eu só tinha em mente: “vou enfiar o dedo dentro de um bolo e sair correndo!”
estava decidida a fazer isso. com fome, com frio, cansada de procurar emprego olho para minha moedinha, com olhos cansados e não menos esperançosos, sigo rumo ao café.
(...) chego na frente do caixa, uma branquela ruiva de 2 metros de altura me atende com um sorriso e eu penso “te verei mais vezes” e peço um café com um ar de “estou comprando o mundo”, com a moedinha na mão, de coração apertado em me desfazer dela.
chega meu café, o mais barato do lugar, já que era a única coisa que eu poderia comprar. entrego minha moedinha e digo: “você é uma pessoa de sorte, conseguiu conquistar minha última merreca pelo seu café, agora sou mais pobre do que os pobres pedindo esmola.”
e peço como quem não quer nada, afinal, já estava tudo perdido mesmo...
“você se importaria, além de te pedir um café, se te pedisse para deixar meu currículo?”
ela então pega o papel com suas mãos magras e brancas, o analisa e pergunta: “conhece essas comidas?” digo “claro, nunca comi, mas já sei que são deliciosas.”
“tens roupa preta?”, pergunta. “tenho da cor que você quiser!”, mesmo não tendo nenhuma.
e ela me responde: “então, você é uma garota de sorte, você começa a trabalhar aqui amanhã!” ah, como poderei reclamar das coisas, do destino, da ironia do destino, de quanto e do tanto que devemos sentir as coisas na pele antes delas acontecerem realmente. nunca, me proíbo de reclamar e de desistir de tentar!
segunda-feira, irei no casamento dela, da menina branquela e ruiva, serei madrinha da cerimônia =D a vida realmente é cheia de ironias...

Postado por Suzana Faccio Pezzini

O PRIMEIRO DIA DE NEVE

“Começou a nevar exatamente às 11h do último dia do ano. Foi o máximo. Todos estavam esperando. Esse inverno foi considerado o mais frio dos últimos tempos. A neve é lindamente gelada, mesmo não chegando a nevar em grandes quantidades, ainda era bonito e super divertido. Me lembro de janeiro. Chegou a nevar tanto (considerando que o povo aqui não está acostumado com isso) que a cidade virou um caos em alguns momentos. Aqui sempre foi muito frio, com muita chuva e muito vento, mas não neve. Aí a cidade não tem preparo para isso. Os carros não tem pneus para neve e a falta de preparo para esse tipo de situação gerou fatos engraçados e curiosos. Quando nevava muito, trem não funcionava, ônibus não funcionava, os carros não andavam, para andar de bike ou a pé era uma comédia, porque a queda era inevitável.”

Alguém que sempre confiou na sua sorte. Suzana acredita que a intuição foi sua grande aliada na viagem. Lá, pôde constatar que a fama irlandesa de simpatia e receptividade é verdadeira. “Vim com um curso que comprei já no Brasil para estudar inglês em uma escola de idiomas. A receptividade foi muito boa. Logo no primeiro dia fiz amigos que hoje considero irmãos. Com certeza, são anjos que foram colocados no meu caminho. Tenho muito a agradecer pelos grandes momentos que passei e estou passando ao lado deles. São pessoas realmente especiais.” Para seguir pelo caminho que ela escolheu, “é preciso ter vontade, coragem, a mente aberta para não julgar nada nem ninguém e manter o medo bem dosado.”
Como conta no texto do blog, em Dublin, trabalhou em um café, o “Brambles”. “Por essa empresa trabalhei na doceria, em um café e em eventos também.” Chegou a um ponto que estava trabalhando em eventos para a presidente da Irlanda. “Os encontros principais que tiveram aqui, trabalhei.” Isso incluiu evento da Academia de Letras, palestras presidenciais, eventos em museus. Conheceu pessoas da política, literatura, artes, música, celebridades e principalmente autoridades, como diplomatas e parlamentares.
Voltar para o Brasil? Não tão cedo. Agora, está em uma nova fase, está começando tudo de novo, tudo novo de novo. “E estou empolgadíssima. Lembro da sensação que tive antes de vir e é a mesma. A ansiedade, a curiosidade, saber que irei desbravar um outro lugar do mundo, que irei crescer com a experiência, que será única e incrível.”
Sua primeira viagem por aqueles lados, foi para a Bélgica. “Uma das grandes amizades que fiz na Irlanda foi com uma menina da Bélgica, Clarisse. Até aprendi francês com ela. Me deu grandes dicas e até participou da viagem. Fiz quase o país inteiro, se bem que não é grande coisa, porque em 1h se atravessa toda a Bélgica.”
Na seqüência , foi para a Holanda. “A Holanda é linda, mágica. Um lugar perfeito para se perder em todos os sentidos. Parece que a bússola que temos dentro de nós se perde ao chegar lá.” Foi então para o Reino Unido, parte da Escócia, “com seus castelos inesgotáveis e muito whisky”. Conheceu a parte inglesa do Reino Unido, como Liverpool – a cidade dos Beatles –, Manchester, e Londres está nos planos para os próximos dias. Por último foi para a Itália. Visitou mais ou menos 40 cidades. “Me apaixonei pela Itália. Florência, a Capital Mundial da Cultura. Sem contar o sorvete, mamma mia! Cheguei a tomar sete em um só dia, nem comia, só queria saber de tomar sorvete.”
Gostou tanto da Itália, que em setembro, antes do seu aniversário, se muda para Roma. “Acho que a surpresa é meu grande presente.” Na sexta, vai viajar de carro pela Irlanda. “Vou me aventurar a alugar um carro e viajar pela contra-mão. Vai ser uma boa aventura.” Ao contrário da maioria das pessoas, Suzi viaja de forma diferente. “Fazer uma grande trip conhecendo o que todo mundo conhece, não é bem meu estilo. Procuro viajar para um país e visitar o máximo do que eu puder lá, aprender a cultura, visitar diferentes cidades. Da capital à terra da Conchinchina que ninguém conhece.”

(Publicado no Voz do Oeste em 29 de julho de 2010)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

love


Chapecó em: Cultura Viva & Emoção Intensa

Peças que, unidas, formam uma grande tela colorida – uma exposição de formas e estilos variados de 23 artistas plásticos de Chapecó e região.


Obras que surgem de propostas e temáticas pensadas cuidadosamente pelos artistas, expostas em um evento gratuito, promovido através de uma parceria entre a Revista Flash Vip e a Fundação Cultural. É o “Chapecó Cultura Viva & Emoção Intensa”, que acontece hoje, a partir das 19h30, na sala Cyro Sosnoski, no Centro de Cultura e Eventos Plínio Arlindo de Nes.
Quadros, esculturas e instalações que, muitas vezes, fazem com que o público se desprenda do olhar estático. “Temos trabalhos bidimensionais e tridimensionais. Cada artista trabalhou dentro da sua linguagem artística”, comenta a coordenadora de Artes Visuais da Fundação Cultural de Chapecó, Sandra Borsoi.
Vinte e três artistas plásticos de Chapecó e região participam com duas obras cada, totalizando em 46 peças. Haverá um coquetel de lançamento da exposição, seguido de um leilão beneficente que terá parte do dinheiro revertido para a Associação Amigos da Orquestra Sinfônica de Chapecó (AAOSC). Um segundo leilão ainda será realizado, com dinheiro revertido para o próprio artista. Algumas obras ficarão expostas entre os dias 28 de julho e 8 de agosto.
“A população está convidada, não só para participar dos leilões como para visitar a exposição”, explica Sandra. Essa é a segunda edição do evento. “No ano passado, tivemos mais de 300 convidados. Foi um grande sucesso e esperamos repeti-lo nesse ano.” O valor arrecadado para a associação na edição passada foi R$ 12 mil. A questão social é um ponto forte do evento. “O que devemos enfatizar, é a consciência desses artistas. Eles estão preocupados, estão envolvidos com a sociedade e com a responsabilidade social.”
A editora e jornalista responsável pela Revista Flash Vip, Carla Hirsch, enfatiza que a intenção do evento é estimular a população chapecoense para que crie o hábito de apreciar obras de arte e recitais de orquestras. “Antes da construção do Centro de Eventos, não tínhamos um espaço para isso. Essas atividades culturais existiam e existem na cidade, mas elas não são populares. A ideia é aproximar a comunidade dos talentos locais.” Com isso, a cultura é fomentada, aliada de uma ação filantrópica. Conforme Carla, desde 2009 a orquestra sinfônica está em formação, precisando constantemente de manutenção.
Com uma dinâmica diferenciada, o leilão dá a oportunidade para a população comprar obras de arte a um preço bem inferior ao normal. “As obras chegam aqui com um preço inicial 40% menor do que o preço de mercado. Algumas obras até iniciam com lance livre”, complementa a editora. A expectativa é superar a meta do ano passado, considerando a inserção de obras de novos artistas e a qualidade das obras. Outra diferença é que na primeira edição foi leiloada apenas uma obra de cada artista.

DESENCAIXE SOCIAL

Cesar Zanin trabalha com pintura, mas seus últimos quadros envolvem o conceito de arte gráfica. Nascido e crescido em Chapecó, bacharelado em Artes Visuais pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), Cesar tem 45 anos e há mais de 20 trabalha com a arte. Viver dela, é quase uma ideia surrealista. Para levar a vida, dá aulas. Mas vê novas possibilidades de comercialização do trabalho artístico com a inserção da arte contemporânea.
Mais do que espaço de simples comércio, eventos como esse, para ele, têm o significado maior de mostrar o trabalho do artista. As suas duas obras expostas no “Chapecó Cultura Viva & Emoção Intensa” tratam do deslocamento do indivíduo regional. Um personagem real, disposto em um contexto de desencaixe social, em um cenário de globalização, pós-modernidade, transformações e excesso de informações – tidas pelo artista como “signos do não-lugar”. Mapas existentes, mas não visíveis ao olho humano, assim como as ondas sonoras, fazem parte de sua arte que une fotografia e mídia.
Uma das peças mostra a foto de um agricultor, trabalhada no Photoshop, no meio de um trânsito caótico – com elementos psicodélicos –, submerso no mapa aéreo real da América Latina.

“DO EMARANHADO DA LINHA, SURGE O PRODUTO FINAL”

Formado em Artes Plásticas pela Unochapecó, Sid Geremia usa uma linguagem bastante própria. “Na faculdade, fazíamos exercícios com materiais alternativos e eu me identifiquei com o arame pela questão do desenho. Minha obra é um desenho, em um espaço tridimencional. Quando se desenha no papel, faz rabiscos, linhas são sobrepostas. Com o arame é a mesma coisa. Do emaranhado da linha, surge o produto final.”
Entre as suas esculturas expostas no evento, está a chamada “Pseudo-Morte da Mãe”, uma brincadeira com a figura materna. “Dentro da aranha maior, tem duas aranhas menores.” A escultura virada, de pernas para cima, representa a morte da aranha. O seu trabalho faz sentido através do movimento, da união de várias peças, não de peças isoladas. “Ele funciona enquanto instalação”, pondera.
Sid tem 31 anos, há dez faz arte, embora diga que ela esteja inserida em sua vida desde a infância. “Desde pequeno, minha mãe dizia que eu fazia arte”, descontrai. Depois da graduação, começou a produzir intensamente e fazer exposições. No “Chapecó Cultura Viva & Emoção Intensa”, vê uma chance de dar mais visibilidade ao seu trabalho e ainda colaborar com a orquestra.
Viver da arte? Um tanto difícil. “Sempre digo que temos que trabalhar em outros lugares para bancar o trabalho artístico”. Sid é também professor, de desenho, expressão visual e musicalização – uma outra maneira que usa para manter a cultura viva e a emoção intensa.

(Publicado no Voz do Oeste em 28 de julho de 2010)

terça-feira, 27 de julho de 2010

picassos fakes

tenho mania de acreditar que sonhos dão respostas ou avisos. sempre que acordo, antes do café & cigarros que me deixam existir, com o emaranhado de cachos ruivos em desalinho, desperto com mil teorias. digo que amo, que tenho saudade, que entendo, que fulano vai morrer. hoje, foi mais um dia desses. sonhei contigo. calma, tu não vai morrer. acordei com aquela compreensão intensa, de ti e de mim. te compreendi, me compreendi. uma das coisas que entendi, com horas e mais horas de sono (está ficando cada vez pior, não levantei nem para comer um pedaço de torta do aniversário da minha mãe), foi que seres humanos se aproximam pela ilusão da igualdade entre si. na fase de idealização, projetamos tudo o que somos no outro. é a ilusão da semelhança que nos aproxima, o que faz com que aprendamos, que cresçamos juntos, porque, na verdade essa semelhança é muito menor do que se esperava ou muito maior do que se desejaria. passado o tempo de idealização, muitas pessoas se distanciam, simplesmente, e até brigam. a aproximação acontece também pelo motivo contrário. a diferença entre si é outro ponto que une. até que se nota, que ninguém é tão diferente assim da gente ou que a outra criatura é diferente demais para fazer parte do nosso cotidiano. sei que se não fosse essa ilusão toda, esse desejo de se encontrar no outro, talvez não nos aproximaríamos e perderíamos chances enormes de crescer. depois do sonho, entendi, que eu e você éramos diferentes demais e parecidos demais. parecidos pelo nosso medo louco da rejeição. diferentes, porque expressávamos isso de maneiras distintas: eu me destruindo e você me destruindo. não preciso nem dizer quem perdeu mais nessa história. de qualquer forma, te entendo. e acho até que, numa análise mais aprofundada, quem perdeu mais foi você. mas quem liga pra isso agora? não sou boa em matemática. meu bem, se não fosse a nossa ou a minha ilusão, jamais teríamos vivido alguns dos melhores anos das nossas vidas. então, obrigada. outro insight foi a respeito do que desejamos. imagine se tivéssemos tudo aquilo que desejamos, o quanto não sofreríamos, talvez sem necessidade. talvez, aquilo que desejamos veementemente, nos traga experiências já vividas e aprendidas, que não precisamos passar outra vez. nessas horas, parece existir alguém que lança um “pare” e não nos permite viver determinada situação desejada, no auge da nossa paixão. é claro que muitas dessas experiências que nos são privadas, poderiam trazer belos dias, mas, com eles, sem dúvidas, viriam ressacas intermináveis. algo que só se percebe tempos depois. começo a ver com resignação cada um dos dias, ainda que com impulsos de fúria. estou tentando manter um humor menos extremista. nem o ápice da melancolia, nem o auge da luminosidade. minha maior obra é in e nela me empenho as cem horas do dia. coisas de ser recluso, coisas de opção ou nem sempre. coisas minhas na tela branca do meu mundo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

strange days


ao som de ratos no sótão


se escondeu no seu quarto, como sempre fazia. o cachorro se aconchegava debaixo das cobertas, fugindo do frio da noite. infelicíssima. ela estava infelicíssima, ela era infelicíssima. quem dera fosse clarice. por ela, dormiria o dia inteiro, a noite inteira, a vida inteira. ontem, tentou se iludir, engolir inverdades. não deu. poetas, escritores e aprendizes, sempre reconhecem inverdades no ato. infelicíssima, ecoava. soube que seu último caso recebera outra garota no seu apartamento – típico de um hipocondríaco mimado. mas não era só isso, a vida era mesmo o que lhe pesava e pesava na alma. e, por mais que quisesse, seria incapaz de cutucar e ferida e falar de tudo que lhe doía. seria constrangedor demais. não tinha um minuto de sossego na casa alheia. dentro e fora de si, só um silêncio esmagador. a comida não era ela que pagava, a gasolina, a eletricidade, a água do banho obsessivo-compulsivo. não havia um centavo nas calças rasgadas. perdeu seu último amor no vão da estrada. mas nem sabia que estrada tomar. e nem sabia que existia estrada. trabalhava todas as manhãs, solitárias, no jornal diário. escolhia uma história louca para escrever/contar todos os dias e até havia quem gostasse. assim, poderia esperar o salário e trocá-los por cigarros e novas balas para o revólver. não se olhava mais no espelho, nem nos vidros das vitrines. a fluoxetina havia acabado, o selene também. logo viria a histeria psicodélica dos dias de sangue e seus golpes de aromas rotos. a mente, mofada. cedeu ao mofo. espremeu os lábios de frutas vermelhas contra a parede branca, escreveu com batom no espelho do banheiro: “morri”. quem dera fosse verdade. a única verdade, desde a primavera de 1983, era uma vida que não tinha fim, muito menos previsão. se pudesse oferta-la, ela, a vida, ao primeiro doente ou mendigo da rua, ofertaria. “tó, pegue pra ti essa vida escrota que eu não sei viver, dói demais.” mas não dava para se livrar da vida, como quem troca de trapos. não dava, não deu, não dá.

(crônica que pretende deixar claro que sou incapaz de mentir e falar bonito aos jornais diários.)

domingo, 25 de julho de 2010

crônica retrô


o vcr não funcionava mais. quantos anos em desuso. mas, juntei partes do aparelho de som, outras do dvd e voilà! quando o ligo, uma surpresa: “zumbi 3”, de 1974, um dos filmes que mais gostei na vida. achei que o tivesse perdido, mas perdida estava somente a capa. ele estava lá, intacto. a produção franco-espanhola, distribuída pela poderosa filmes. uma viagem canibal pelo interior da inglaterra. acho que o encontrei em algum sebo, daqueles que costumava freqüentar antigamente. não me lembro. além dessa fita, notei outras memoráveis na velha mesinha, como “beleza americana”, “easy rider” e “o exorcista 2”, esse último gravado da televisão. um achado, pelo menos para o meu gosto. ele tem cenas hipnóticas, uma passagem para dentro do cérebro humano. depois de encontrar todas essas relíquias, percebi o porquê não sinto o mesmo entusiasmo pelos dvds. como eles são vulgares. será que as novas gerações não irão sentir essa maravilhosa sensação de ouvir a fita rodar dentro do vídeo cassete? retrocede-la, passa-la para frente, apertar o tracking para melhorar a qualidade, ficar até de madrugada para gravar filmes de terror da band? que pena tenho das novas gerações. não conhecerão o vcr, nem jogaram atari ou super nintendo. não sabem do prazer de assoprar uma fita do mario para faze-la funcionar. os filmes, já não mais em technicolor ou em p&b, vistos apenas através do computador. assim como os jogos, superdesenvolvidos, presos nas telas da modernidade. nossa, como estou velha. e como é bom ser velha. conhecer as produções originais das músicas, não somente versões, regravações, tributos. tenho medo que daqui há alguns anos, ninguém sinta o cheiro dos jornais impressos, dos livros de sebo, dos discos de vinil. eu mesma comecei a abandonar tudo isso. tenho medo que ninguém mais saia para andar de bicicleta aos sábados à tarde, procurando estradas desconhecidas. tenho medo, por mim. talvez eu me esqueça do cheiro de grama das praças e bosques, de andar com o cachorro, de atender o telefone, de comprar um fusca e me mandar para o nada. talvez eu esqueça de mim, de ti, de como era viver. da vida.

bendita hora maldita


maldita hora em que conheci os malditos. maldita hora em que conheci jim morrison & caio fernando abreu & os amigos do boteco. maldita hora em que me deparei com o lado negro da vida. e eu era tão feliz. e eu era tão docemente alienada. bons, maus tempos aqueles.

sábado, 24 de julho de 2010

Debaixo do chapéu e do cabelo branco, uma caixa de memórias


Mais do que um simples empresário empreendedor, Victorino Biasio Zolet contribui com a história através de suas fotografias, que tantas vezes abraçam o conceito de Fotojornalismo


“Se é para contar história, eu tenho muita história para contar. Vamos começar por onde? Eu já tenho 80 anos de idade e 53 no ramo da fotografia. Já andei um bocado”, inicia. Sorte e privilégio encontrar Victorino Biasio Zolet, disposto a contar suas histórias, numa manhã chuvosa de quinta-feira. Debaixo do chapéu e do cabelo branco, uma caixa de memórias. Mais do que um simples empresário empreendedor, ele contribui com a história através de suas fotografias, que tantas vezes abraçam o conceito de Fotojornalismo.
Nascido em 3 de fevereiro de 1930, em Paraí (RS), desde cedo, Victorino e os irmãos ajudavam os pais em casa. “Eu não fugi da regra. Meu pai era ferreiro, tinha uma serraria também, e eu, com onze, doze anos, ajudava no que fosse possível.” Em março do ano de 1945, havia recém começado a funcionar o Frigorífico Sadia, em Concórdia (SC). “Fui contratado então pela Sadia. Trabalhei de carteira assinada de março de 1945 até abril de 1949.”
A família era grande, pobre e a mãe de Zolet era quem administrava as finanças. Os salários dos filhos eram entregues para ela, que fazia as compras da casa. A ferraria e a serraria do pai, entre 1944 e 1945, já não funcionavam mais, em função da Segunda Guerra Mundial. Não tinha mais ferro, combustível ou carvão. Faltavam os elementos de trabalho.
No início de 1948, tentou entregar para a mãe o dinheiro das férias de seu trabalho na Sadia, mas ela recusou. “Disse: ‘não, esse das férias fica para você.’ Então, a primeira coisa que eu fiz foi comprar uma ‘maquinazinha’ de caixão e passei a tirar fotografias. Como o dinheiro das fotografias era meu, pude mandar fazer um terno. Eu andava sempre bem arrumado e com dinheirinho no bolso.”
Foi nessa época que a mãe de Victorino recebeu a visita de um irmão, Albino De Boni, que era fotógrafo famoso. Fotografou a Guerra do Contestado e o Pós-Guerra. Já havia contratado e ensinado vários primos de Victorino. Albino ofereceu então a chance dele ir trabalhar em Caçador (SC), junto de mais uma dúzia de primos. “Queria me fazer um fotógrafo profissional.”
Era final do ano de 1949. Em 60 dias já dominava tudo. “Balança, químicos, pesos, aquelas câmeras fotográficas de chapa, trabalhava no quarto escuro. Tudo.” De Caçador, acabou indo para União da Vitória (PR). Aos 22 anos, trabalhava dia e noite, mas sempre tinha em mente a intenção de voltar a estudar. “Só tinha feito o curso primário, durante três anos. Naquelas escolinhas de interior onde não tinha nada, nem caderno. Se escrevia na lousa, na pedra.” Em União da Vitória, fez o chamado Artigo 91, que correspondia aos quatro anos de curso ginasial. Depois, se matriculou na Escola Técnica de Contabilidade. Aos sábados e domingos fazia datilografia.
Depois de um desentendimento com o tio, acabou saindo de União da Vitória e voltando para Caçador, onde foi trabalhar com o primo Sílvio De Boni. Se matriculou no Colégio Aurora e concluiu o Curso Técnico de Contabilidade.
Com os dois diplomas em mãos: de datilógrafo e de contador, começou a procurar um lugar para se estabelecer por conta própria. Todo o dinheiro que sobrava, Victorino comprava em equipamentos fotográficos, “Rolleiflex e tudo mais”, para montar um estúdio. Assim, veio visitar Chapecó. “Vim, gostei e tratei de procurar uma sala para me estabelecer.” Após seis meses de fila, conseguiu alugar uma sala. Em 3 de dezembro de 1956, veio definitivamente para a cidade. Tinha sala reservada, todo o equipamento e muita vontade.
Abertas as portas, foi à Rádio Chapecó e colocou um anúncio no ar. Era o único meio de comunicação imediato daquele período. “Era ouvida por todos. Bastava anunciar na Rádio Chapecó que todos sabiam das novidades”. No dia seguinte, a clientela começou a aparecer. Com a clientela aumentando, ele, que trabalhava sozinho, teve que contratar mais funcionários. “E a loja foi crescendo”.
Surgiu então uma namorada, Zilma Lunardi, que se tornaria noiva e finalmente esposa, em 1960. “Pensamos em sair do aluguel e construir o nosso próprio ponto. Tivemos chance de comprar esse terreno, em que estamos há 45 anos. Já tinha moradia, estava casado e com quatro filhos. Houve um progresso tremendo. Tudo deu certo.”

“SOU TESTEMUNHA OCULAR DESSA HISTÓRIA”

“Nós não só trabalhamos na fotografia e procuramos garantir o nosso pé de meia. Colaboramos intensamente com a comunidade.” Victorino e Zilma são sócios-fundadores do Lions Club Chapecó e ajudaram a fundar diversas outras entidades, organizações e movimentos.
Entre as colaborações mais significantes, está a vinda da Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste (Fundeste), responsável pela implantação do Ensino Superior no município, mantenedora da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó) até hoje.
“Existia na cidade um espírito comunitário muito forte. Quando alguém dizia que queria fazer um trabalho para ajudar a cidade, todos se abraçavam e colaboravam.” Ação que protagonizou o progresso da cidade. “Tenho a felicidade de estar ainda aqui, com 80 anos, de ter participado de tudo isso e de poder contar. Sou testemunha ocular dessa história.”
Victorino acredita que vale a pena trabalhar sem medir esforços, viver, participar da comunidade. Lançou recentemente o livro “Victorino B. Zolet – 50 anos fotografando Chapecó”. A paixão pela fotografia perdura até hoje. Zolet renovou os equipamentos do laboratório, investe em novos trabalhos e continua apoiando causas sociais. “Estou muito feliz pelo que consegui alcançar. Juntamos um belo patrimônio, uma garantia para os últimos dias. Estou vivendo a vida.”


(Publicado no Gazeta da Manhã em 23 de julho de 2010)

boa


sexta-feira, 23 de julho de 2010

Em sintonia com “Nenhum de Nós”

A banda fala sobre o público chapecoense, o novo álbum autoral e até sobre literatura, já que o lançamento do segundo livro de Thedy Côrrea está previsto ainda para 2010.

Antes do show da banda gaúcha “Nenhum de Nós”, no 14 Bis, ontem (23), Thedy Corrêa (vocal) e Sady Homrich (bateria, percussão) cederam uma entrevista ao Voz do Oeste.
“Um espetáculo feito sob medida para o espaço do 14 Bis, um show bem mais intimista, no sentido de estar mais próximo do público, mas com muita vibração, num formato acústico, que também ajuda a criar esse clima mais direto”, diz Thedy sobre o show.
Para o vocalista, Chapecó é uma cidade que tem sintonia com o “Nenhum de Nós”. “É um público bom. Faz bastante tempo que viemos para cá e, sempre que possível, voltamos. A ideia é estar junto e, de alguma maneira, não deixar o público a ver navios”, descontrai Thedy. Na opinião do baterista, os shows na região oeste geraram frutos, como os diversos fã-clubes da banda no oeste.
O “Nenhum de Nós” está atualmente em estúdio, concluindo as gravações do 14º CD, que deve sair ainda no segundo semestre do ano, em outubro. “Ainda não decidimos o nome. Isso é uma coisa que gostamos de pensar bastante”, comenta Sady.
Desde 2005, a banda não lança um disco autoral, somente CDs e DVDs comemorativos., entre eles “Nenhum de Nós a Céu Aberto”, de 2007, registro ao vivo nos formatos CD e DVD em comemoração aos 20 anos de carreira; e o CD “Paz e Amor Acústico”, de 2009.
Corrêa lançou um tributo ao compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, em seu primeiro disco solo, chamado “Loopcinio”, de 2005. “Um álbum pontual”, segundo o vocalista, também gaúcho, que não pretende lançar nenhum outro disco semelhante em breve.
Thedy Corrêa tem se lançado também como escritor. Após o primeiro livro, de poesia e música, “Bruto” (L&PM Pocket) – lançado na Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), com direito a palestra –, ele lança o próximo livro no semestre seguinte, prometendo voltar à Chapecó para fazer de novo o lançamento.
O vocalista aposta na inserção de elementos literários nas letras da banda. “São coisas que andam juntas. O 'Nenhum de Nós' sempre valorizou muito a literatura dentro da sua obra, desde o primeiro disco têm músicas com nomes de livros ou inspiradas em obras. É algo importantíssimo para nós, a relação que as letras, o nosso conteúdo, têm com a literatura.”

tudo que passou

mais um retrato rasgado
eu fico pensando
o que vai ser de mim
o que vai ser de nós
com tanto a dizer
e tão pouco tempo
o que aconteceu
o que nos separou
nossa vida
que correu
pra tão longe
de nós dois
tente esquecer
tente deixar pra trás
tudo o que passou
não vale a pena
guardar tanta mágoa
de tudo o que passou
tudo o que passou

(Poema de “Bruto”)

(Publicado no Voz do Oeste em 24/25 de julho de 2010)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

longa insônia

jamais me verá comedida, morna, na linha do meio. me verá em ultimatos, em tudo ou nada, em cheque-mate. ninguém está pronto para uma pessoa como eu. por isso me mantenho em cativeiro. sou perigosa, intensa, (auto)destrutiva. me provoque e entenderá o que digo. a melhor opção é ficar longe de mim. sim, não se aproxime. sustento uma poker face das mais severas, sou lava incandescente, logo verá que terá que optar em andar comigo e definitivamente ou se mandar de vez. se sou doce, sou doce. se sou cruel, sou indiferente. eu sumo, provoco maremotos de silêncios, sepulto vivos o tempo todo. já levei mil cortes, dei mais de mil. apanhei, me reconstitui. não me verá na luz do dia, tomando chá. me verá na penumbra, com café preto e muita fumaça. terá sorte se me encontrar dormindo, porque quando acordada, considero toda a vida uma longa insônia. e não queira entrar no meu sono, sou puro pesadelo. se me encontrar escrevendo, não perturbe. posso atacar sem piedade. se me encontrar na rua, desvie. não cumprimento por educação. levo uma faca na boca, um soco no punho, uma mágoa enorme no peito. se eu te amar, saiba que isso se transformará em repulsa tão em breve que mal poderá acreditar. não vou te odiar. só vou me convencer de que tu jamais existiu. meu sol em escorpião me fez assim; o ascendente em gêmeos me deu inteligência e a lua em peixes não pode ser vista a olho nu. se quiser vê-la, terá que ter olhos de caleidoscópio, terá que ter alma de microscópio, paciência de sobra. traia a minha confiança e terá o meu desprezo até o fim dos dias. sei ser má, sei ser vista e sei me tornar invisível. sonde minha intimidade, arrume uma inimiga. me diga o que fazer, arrume um problema maior ainda. a chance de darmos certo é só uma: nenhuma. e não insista.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Uma galeria de super-heróis, anti-heróis e vilões


Pelo menos 40 desenhos compõem a exposição iniciada ontem na SG Arte Visual


O mundo das Histórias em Quadrinhos (HQs) e seus super-heróis, anti-heróis e vilões, em exposição na SG Arte Visual. Iniciada na terça-feira (12), na própria escola, que fica no Shopping Itajoara, a exposição seguirá pelo período de um mês.
São aproximadamente 40 desenhos, de alunos e professores, que compõem a galeria. Personagens da famosa Liga da Justiça, como Batman, Mulher Maravilha e Superman, todos da DC, fazem parte da exposição, sem contar os anti-heróis, como Rorschach, e vilões, como Curinga.
A professora, Ariane Reck, explica que foram escolhidos 65 personagens e feito um sorteio entre os alunos da escola para definir quais seriam os personagens pesquisados e desenhados por cada um. Ela conta que anteriormente, uma exposição com os personagens da Marvel também foi feita, com nomes como X-Men, Wolverine, Homem-Aranha, Homem de Ferro e Capitão América.
Para a professora Ariane, praticante da arte do desenho desde criança, o super-herói representa a utopia. “É a idealização de um ser que seria capaz de salvar a humanidade”, opina. De acordo com ela, diferente de super-heróis como Superman e Batman, que fazem o bem sem sacrificar vidas alheias, os anti-heróis praticam o bem, mas não se importam em massacrar os vilões.
A SG Arte Visual fica aberta de segunda a sexta-feira, das 9 às 11h30 e das 14 às 18h; nas segundas e quartas-feiras à noite, das 19 às 21h; e nos sábados, das 9 às 12h.

(Publicado no Voz do Oeste em 14 de julho de 2010)

terça-feira, 13 de julho de 2010

libélula

jornais espalhados pelo chão, grafias desordeiras. teu rosto não conjuga com o dela. arrependo-me de não ter barrado tua saída ao invés de abri-la com taças de vidro nuas no ar. ela mal sabe unir as letras sem cometer barbáries, sem comprometer vultos da humanidade. ah, sei, fiz sofrer, mas sofro em dobro agora. quando chegará o fim dessa linha espaçada? se eu soubesse que o caminho seria tão árduo, ficaria com a monotonia; se eu soubesse que almas encontraria nos vales, ficaria nas planícies e bem perto do céu. e tua alma não rima com a dela, mas sei que tens muito a ensinar e ela a ti. quanto a mim, tiro a lição do horror do isolamento (in)voluntário. quanto a mim, bebo da garrafa o gosto azedo e forte dos verbos que só eu conheço. quanto a mim, apodreço, cinza e verde no meu canto monocolor. as pessoas erradas te cercam; as pessoas erradas me cercam. estamos nos lugares errados por mero orgulho. sinto o fardo de carregar um corpo, conhecendo a leveza do espírito. e que medida incalculável é essa a do fardo de entender-se pássaro e não voar; conhecer-se livre e são, e ter a carne privada em dores. liberta-me, faça-me libélula. pinta-me com tua tinta de fada, borra-me com os tons do campo, dos campos que nunca mais visitamos. se eu pudesse, desvencilharia-me de ti, corpo, mundo, outro. quebraria agressiva as correntes desse fardo e soltaria flamas pelo ar com minha máscara de prismas. sim, se eu pudesse escaparia, em mil tons de luz através dos contornos do corpo, vazando a tinta luminosa do meu espírito. vazando, como vaza o transparente pelas frestas, o transparente dourado, o transparente violeta, o transparente das cores que são só minhas. escapar e só. vazar e só. voar e só. livre e só...


na boca, somente uma frase: não me encoste, em hipótese nenhuma, me encoste.

O nosso pai do rock


Tyto Livi é o pai do rock chapecoense. Seu compacto duplo, “Memórias de Um Certo Louco,” lançado em 1977, foi o primeiro disco (LP) de rock independente da cidade, de Santa Catarina e um dos primeiros do sul do país. Trabalho que ainda faz sucesso, admirado pelas novas gerações de amantes do Rock’n’Roll. Como hoje, 13 de julho, é comemorado o Dia Internacional do Rock, fomos até a casa de Tyto reviver as memórias desse certo louco, que mantém a postura de artista e rockeiro, mesmo sendo um respeitado advogado.

Tyto é polivalente. Faz discursos, como advogado, mas também como ator. “Às vezes eu resolvo fazer um discurso como ator na tribuna. Eu posso fazer isso. Na sociedade, há dificuldade de avaliar o lado artístico das pessoas. Aquele cidadão que faz novelas, ele está interpretando, ele é um artista naquele momento. Quando ele vai assinar um contrato ou um negócio, se torna uma pessoa como as outras. Existem as mesmas leis para todo mundo.”
No Conselho Estadual da OAB, ele continua sendo rockeiro. A barba mantida, em sinal de inconformidade, aliada ao espírito rockeiro de Tyto Livi, dizem ao mundo que não é preciso acatar todo e qualquer parâmetro. “Uma das características do rockeiro, é não dizer ‘sim’ para tudo que está aí. Dizer ‘sim’ só para o que é bom e quebrar alguns parâmetros.”
Seu rock, que o fez conhecido, trata de crítica social. Apesar dele perceber o amadorismo do álbum, “um corpo estranho”, como o chama, foi esse mesmo amadorismo que lhe rende fãs até hoje. As letras, cantadas com um sotaque interiorano carregado, mostram a cultura, o regionalismo do oeste catarinense.


“MEMÓRIAS DE UM CERTO LOUCO”

Gravado em 1977 (ano da morte do Rei do Rock, Elvis Presley), o compacto duplo, “Memórias de Um Certo Louco”, feito de maneira independente, foi o primeiro disco (LP) de rock independente da cidade, de Santa Catarina e um dos primeiros do sul do país. “Para 99% das pessoas, não só na região, como no geral, era uma coisa fora do normal. Uma pessoa que saiu do interior, que está no meio de toda aquela influência da música do sul, música gauchesca, gravar um disco de rock?!”
Lançar um álbum independente naquela época, “era um salto no escuro: não se sabia onde iria dar.” Era um momento de mudanças. “Você acabava embarcando num trem, que nesse caso específico era o trem do rock.”
O músico contextualiza o período, explicando que nos anos 70, houve a inserção da TV nas casas das famílias da região. Foram vendidos muitos televisores na Copa de 1970. Foi através dessa caixa mágica que é a televisão, que Tyto Livi pode ver, de fato, Elvis Presley e The Beatles, que só conhecia pelo rádio. Pelo rádio (Rádio Globo) também conheceu as músicas de Raul Seixas e de Ney Matogrosso, no programa Paulo Giovani Show – onde tocavam os lançamentos nacionais e internacionais. A TV era um chacoalhar de estruturas, uma revolução, em que se passou de ouvir, para ver a arte.
Na Copa de 1974, a caixa mágica surgiu com um grande diferencial: as cores. “Eu trabalhava como garçom no restaurante Barriga Verde e, das duas televisões coloridas que tinha em Chapecó, uma era do restaurante. Me lembro que em dias de jogo, a cidade parava. O restaurante enchia.”

DE ORTENILO AZZOLINI PARA TYTO LIVI

O nome artístico foi dado pelo comunicador Plínio Ritter que trabalhava em uma emissora de televisão de Erechim (RS). “Tito é meu apelido de criança. Pensei em Tito isso, Tito aquilo, até em Tito John. Aí o Plínio Ritter falou de um grande historiador romano, chamado Tito Lívio, e do Roberto Livi, famoso no Brasil por fazer versões nacionais de músicas estrangeiras. Então ficou Tyto Livi.” O “Y” veio mesmo para incrementar o apelido.
Aos 54 anos, Ortenilo Azzolini nasceu em Vargeão – a cidade do meteorito, em 28 de maio de 1956. Veio para Chapecó com 17 anos e em 1977, foi para Florianópolis estudar Direito, aos 20 anos. Foi em São José que gravou o álbum com tiragem de mil cópias, na gravadora Stereo Som. No início desse ano, o dono da gravadora ligou para Tyto, dizendo que havia encontrado uma fita original com as gravações de “Memórias de Um Certo Louco”. A partir da fita, foram reproduzidos vinte CDs.

Ele fez uma música há poucos dias em homenagem à cidade natal:

De lá das estrelas
Deus lançou um meteorito
Fez um vale tão bonito
Cuidou com a própria mão
Com sete letras desenhou no infinito
Embaixo deixou escrito:
“O teu nome é Vargeão”
Lá da colina contemplo a tua beleza
Deslumbrante natureza
Palpita meu coração
Na certa é um cantinho do paraíso
Na poesia perenizo
O gesto de gratidão
Quanta saudade meu Vargeão
Estou aqui mas bate ali meu coração

DIA MUNDIAL DO ROCK

Para ele, o rock – comemorado no mundo todo nesse dia 13 de julho, é a tribuna do jovem. “É através do rock que o jovem fala sobre aquilo que o deixa contente, sobre o que o deixa descontente. Um espaço para a crítica social e para o debate. Sendo uma tribuna, ele é democrático. Porque você fala o que sente a beleza do mundo está em falar o que se sente.”

CURIOSIDADES

“Tito” Ortenilo Azzolini ou simplesmente Tyto Livi, influenciou grandes bandas, como a banda de rock gaúcho Graforréia Xilarmônica, que fez um álbum inspirado em Tyto, “Coisa de Louco II”, em 1995. Marcelo Birck, cantor, compositor, guitarrista e fundador da Graforréia, fez um fã-clube em homenagem ao ídolo. A maior banda de Chapecó, a Banda Repolho, gravou a música “Roque 701”, com influência da “O Rock 700”, de Tyto Livi. O músico tem até comunidade no site de relacionamentos, Orkut, com mais de 200 membros e vários vídeos no YouTube, incluindo tributos a Tyto – precursor do rock oestino.

(Publicado no Voz do Oeste em 13 de julho de 2010)

domingo, 11 de julho de 2010

as mulheres nas janelas & as laranjas silvestres

eu era criança quando passava pela reserva indígena, encantada. adorava ver aquelas mulheres nas janelas, devorando laranjas silvestres, as crianças, na beira de estrada, nuas, os homens encharcados de cachaça, pedindo espaço no asfalto. minha mãe dizia: “cuidado”. como se eles fossem nocivos. eu desconfiava. mais tarde soube que preconceito existia e que havia morte na estrada e que as casas de madeira, as coloridas casas de madeira pintadas de cores primárias, não eram os lares mais propícios para aquele povo antigo. beira da estrada só é lar para mochileiros solitários, como eu. povos com famílias numerosas, mães, que carregam filhos como se eles fossem membros de seus próprios corpos, deveriam viver em florestas macias, sem pecado. povo lindo, de velhas bruxas, de sons instrumentais vindos de bambus serpenteais. queria ser dessa tribo. velho xamã, me dê sua erva antepassada, pouso em sua tenda da estrada, uma noite de fogueira, luar & dança, montanhas & segredos, lendas noturnas, contos & sonhos indígenas. quero usar teus amuletos e entender das tuas crenças. tem lugar para um forasteiro?

sábado, 10 de julho de 2010

“De ver que viver não tem cura”

A voz, entrecortada por uma tosse contínua, e tudo que nessa voz continha, mostrava ser aquele um homem que havia pensado muito, entendido muito, sofrido muito. Voz de plena consciência da vida e da morte.

Foi numa dessas noites intranqüilas, naquele estado em que chamam de vigília, pouco antes do sono, que me vi escrevendo uma carta. Nela, eu dizia que tinha descoberto um câncer incurável e falava tudo aquilo que nunca tinha dito para ninguém.
As pessoas que liam a carta, começaram a falar e fazer coisas que nunca tinham falado ou feito antes para mim. Eu então passei a viver como nunca tinha vivido, consciente de estar naquela linha tênue que separa a vida da morte. Adormeci. O novo dia chegou e eu lembrei daquele devaneio inverdadeiro. E foi de um quase-sonho que surgiu a minha maior pauta do dia seguinte.
Depois de peregrinar pela cidade atrás da minha fonte, eu tinha a história nas mãos. Ligo o rádio. Destino: Bob Dylan toca minha música preferida. Acendo um incenso indiano, uno os elementos do meu ritual: gravador, fones de ouvido, agenda, caneta e óculos de grau. Estou pronta para escrever.

DE LOTAÇÃO EM LOTAÇÃO, CONHECI CAIO

Veio até ao meu carro e disse que não poderíamos ir até a sua casa para fazermos a entrevista. Gente estranha, tabus corrosivos, vergonha. Só entrou em casa para por os tênis. Sugeri a Caio (vou chama-lo de Caio porque esse é o nome do autor que mais amo) que caminhássemos então. Mas logo pensei que a chuva fina poderia fazer mal a ele.
Fugimos da chuva e nos abrigamos em uma parada de ônibus. Pensei em acender um cigarro. Novamente, me dei conta: “isso pode fazer mal a ele”. Já tinha consideração por aquele ser humano que eu mal conhecia o primeiro nome e o número do celular. De lotação em lotação, conheci aquele que vivia atrás dos olhos pardos, das roupas esporte, das mãos tingidas de tinta. Pintor de mundos internos, dos mais complexos. Construtor de uma sub-vida, talhada de silêncios e solidões.
A voz, entrecortada por uma tosse contínua, e tudo que nessa voz continha, mostrava ser aquele um homem que havia pensado muito, entendido muito, sofrido muito. Voz de plena consciência da vida e da morte. Trinta e dois anos apenas, séculos nos ombros. Era novembro de 1999, aos 22, quando descobriu o que seu corpo abriga até hoje e que desconfia ter contraído em sua primeira ou segunda relação, quando tinha só 15.
Fraqueza, diarréia, vômito, febre e gripe forte. Sintomas que o fizeram procurar ajuda da medicina. No exame, um diagnóstico grave: HIV positivo. O vírus já desenvolvido. “Você enxerga a morte na frente. Ninguém acreditava que hoje eu estaria aqui. Isso mexe tanto com a pessoa, que até o lado sentimental muda. Acha que é o fim do mundo, o fim de tudo. Depois você vê que não é o fim, que você tem probabilidade de viver muitos anos, como também não.”
Dias de coquetéis intermináveis. Sete comprimidos diários. Mas já foram 15. “A gente que está nesse barco, a gente sonha, tem esperanças de reverter o caso. Muitos dos meus sonhos foram limitados, tanto os meus, quanto de tantos outros soropositivos. Sonho que um dia isso vai mudar, que virá a cura, nem que seja depois da minha morte.”
Joga uma frase resignada no meio do sonho: “O HIV veio na minha vida para me salvar. Me pedem, ‘como assim?’ E eu explico. Se eu não tivesse descoberto essa doença, teria me acabado no álcool. ‘Há males que vem para o bem’, se não fosse a AIDS, eu estaria morto hoje. ‘Deus escreve certo por linhas tortas.’” Uma grande verdade que fez Caio sentir na pele que precisava mudar de vida.
“Tenho infelicidade também, porque deixei tudo para trás. Sempre quis ser pai, mas é muito complicado. Quando você está namorando alguém e conta para a pessoa que você é soropositivo, é muito difícil dela querer ficar contigo.” É um risco constante, que poucos são os que se encorajam a correr.

ENQUANTO O ÔNIBUS DAS CINCO NÃO VINHA...

“Já passou o ônibus das cinco?” – chegou e pediu uma senhora na parada. Nessa hora disfarçamos o papo, já que o ônibus não tinha chegado ainda e teríamos companhia até lá. Enquanto isso, me contou que seus domingos são dedicados ao sertanejo de raiz, “para manter a cultura”. Gosta de filmes, mas nada de livros, apesar de já ter pensado em escrever um. “Escrevi uma vez. Daria um livro tudo o que escrevi.” “Posso ver?” – pergunto. O gesto de corte em pedaços é minha resposta. O projeto voltou a sonda-lo e ele a escrever. Tem duas páginas já escritas e editadas. “Tenho intenção de escrever tudo de novo, colocar em prática isso, para que alguém um dia possa ler.”
O provoco: “Faça de conta que o mundo inteiro vai ler essa reportagem, o que você diria para todas essas pessoas?” Ele lança: “O que eu sempre digo para todo mundo: Viva intensamente. O hoje. O amanhã só a Deus pertence. Ninguém sabe o que vai ser, o que vai acontecer. Eu aprendi a viver hoje. A felicidade, a amizade. Amanhã eu posso estar aqui, como posso não estar.”
Saímos da parada, e fomos caminhando para a despedida. Os dois com as mãos nos bolsos das calças, andando como velhos amigos. Contei a ele sobre o meu devaneio. E assim que terminei, me dei conta de que não precisava ter uma doença incurável para aprender a viver. Estava consciente de que viver é andar na corda bamba, na linha tênue da vida e da morte, o tempo todo. Tinha plena certeza, como diz Paulo Leminski, de “que viver não tem cura”.
O ônibus amarelo das cinco passa, me despeço de Caio, que conheci porque tive um quase-sonho. E ele volta para sua vida, tão anônimo quanto veio.

Leite, leitura
letras, literatura,
tudo o que passa,
tudo o que dura
tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
tudo, tudo, tudo
não passa de caricatura
de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura

Paulo Leminski

quinta-feira, 8 de julho de 2010

fim

sei lá, acho que um dia ele irá surgir, como surgem aquelas coisas obscuras, que quase não se nota, que quase não se atribui valor, que quase não se reconhece. acho que ele virá. e vira calmo e silencioso, acolhido em novelos do tempo. processo lento. quando não mais suportar as vozes e apelos e barulhos, ele virá. o sono, o sonho, o fim.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

o último cigarro da noite

no último cigarro da noite, constatei mais uma vez que sinto aversão pelas vozes oficiais, que preciso de um novo amor e que estou ocupada demais, cansada demais, machucada demais. e que é preciso de tempo para esquecer pessoas e que pessoas são complicadas demais e que, infelizmente, cachorros não podem ser fontes ou amantes.

"i am the woman in the window"

certo, admito. nunca fui do tipo factual e noticiosa. gosto do jornalismo literário, cultural, alternativo, independente e humanizado. não sou dada às fontes oficiais, prefiro os anônimos, os anti-heróis, os gauches na vida. e é paixão antiga. lembro de uma passagem, aos meus 15 anos, quando tivemos que fazer uma entrevista para o colégio. quando me vi com o gravador no bairro mais pobre da cidade (vila sésamo, vulgo vila sapo), sabia que tinha me encontrado. dali, não queria mais sair. gravador na boca de uma senhora de braços pendidos na janela do casebre de madeira, a pobreza na língua, a miséria da fala, dezenas de filhos tímidos se escondendo pelos cantos. adorei aquele jornalismo amador que eu estava fazendo sem saber. foi uma das primeiras vezes que me encontrei na vida. e quer saber? factual e noticioso são conceitos relativos. tentar retratar uma realidade de gaveta, pode ser sim, “factuoso” e noticioso, recortes jornalísticos, sim, molduras de verdades subjetivas. verdades. e por que não inserir a primeira pessoa, por que não se inserir, não usar os adjetivos “aproximantes”, os enfeites da literatura? hoje ouvi falar que não existe jornalismo literário. o que existe é literatura e jornalismo, como conceitos distintos. não sei, não sei. mas acho que sempre há um lugar no mundo para que as pessoas possam trabalhar seus conceitos inexistentes, negados nas graduações e mestrados. e talvez eu tenha encontrado esse lugar. pode não ser definitivo, como nada é, mas está sendo bom e produtivo. e que assim seja, enquanto durar.

http://www.youtube.com/watch?v=TMt4vkV2wk0

quinta-feira, 1 de julho de 2010

tabaco & desespero

desde que eu parti, sem querer, tenho arrastado os chinelos, como fazem aquelas velhas viúvas atrás das vidraças nos antigos casarões assombrados da infância. desde que você se foi, respiro com dificuldade, suspiro pesado, me aconchego nos cantos com o maior dos desassossegos na alma em pedaços, quebra-cabeça insolucionável. desde que tudo se foi, eu me sinto a última das criaturas, olhando vago, andando vago, falando vago para as paredes. não sou mais a mesma, desde que você partiu. me repito, me traio em frases feitas, me dispenso de viver. e “no fundo do peito esse fruto apodrecendo a cada dentada”, e o whisky não amortece mais a dor, e as músicas não são mais as mesmas, desde aquela despedida. não me encontrei mais em mim, não aspiro brasa nenhuma sem lembrar de ti. abandonada no jardim da tua casa, solitária, verme dos teus rastros meticulosamente apagados. desde a última vez, o ar me dói, esboço sorrisos amarelos, entre o tabaco & o desespero. do teu desdém, cavei minha cova. espero o sopro da morte súbita. espero ter essa sorte.

exagero & loucura,
uma certa garota.