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sábado, 24 de julho de 2010

Debaixo do chapéu e do cabelo branco, uma caixa de memórias


Mais do que um simples empresário empreendedor, Victorino Biasio Zolet contribui com a história através de suas fotografias, que tantas vezes abraçam o conceito de Fotojornalismo


“Se é para contar história, eu tenho muita história para contar. Vamos começar por onde? Eu já tenho 80 anos de idade e 53 no ramo da fotografia. Já andei um bocado”, inicia. Sorte e privilégio encontrar Victorino Biasio Zolet, disposto a contar suas histórias, numa manhã chuvosa de quinta-feira. Debaixo do chapéu e do cabelo branco, uma caixa de memórias. Mais do que um simples empresário empreendedor, ele contribui com a história através de suas fotografias, que tantas vezes abraçam o conceito de Fotojornalismo.
Nascido em 3 de fevereiro de 1930, em Paraí (RS), desde cedo, Victorino e os irmãos ajudavam os pais em casa. “Eu não fugi da regra. Meu pai era ferreiro, tinha uma serraria também, e eu, com onze, doze anos, ajudava no que fosse possível.” Em março do ano de 1945, havia recém começado a funcionar o Frigorífico Sadia, em Concórdia (SC). “Fui contratado então pela Sadia. Trabalhei de carteira assinada de março de 1945 até abril de 1949.”
A família era grande, pobre e a mãe de Zolet era quem administrava as finanças. Os salários dos filhos eram entregues para ela, que fazia as compras da casa. A ferraria e a serraria do pai, entre 1944 e 1945, já não funcionavam mais, em função da Segunda Guerra Mundial. Não tinha mais ferro, combustível ou carvão. Faltavam os elementos de trabalho.
No início de 1948, tentou entregar para a mãe o dinheiro das férias de seu trabalho na Sadia, mas ela recusou. “Disse: ‘não, esse das férias fica para você.’ Então, a primeira coisa que eu fiz foi comprar uma ‘maquinazinha’ de caixão e passei a tirar fotografias. Como o dinheiro das fotografias era meu, pude mandar fazer um terno. Eu andava sempre bem arrumado e com dinheirinho no bolso.”
Foi nessa época que a mãe de Victorino recebeu a visita de um irmão, Albino De Boni, que era fotógrafo famoso. Fotografou a Guerra do Contestado e o Pós-Guerra. Já havia contratado e ensinado vários primos de Victorino. Albino ofereceu então a chance dele ir trabalhar em Caçador (SC), junto de mais uma dúzia de primos. “Queria me fazer um fotógrafo profissional.”
Era final do ano de 1949. Em 60 dias já dominava tudo. “Balança, químicos, pesos, aquelas câmeras fotográficas de chapa, trabalhava no quarto escuro. Tudo.” De Caçador, acabou indo para União da Vitória (PR). Aos 22 anos, trabalhava dia e noite, mas sempre tinha em mente a intenção de voltar a estudar. “Só tinha feito o curso primário, durante três anos. Naquelas escolinhas de interior onde não tinha nada, nem caderno. Se escrevia na lousa, na pedra.” Em União da Vitória, fez o chamado Artigo 91, que correspondia aos quatro anos de curso ginasial. Depois, se matriculou na Escola Técnica de Contabilidade. Aos sábados e domingos fazia datilografia.
Depois de um desentendimento com o tio, acabou saindo de União da Vitória e voltando para Caçador, onde foi trabalhar com o primo Sílvio De Boni. Se matriculou no Colégio Aurora e concluiu o Curso Técnico de Contabilidade.
Com os dois diplomas em mãos: de datilógrafo e de contador, começou a procurar um lugar para se estabelecer por conta própria. Todo o dinheiro que sobrava, Victorino comprava em equipamentos fotográficos, “Rolleiflex e tudo mais”, para montar um estúdio. Assim, veio visitar Chapecó. “Vim, gostei e tratei de procurar uma sala para me estabelecer.” Após seis meses de fila, conseguiu alugar uma sala. Em 3 de dezembro de 1956, veio definitivamente para a cidade. Tinha sala reservada, todo o equipamento e muita vontade.
Abertas as portas, foi à Rádio Chapecó e colocou um anúncio no ar. Era o único meio de comunicação imediato daquele período. “Era ouvida por todos. Bastava anunciar na Rádio Chapecó que todos sabiam das novidades”. No dia seguinte, a clientela começou a aparecer. Com a clientela aumentando, ele, que trabalhava sozinho, teve que contratar mais funcionários. “E a loja foi crescendo”.
Surgiu então uma namorada, Zilma Lunardi, que se tornaria noiva e finalmente esposa, em 1960. “Pensamos em sair do aluguel e construir o nosso próprio ponto. Tivemos chance de comprar esse terreno, em que estamos há 45 anos. Já tinha moradia, estava casado e com quatro filhos. Houve um progresso tremendo. Tudo deu certo.”

“SOU TESTEMUNHA OCULAR DESSA HISTÓRIA”

“Nós não só trabalhamos na fotografia e procuramos garantir o nosso pé de meia. Colaboramos intensamente com a comunidade.” Victorino e Zilma são sócios-fundadores do Lions Club Chapecó e ajudaram a fundar diversas outras entidades, organizações e movimentos.
Entre as colaborações mais significantes, está a vinda da Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste (Fundeste), responsável pela implantação do Ensino Superior no município, mantenedora da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó) até hoje.
“Existia na cidade um espírito comunitário muito forte. Quando alguém dizia que queria fazer um trabalho para ajudar a cidade, todos se abraçavam e colaboravam.” Ação que protagonizou o progresso da cidade. “Tenho a felicidade de estar ainda aqui, com 80 anos, de ter participado de tudo isso e de poder contar. Sou testemunha ocular dessa história.”
Victorino acredita que vale a pena trabalhar sem medir esforços, viver, participar da comunidade. Lançou recentemente o livro “Victorino B. Zolet – 50 anos fotografando Chapecó”. A paixão pela fotografia perdura até hoje. Zolet renovou os equipamentos do laboratório, investe em novos trabalhos e continua apoiando causas sociais. “Estou muito feliz pelo que consegui alcançar. Juntamos um belo patrimônio, uma garantia para os últimos dias. Estou vivendo a vida.”


(Publicado no Gazeta da Manhã em 23 de julho de 2010)

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