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sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Um lugar ao sol

Antes da Apache ser criada, nos anos 80 Claudete Michailoff já cumpria a sua missão. Hoje, são 41 cãezinhos sob os cuidados dela. A maioria foi abandonada e sofria maus tratos

Ao chegar na casa da “mulher dos cachorros”, os bichinhos disputavam atenção. Pelúcia é a mais atrevida, faz casa nos meus pés e esbraveja ao menor sinal de competição. São ao todo 41 cãezinhos sob os cuidados de Claudete Michailoff. A maioria foi abandonada e sofria maus tratos.
Claudete encontra os cãezinhos em ruas desertas que ficam perto de sua casa, no Bairro Alvorada. “Todas as saídas da cidade, nos lugares mais desertos, são pontos de abandono.” Os animais que estão mais debilitados ela leva para casa. Lamenta que não são todos que ela pode recolher. Nessa semana, abrigou 10 filhotes em dias diferentes, na volta do trabalho. “Os filhotes são fáceis de doar, porque são bonitinhos. O problema são os adultos. Os aleijados, é ainda mais difícil. O ser humano tem preconceito com o próprio ser humano, imagine com os animais.”
Uma das cachorrinhas chegou com o pescoço todo machucado e com ferida viva. “Amarraram uma corrente tão apertada no pescoço dela que a degolaram. Ela tinha um machucado nas costas também que criou bicho. Abandonaram ela, enroscada no calçamento, com a corrente dentro do pescoço.” Outra cachorrinha tinha marcas de cigarro na cabeça e uma terceira foi violentada, teve a perna machucada e o rabo quebrado. “Ela era bebezinha ainda. Um cachorro não faria isso”, observa.
Claudete é voluntaria na Apache (Associação Protetora dos Animais de Chapecó e Oeste Catarinense). Quando há feirinhas de animais, leva alguns dos seus para doação. Antes da Associação ser criada, nos anos 80 Claudete já cumpria a sua missão. À tarde, trabalha no Albergue João Plitz, como auxiliar de serviços internos. “Lá, a gente faz de tudo um pouco. Nos fins de semana trabalho 12 horas. Uma semana no sábado, outra no domingo. Trabalho muito com o pessoal de rua.”
É mãe de uma moça já casada e avó de Pietra, que cuida pela manhã. Mora com sua irmã, que tem Síndrome de Down. Além dos cães, também cuida de alguns gatos. “Tem dias que eu chego em casa e dá um desânimo. Eu limpo o piso de manhã e vou trabalhar. Quando volto, está tudo sujo de novo.”
Um dos seus vizinhos foi denunciado, pois para não comprar coleira, amarrou um arame no pescoço e na cocha, apertando o arame com um alicate para impedir a fuga do cachorro. O que consegue fazer para curar os animais, Claudete faz. Porém, muitas vezes precisa recorrer ao veterinário. A comida, em parte, vem de doações. “Saio pedindo, passando o chapéu.” Outra parte compra com o próprio dinheiro. “As pessoas doam quando querem, não tem como depender só de doações. Tem só um senhor que é bem fiel. Doa ração todo mês e vem trazer. Se eu não estou em casa, ele deixa no portão.”
Percebe que antigamente não havia tanto cachorro abandonado. “Agora, em cada esquina tem um. E não é só vira-lata que abandonam. Já peguei cachorro de raça abandonado, como Boxer e Dog Alemão. Abandonaram os animais desnutridos e desidratados.” Ela tem uma cachorra há 18 anos. Picachu passou parvovirose e cinomose, duas doenças que geralmente matam. Está um pouco cega, mas se recuperou. “Quando ela melhorou, estava muito velha para doar. Acabou ficando.”
Acredita que se um terço das pessoas que abandonam os animais recolhesse para cuidar, faria muita diferença. O abandono se dá pelos motivos mais fúteis: “Porque o cachorro sujou o tapete ou porque estava com diarréia. No final do ano, as pessoas vão viajar e descartam os cachorros, como se fossem brinquedos velhos. Quando voltam, procuram outros.”
Mais de dois mil cachorros já passaram pela casa de Claudete. Houve um tempo em que ela teve 58 cachorros de uma só vez. Mesmo com todos os cachorros para proteger a casa, Claudete quase foi roubada. “Os ladrões visitaram todas as casas dessa região. Tiveram a petulância de chegar aqui, mesmo com os cachorros avançando. Porque é uma troca: eu cuido deles e eles, de mim.”
Já pensou várias vezes em não pegar mais nenhum cachorro para cuidar. Mas ao ver os cãezinhos na rua, não se contém: Claudete olha para eles e continua a sua missão. O difícil de acreditar é como tantas pessoas têm coragem de maltratar os animais, enquanto uma, sozinha, luta para que eles tenham um lugar ao sol, longe das mãos que deixam marcas, por vezes irreversíveis.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Voa, Tuba!

Foram dias incomuns, desde aquela pergunta: “Você soube do Tuba?” Da resposta que eu não sabia qual era até a resposta que ouvi, foram minutos intermináveis. Foram dias duros. O tempo se moveu diferente, mais lento e pesado, desde aquele dia. Doze de janeiro de dois mil e onze, dois meses antes de Fabrício de Oliveira Tubin completar 29 anos, o “baquetas voadoras” nos deixou. Esse é o primeiro “Identidades” póstumo e, se é, é porque se trata de uma vida que valeu a pena.
Por anos e anos ele nos cativou ao som de suas baquetas voadoras, com seu entusiasmo único, com seu quase-transe em palco, em bandas como The Hempsons, Bauretes Quizofônicos e Epopeia. Agora, bandas em luto, guardam um vazio que não poderá mais ser preenchido pela presença barulhenta em palco e silenciosa fora dele, mas não menos inquieta.
Vi chorando quem sempre via sorrindo, ouvi homenagens sonoras saírem de gargantas em pedra, pessoas que até então se espalhavam em mesas diferentes e distantes, reunidas em um grande e mesmo brinde, pisando em solo sagrado depois de sete dias. Por um instante, todos saíram de suas clausuras para compartilhar um momento de união na dor, dor pelo adeus a um amigo querido, lenda entre os chegados. Pensávamos que ele seria eterno.
A mãe, dona Neiva, diz que Fabrício, gaúcho orgulhoso nascido em Canoas, se transformou após a descoberta dos óculos. O menino tímido, passou a sentir uma espécie de poder atrás das lentes, que o acompanharam a vida toda. Foi o primeiro do Bom Pastor a por brinco na orelha. Aos treze, ganhou uma bateria. Desde então, seu ritmo foi o de vôo. Longe dos pratos, a boca permanecia escancarada e as mãos agitadas em baquetas imaginárias.
O pai, Luiz, o acompanhava em sua rotina longe das baquetas, na tentativa de trabalhar do jeito “sério”, dando força para que ele seguisse em frente. Tuba até tentou, estudou jornalismo, história e turismo, mas optou por não concluir nenhum dos cursos. Além da bateria, dos discos de vinil e dos CDs, outra de sua paixão era dirigir, também o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense e a Chapecoense.
Para Marciano Maraschin, amigo, fã e músico, Tuba era “o legítimo debulhador”, o melhor baterista desde 1977. Os amigos da banda Epopeia, entendem que Tuba apenas era, não precisava se proclamar. Na bateria, nenhum show era igual ao outro. Tinha pegadas autorais, estilo, e ficou na história, como Tony Batera, do lendário Grupo Nozes. Contam que Snoopy, um cofap que morreu recentemente com 17 anos, era companheiro inseparável de Tuba. Noopy era o quinto elemento da Epopeia.
Freqüentador assíduo do Bar da Dulce, para ela, Tuba deixará somente boas lembranças. Dulce era conhecida como a segunda mãe do baterista, pois sempre estava preocupada em saber se ele tinha comido, se estava bem, o que ele tinha para dizer. Dulce diz que com ela, Tuba falava. Suas madrugadas eram compartilhadas e ela se admirava ao ouvir papos sérios noites a fio.
Depois de anos apresentando complicações nos rins, em 2011 o quadro se agravou. Fez hemodiálise, mas não adiantou. Do rim, a complicação atingiu também o fígado. Tuba teve falência múltipla dos órgãos. Alguns suspeitaram de leptospirose, mas essa não é uma hipótese aceita pela família. Nem mesmo os médicos conseguiram compreender o quadro, muito menos revertê-lo.
O último show do ano de 2010 da Epopeia, em 3 de dezembro no Morrison Rock’n Blues Bar, também foi o último de Tuba, que já apresentava cansaço. Era para ser o show de despedida da vocalista Eliz, que foi passar uma temporada no litoral catarinense, mas acabou sendo também o show de despedida de Tuba. Eliz não pôde vir para o oeste para se despedir do amigo e companheiro de palco, que teve orgulho em partilhar com ele, mas acompanhou tudo de longe através dos integrantes da banda.
Nessas horas, palavras são inúteis. Até quem sempre sabe o que dizer, se rende aos clichês em horas como essa. Mas que essas poucas palavras, esse emaranhado de signos, sirva para registrar a trajetória desse baterista que fez arte com as baquetas nas mãos, que voou longe e cedo demais.
Quem o olhava nos olhos, via um amigo. Via a alegria e a tristeza de ser o que sentia. Tuba criou asas e voou, se separou da máscara mundana e deixou uma mensagem de desapego, de negação aos estereótipos, aos moldes sociais que sufocam. Sempre gentil, porém forte, fez o que quis, viveu como escolheu viver.
Com ouvidos mais atentos, quem sabe possamos ouvir esse grande personagem do rock chapecoense ao lado de seus ídolos, como Keith Moon e Jimmy Hendrix, espalhando saudades enquanto corta o ar com suas lendárias baquetas em pleno vôo.

“Você não sabe há quanto tempo
Estou aqui
Esperando a hora certa
De partir

Partir o bolo
Queimar dinheiro
Sair do jogo
Volt(ar)ei a viver”

(Epopeia – Quando Criamos Asas e Voamos)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sobre maldade, feiúra & injustiça

Aclamado como o melhor livro de histórias curtas de Charles Bukowski, “Ao sul de lugar nenhum – histórias da vida subterrânea” foi publicado originalmente no ano de 1973. Como de costume, o autor, já comentado nesse espaço, segue sua linha maldita, mostrando que lê-lo sem sentir nenhuma reação é coisa impossível.
Um livro, como outros de Bukowski, de caráter autobiográfico, de 27 contos, de nomes impublicáveis, escritos sem pudor. A janela indiscreta que dá para os tempos de depressão, o encontro com o próprio diabo, a vida cáustica de pessoas invisíveis aos grandes olhos da sociedade, as histórias bizarras e os bastidores da rotina de escritores que encontram sucesso tanto quanto respiram ar puro nos becos dissecados por Buko, através de escrita coloquial e arrebatadora, a exemplo de “Como amam os mortos”:
“Quando não era isso, era eu ficar sentado durante dias, horas de medo incomunicável, o medo se abrindo no meio do peito como um grande botão em flor, não se podia analisar o que estava acontecendo, imaginar o porquê de tudo aquilo, o que tornava as coisas ainda piores.”
E, falando em Bukowski, recentemente soube por um leitor do “Café, Cigarros & Desordem” que um filme de 1987 chamado “Barfly – Condenados Pelo Vicio”, em português “mosca de bar”, seria o melhor baseado nas obras de Charles B., que teria escrito o roteiro e feito uma aparição silenciosa no filme. Fontes ligadas ao escritor dizem que “Barfly” seria o único filme realmente aprovado por ele em relação aos outros baseados em sua obra, estando ele presente o tempo todo durante as gravações.
Aos amantes do velho, aí está: duas dicas em uma com a melhor forma de Bukowski e suas topadas com o fracasso, que fizeram dele um dos escritores do século XX mais amados e influentes. Um anti-herói, avesso aos ideais de bondade, beleza e justiça, nutrido de algum tipo de caos que caracteriza sua obra, seja ela de arte ou não. “– Apenas não gosto de gente – ele disse. – Sabe, Will Rogers disse uma vez: ‘Nunca encontrei um homem de quem não gostasse’. Comigo é o contrário, nunca encontrei um homem de quem gostasse.”
Se sua obra tem uma estratégia de mercado malévola atrás de si (teoria da conspiração?), engolida e reproduzida por seus admiradores, não sei dizer. Mas Buko mostra uma realidade que existe, mesmo que não queiramos ver. Realidade que ele bota mesmo contra o ventilador e ganha o mundo, revelando que produções culturais podem ter esse foco: divulgar o que muitos pensam e vivem, mas não têm coragem ou condições de expor.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

“Uma ode ao bom relacionamento, ao carinho, ao amor”

“Breviário Amoroso” é uma peça interativa e cômica, repleta de piadas, contadas por dois clowns, interpretados por Clodoaldo Calai e o ator argentino Alejandro Abdala

O amor em cena. O espetáculo “Breviário Amoroso”, da Cia Muiraquitã de Arte e Espetáculos, aconteceu no Sesc (Serviço Social do Comércio) na tarde de ontem (17). Uma peça interativa e cômica, repleta de piadas, contadas por dois clowns, interpretados por Clodoaldo Calai e o ator argentino Alejandro Abdala, licenciado em Interpretação e Direção Teatral pelo Conservatório Nacional de Arte Dramática de Buenos Aires, instrutor de teatro e de circo.
“É uma mistura de teatro dramático com stand up. Uma comédia bastante ligeira, ágil”, conta Clodoaldo Calai, mestre e doutorando em teatro pela UFSC (Universidade do Estado de Santa Catarina), especialista em metodologia do ensino da arte, ator e diretor de teatro com mais de 25 anos de experiência, à frente da Cia Muiraquitã há 20 anos.
Para ele, a peça mostra que não existe regra, jeito certo ou errado de se relacionar com as pessoas. “Existe a maneira verdadeira, que fala ao coração. É uma aula de tolerância, de respeito às diferenças, à individualidade. Uma aula contra o preconceito. Uma ode ao bom relacionamento, ao carinho, ao amor.”
A Cia Muiraquitã tem três faces: teatro escola, teatro de pesquisa e teatro empresa. O “Breviário Amoroso” faz parte da face teatro escola. Está em cartaz há dois anos e percorreu várias cidades de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. “É uma peça que fala sobre amor. Várias formas de amor. Contamos a história do amor desde a Pré-história até o século de hoje. Como o homem primitivo conquistava a sua namorada, assim como o homem medieval e o homem contemporâneo.”
Adaptar o espetáculo ao público é uma das características da Cia Muiraquitã. “É um espetáculo que funciona para adultos e para crianças. Se é um público adulto, o espetáculo é mais sexualizado; se é um público infantil, adequamos a linguagem a esse público. Não se consegue atingir uma faixa tão larga que agrade a todos.”
Na semana passada, a companhia apresentou também no Sesc o espetáculo de contação de histórias “Salada Mista”. Esse período, segundo Calai, é um período interessante para apresentações porque há pouca atividade. “Voltamos para a estrada em março. Normalmente, voltamos na segunda semana de aula. Começamos pelo Meio Oeste, viemos para o Oeste, Extremo Oeste, Norte gaúcho, Sudoeste do Paraná, litoral catarinense e Vale do Itajaí. Agora, estamos nos preparando para a peça que vai para a estrada esse ano.” O espetáculo “Para Que Serve a Escola?”, ainda não tem previsão de estréia.
O teatro escola tem a proposta de fácil degustação, caber no porta-malas no carro, para que as viagens se tornem viáveis, e contar com poucas pessoas. Não se trata de um trabalho centrado no visual, ou seja, na produção, cenários e figurinos. “É centrado no ator. Os atores seguram o espetáculo do início ao fim. Não há outro recurso que não seja a presença física do ator. Um trabalho bem bacana, já que vemos muitos espetáculos com elenco péssimo, que não segura o público, mas que têm uma luz fantástica, cenários muito bem elaborados, figurinos riquíssimos. Mas aí é artes plásticas, arte visual, não é teatro. Teatro é o ator. Essa necessidade franciscana desenvolveu a habilidade de perfeição do ator.”
Dentro do teatro de pesquisa, a companhia desenvolveu no ano passado “A Trilogia do Desespero”, com as peças: “Nós Três”, “Clausura” e “O Próximo”. Todas representam situações-limites da existência humana, em que estão envolvidos seres em desespero. No teatro empresa, a Cia Muiraquitã é líder de mercado no Sul do país, tendo como carro-chefe o espetáculo “Totonho Vai Para o Céu”. Todos os anos, as empresas fazem parte do SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho), um dos eventos que mais resultam em procura pela companhia.
A companhia nasceu em Concórdia em 1991, completando, portanto, 20 anos em 2011. Em Chapecó, a Cia Muiraquitã existe há 10 anos. Se apresenta em todo o Sul do Brasil, em escolas, prefeituras, empresas e outros. Clodoaldo, ator de teatro desde 1984, acredita que o teatro tem uma função básica, além da função social e política, que é a função do divertimento. “Trabalhamos com o riso como qualidade de vida. Quem não ri, quem não se diverte, não é feliz. Sempre tentamos fazer com que as pessoas sorriam e se divirtam.”
Em 2010, a Cia Muiraquitã foi assistida por 85 mil pessoas. Ainda assim, foi o ano de menor média de público. Em 2009, foram quase 100 mil pessoas que acompanharam o trabalho do grupo, que trabalha ainda com cursos de “Dinamização Profissional Através de Técnicas Teatrais”, “Comunicação Total” e “Despertar da Inteligência Sensível”.

“Breviário Amoroso”
O espetáculo “Breviário Amoroso”, da Cia Muiraquitã de Arte e Espetáculos, constitui em uma alta comédia, na qual, através de cenas lúdicas e cômicas tenta estabelecer com o público, que pode ser de idades variadas, parâmetros acerca do comportamento, do riso e da cordialidade. Inicia com dois clowns que entram em cena e após uma série de eventos cômicos, resolvem que precisam fazer algo para animar a platéia, para isso arquitetam a montagem de cenas teatrais em parceria com o público, possibilitando a interação entre espetáculo e platéia. O público é levado ao palco para exercitar seus talentos dramáticos, o poder de sedução e de conquista, itens básicos em qualquer tipo de relacionamento humano.

Texto e direção: Clodoaldo Calai
Atuação: Clodoaldo Calai e Alejandro Abdala
Técnica: Cia Muiraquitã

Conheça o blog da companhia: http://ciamuiraquita.blogspot.com

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

“Ela foi encontrada! Quem? A eternidade”

Querem a verdade? Estou sem nenhuma vontade de escrever hoje. Meu amigo morreu e eu, sempre cheia de palavras, não sei o que dizer. É uma pena que eu nuca tenha visto um livro que falasse dele, Fabrício Tubin, o Tuba, grande baterista da Epopeia. Se tivesse, estaria escrevendo sobre ele. Bem, mas farei um esforço. Falarei de um poeta que entendia de eternidade. “Ela foi encontrada! Quem? A eternidade. É o mar misturado ao sol.” Arthur Rimbaud, um poeta que ganhou a eternidade, assim como meu amigo.
Falarei de um livro que em sua forma não é nenhuma raridade, mas em seu conteúdo sim. “Uma Estada no Inferno, Poemas Escolhidos e A Carta ao Vidente” é um livro publicado pela Martin Claret, uma editora que, como a L&PM, populariza grandes obras primas, como fez com Arthur Rimbaud. A edição que tenho foi publicada em 2005, mesmo ano em que o comprei, admirada com a história do menino-poeta.
“Eu caminhava, as mãos soltas nos bolsos gastos; O meu paletó não era bem o ideal; Ia sob o céu, Musa! Teu amante leal; Ah! E sonhava mil amores insensatos”. Rimbaud é um ícone da literatura francesa e universal. Verteu o quanto pode, entre os 15 e os 20 anos, época em que escreveu toda a sua obra. Um menino, apenas um menino, que revolucionou a poesia de sua época, escandalizou uma sociedade moralista e deixou seu legado, que sobrevive aos séculos.
Alguns comparam Jim Morrison a ele, como o autor Wallace Fowlie, que escreveu “Rimbaud e Jim Morrison – os poetas rebeldes”, também de 2005. Os dois, embriagados no barco cambaleante da vida, viveram intensamente, morreram jovens, conheceram a eternidade.
Arthur Rimbaud, ao lado de outro poeta francês de sua época, Paul Verlaine, teve um romance discriminado na época, relatado no filme inglês “Eclipse de Uma Paixão”, ou “Total Eclipse”, de 1995, tendo Leonardo Di Caprio no papel de Rimbaud e David Thewlis como Verlaine. Um drama dirigido por Agnieszka Holland, que mostra as noites dos poetas regadas a absinto, que juntos escrevem alguns de seus poemas mais conhecidos.
Jean-Nicolas Arthur Rimbaud nasceu em 20 de outubro de 1854, em Charleville, França, e morreu em 10 de novembro de 1891, em Marselha, aos 37 anos. Seu corpo foi enterrado no jazigo da família em Charleville, lugar que rejeitava, porém, que sempre voltava, entre as suas andanças pelo mundo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

“Já vivi a vida. Agora vou pra onde Deus quiser”

Desde que comecei a escrever perfis, tomei consciência do que esse trabalho significava. Os perfis são registros de pessoas incríveis que estiveram por algum tempo entre nós, que poderiam morrer sem ter suas histórias contadas, se não fossem atitudes como essa, de escrever, escrever pensando em um futuro onde elas não mais estariam na Terra, nos agraciando com as suas presenças.
Hoje recebi uma matéria triste. Uma ex-colega minha, Ana Vissotto, do Jornal Sentinela do Oeste, de Palma Sola (SC) – fronteira com a Argentina –, em que trabalhei no ano de 2009, disse que leu a matéria trágica e lembrou de mim. “O homem do táxi”, morreu. Darcy Kastner Pontes, 89, foi dono de um dos perfis mais elaborados e prazerosos da minha vida de repórter. Com tom de despedida, ele falou comigo, com aquele sotaque alemão vindo dele que eu não irei mais ouvir, que ninguém mais irá ouvir, pelo menos por aqui.
Em mais de 40 anos de profissão, nenhum acidente. O único o levou à morte. O que me alenta é o fato dele ter morrido fazendo o que mais amava: dirigir o seu táxi. Conhecia as estradas da região de Campo Erê (SC) mais do que a própria palma. Já devia ter se aposentado no ano passado, mas não o fez. Sua história agora ganha a eternidade e me sinto, apesar de triste, orgulhosa por tê-la registrado.
Vá com Deus, “homem do táxi”, meu personagem de García Márquez. Sei que já viveu a vida e que Deus deve ter desejado a sua presença em um plano maior e melhor. Onde quer que esteja, deve estar fazendo suas corridas com a desenvoltura do grande homem que foi.

Ao som de Taxman, que não tem nada a ver com táxis, mas me lembra você,
Fabiane De Carli Tedesco.


Matéria do acidente publicada no Sentinela:

Morre o “O homem do taxi”

Campoerense de 88 anos era o taxista mais velho em atividade no Brasil. Fatalidade aconteceu durante uma corrida que fez até interior de Anchieta

Uma fatalidade aconteceu na tarde da última quinta-feira, dia 6 de janeiro, na linha 7 de Setembro, zona rural de Anchieta. O taxista mais velho do Brasil, campoerense Darcy Kastner Pontes, foi realizar uma corrida no interior de Anchieta, quando num trágico acidente perdeu a vida.
Darcy era casado com Neli Pontes da Rocha Loures há mais de 60 anos, deixou quatro filhos, 13 netos e 12 bisnetos. O boato de Darcy ser o taxista mais velho do Brasil se deu após uma reportagem de televisão feita com um taxista carioca, de 83 anos, que seria o taxista mais velho em atividade encontrado até então no país.
Mesmo com 88 anos Darcy tinha fôlego para o trabalho, excelente visão, não usava óculos nem para ler jornal. O aposentado trafegava normalmente pelas ruas campoerenses e constantemente estava brincando com as pessoas que passavam pela rodoviária do município, seu ponto do dia a dia.
‘O homem do taxi’ como foi intitulado numa entrevista do Sentinela foi velado na Câmara de Vereadores de Campo Erê, recebeu várias homenagens, reunindo centenas de pessoas. Um homem íntegro e correto que deixa família e amigos enlutados.

(Jornal Sentinela do Oeste)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

querido fulano,

é, magoou muito. por muito tempo, fiquei pensando em qual era o motivo da tua aproximação e distância repentina. também tenho meus grilos quanto ao sexo. entendo. eu atrai tua existência e isso não foi a toa. estávamos os dois perdidos. mas eu me importava e muito com as pessoas, contigo. através da dor, aprendi muito nesses anos. acho que cheguei a um nível de consciência maior. mas quanta dor, fulano, quanta dor. devem ser mesmo os nossos karmas. passei algum tempo, na cama, chorando muito por ti e pela minha existência. não me sentia gente, não me sentia digna. não sou do tipo de mulher que leva as relações em níveis superficiais. nunca fui de amenidades. o teu silêncio cortou fundo, mas foi melhor assim. te esqueci e hoje creio que eu tenha encontrado alguém que me aceita e me ama como eu sou. chorei, conversei com nossos amigos, senti ciúmes, revolta. mas passou. você me inspirou a escrever. escrevi muito pra ti, coisas que você nem deve conhecer. nem sabia que você se importava ou que tinha ideia do que me fez, mas se tem, melhor pra nós. não são todos que têm a tua coragem e iniciativa, fulano. desculpas aceitas. já passei por muitas situações difíceis. situações de violência, desde a infância. o mundo foi duro demais pra mim, mas é ainda mais pra outros. minha escrita é o meu refúgio, um canto seguro, longe da maldade. se puder, deixe o dvd com a sicrana. não estou mais de corcel. obrigada pelas palavras. não desejo mais o teu amor do jeito que eu desejava antes, não te preocupe. aceito o teu respeito, que já é muito.

vê se te cuida, fulano.

Gente da minha laia

uma pessoa da minha laia não merece ser lida, ouvida nem tão pouco levada a sério. uma pessoa da minha laia tem sérios problemas sócio-culturais. sou um homem mau e de faro aguçado. faço parte de um grupo seleto de pessoas que se enquadram no que bons cristãos e nazifascistas chamam de cambada. eu e minha cambada inspiramos receio aos mais esnobes e moralistas. pessoas da minha laia, riem daqueles que se auto-proclamam heróis ou libertadores de qualquer coisa, pois heróis e libertadores apenas são. minha cambada tem muita coisa pra mostrar, muita coisa pra contar, mas prefere agir. pessoas da minha laia estão preparadas para ouvir, aprender e se preciso, intervir. gente da minha laia lê Fante, Gutierrez, Medina Reyes, Kerouac, Bukowski, Terron, Thompson, Assunção, Mirisola, Nietzsche, Cioran, Hakim Bey... que são da laia que inspiram gente da minha laia. gente da minha laia reunida forma uma cambada. uma cambada de gente da mesma laia. gente da minha laia admira Lampião e seu Cangaço, Emiliano Zapata, o Subcomandante Marcos e o Zapatismo; ouve Arnaldo Baptista, Charly Garcia, Tom Zé, Rui Maurity, Beethoven, Johnny Cash... come comida apimentada, bebe vinho, cerveja, uísque, rum, tequila e café; contempla a pirotecnia e só por causa da comida e bebida, marca presença em almoços nus ou jantares onde ‘pessoas importantes’ e pomposas se reúnem - também em aberturas de exposições de arte onde há um bom coquetel regado a vinho e salgadinhos gordurosos. gente da minha laia excursiona pelos botecos esquecidos da cidade e não dá sua cara a tapa gratuitamente. gente da minha laia escreve em jornais textos improváveis, provocantes e poéticos por alguns trocados que depois são gastos em prazeres da carne e da alma. gente da minha laia não tem medo de ser nem estar - apenas se reserva em momentos. gente da minha laia é discreta e tem certo humor, certa elegância nos gestos e nas palavras, e quando necessário, tem o poder do sarcasmo e da ironia para algum eventual combate. eu sou um pouco belicoso, como toda a gente da minha laia. enfim, minha laia é circundada de cães & crianças, numa festa alegre e disposta, caótica e intensa, cheia de fragmentos de tudo quanto é coisa viva. portanto, atenção! somos poucos, mas bem distribuídos por aí!

(Herman G. Silvani)

Eu não sou surdo

Canta mal, mal fala, o sujeito
Teclado no automático
Mãos pesadas fazendo cena

Verdadeiro ou falso

Fala na cara
Dá a cara a tapa
Tapa a boca & rasga a máscara

Veneno

E eu também sou
De sensacionalismos & absurdos
Mordi a fruta errada do meu tempo

Transição poética

Ah, tempos de amenidades
Endeusamento involuntário
Amores tolos & rasgação de seda

Está nos genes...

Certo dia estava, com um amigo, ouvindo um CD de um deficiente visual, cujo nome não há porque divulgar, e isso me desencadeou uma série de inquietações. Pelo que percebemos, não havia muitas músicas compostas por ele no álbum, pois ele preferiu músicas já bem conhecidas como “Imagine”, de John Lennon, e “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso. Para acompanhar a música, ele utilizou de um teclado com aqueles recursos de acompanhamento, tipo bateria e baixo.
As músicas ficaram irreconhecíveis, tanto pela melodia quanto pelas letras, devido a fatores como a má pronúncia do inglês e as constantes desafinadas que o pequeno cantor, dotado de uma voz “não tão boa assim”, deixava escapar a toda hora. Mesmo assim, quando meu amigo começou a criticar o garoto, eu me pus a defendê-lo com sentenças do tipo: “coitadinho, ele é cego”. Nisso, a mesma pessoa que havia o criticado, disse: “você não o critica só porque ele é cego, se não fosse criticaria”. Na hora, eu não concordei nem discordei, apenas fiquei pensativa.
Casos me vieram à minha mente nos dias seguintes, para reforçar as minhas suspeitas, como, por exemplo, o de uma deficiente física que faz poemas há muito tempo (conheço o seu trabalho desde criança) e com quem eu tive a oportunidade de conversar certo dia. Ela disse que uma editora não aceitou os seus escritos porque, segundo o responsável, eles não tinham qualidade, eram repetitivos e banais. Ela contrapôs dizendo: “mas e a quantidade, não vale?”. Não sei o que o editor respondeu, se ele deixou-se levar pelo fato da sua deficiência ou não, mas o fato é que hoje eu concordo com ele e responderia negativamente à sua publicação.
Porque deveríamos aceitar o trabalho de alguém, mesmo que tenha quantidade, sem contestar ou criticar? Só porque o emissor tem alguma deficiência física? É claro que certas atividades, dependendo da deficiência, são mais complicadas de serem feitas, o que não corresponde aos casos avaliados. Não são eles e os seus defensores, como eu mesma sou, que falam(os) tanto em preconceito, em direitos iguais, em discriminação? Não seria justo os colocarmos em um mesmo nível de discussão desde que eles tenham capacidades mentais para fazer um trabalho de qualidade, não-banal e não-repetitivo?
Eu penso que muito desta relevância que se tem é porque há consciência de dar um certo incentivo, um impulso para que ele faça o que se propôs, mas não se pode deixar de fazer críticas construtivas, a fim de instigar a melhora das suas produções. Jamais afirmo que não são bons exemplos de vida ou que eles não mereçam admiração e respeito por, muitas vezes, superarem os seus limites físicos. Porém, um sujeito que teve paralisia infantil nas pernas, não pode escrever bem? Alguém que é cego, não pode cantar bem, fazer um bom trabalho?
Há muitas pessoas em associações de escritores e afins que demonstram usar (ou se aproveitar) a ou da sua deficiência para se justificar e muitas vezes usam isso para garantir a sua sobrevivência (já que não deve ter muita chance no grande mercado), como o cego que humoriza a sua própria condição, o que pode ser bom, vendo pelo lado da não-lamentação, mas pode ser ruim vendo pela ótica da auto-discriminação, seguindo os padrões da sociedade que não tolera ou ridiculariza o diferente. Ainda há um outro ponto relevante que talvez já seja um clichê: é melhor que aquele que tem deficiência faça esse tipo de coisa, ainda que se torne um freak, do que fique trancado em casa pensando em se matar e se martirizando porque nasceu cego, com problemas nas pernas e assim por diante.
Mas, para finalizar, temos um “caso-apêndice”, pois o filho – sem deficiência alguma – desta poetiza que priorizava a quantidade lançou um livro de qualidade discutível, mas ele é tratado da mesma forma que a mãe, com o mesmo zelo hipócrita, discriminador, preconceituoso e desigual. Então, meus caros, eu só posso dizer uma coisa: estamos perdidos, porque discriminação está nos genes!

(Texto antigo, mas que ainda condiz com alguns pensamentos meus que alvoroçaram nos últimos dias)

Pensionato para meninas

O pensionato, para ela, foi uma maneira de fugir da depressão. “O meu sonho, desde menina, era ter uma filha. Mas eu nunca tive. Agora, tenho várias”, diz dona Emília Ribeiro

Pelo sobradinho rosa e antigo, muitas meninas já passaram. Eu era mais uma. Na porta, uma senhora sorridente, me convida para entrar no ambiente colorido, como ela. Era dona Emília Ribeiro, quase 59 anos, a serem completados no dia 7 de fevereiro, que cuida do “Pensionato Familiar Feminino” há cinco anos. “Foram teus pais que ligaram, né?”, me pergunta. “Não, não foram”, respondo. Minha intenção: fazer uma reportagem com ela, conhecer a sua história que se confunde com as muitas histórias que fazem parte do pensionato.
Antigamente, o prédio antigo era um pensionato para rapazes, depois, um local que atendia meninas, que sofriam violência sexual e outros casos, onde faziam cursos e eram tratadas por profissionais. Emília morava ao lado da loja “Mulher Rendeira”, que dividia espaço no prédio. “Eu morava embaixo. Acordava com os ‘tropeques’ dos saltinhos das psicólogas que vinham atender aqui.”
Emília trabalhou na Distribuidora de Leites Tirol, mas teve um problema de coluna. “O médico disse que eu teria que ficar de atestado por três meses, só deitada. Mas como eu sou uma pessoa muito religiosa, me apeguei a Deus e me apareceu essa oportunidade.” O sobradinho estava para alugar, mas só para empresa. Mesmo assim, o local foi liberado para dona Emília.
“A dona Elaine Tessari me chamou e disse: ‘Abre um pensionato para estudantes.’ Eu disse: ‘Ih, meu Deus, será?’” Três meses depois, estava aberto o pensionato. Começou com apenas quatro meninas, hoje são 27, havendo apenas um lugar, já procurado por uma nova menina. Das tantas garotas que já passaram pelo sobradinho, uma permanece: Eveline, vinda de Concórdia, a menina mais antiga no lugar, que acompanha, ao lado de Emília, as incontáveis histórias do pensionato. “Elas vêm, com carinha de anjo, dizendo que vão respeitar as normas... daqui a pouco, não é nada do que elas queriam.”
Dona Emília é enfática: “Não pode trazer namorado, não pode trazer amigo, nem amiga, só visita da família. Deu 22h, no máximo 23h, todo mundo tem que estar nos seus devidos quartos.” Ela só aceita meninas vindas de outras cidades, desde que venham acompanhadas dos pais. “As meninas daqui, se saem da casa do pai e da mãe, é para não obedecer as normas. Aqui tem normas muito mais rigorosas do que as de pai e mãe.”
Avó de Pedro, faz, muitas vezes, o papel de segunda mãe para as meninas. Uma mãe enérgica, porém boa. “Tem que está sempre ali”, gesticula, simbolizando o cuidado. Viúva desde 1982, mora junto das meninas. “Tenho ainda um filho, casado. Tinha dois filhos, os dois se acidentaram e o mais novo morreu.” Emília é interrompida por uma das meninas, que pede um guarda-chuva para a mãe de aluguel, para que possa encarar a chuva, ao lado da colega de pensionato. As duas estavam indo a uma entrevista. Ela interrompe então a nossa e, depois de resolver o problema e trocar alguns comentários com as meninas, orgulhosa de saber que sua história será publicada, volta para contar das alegrias e tristezas de sua rotina. “Depois vocês vão ter que comprar o jornal”, avisa as meninas sobre a reportagem. “Ela vai falar das meninas que obedecem e das que não obedecem”, brinca.
“Tem umas que deixam saudades quando vão embora e outras que não gosto nem de lembrar que passaram por aqui. Não respeitam. Ali está a plaquinha: ‘Pensionato Familiar Feminino’. Se elas desrespeitam as regras, não é mais familiar.” O pensionato, para ela, foi uma maneira de fugir da depressão. Depois da morte da mãe e do filho, o pensionato surgiu como um bálsamo. “O meu sonho, desde menina, era ter uma filha. Mas eu nunca tive. Só tive os dois filhos. Agora, tenho várias.”

Contando histórias

Inúmeras histórias já se passaram no pensionato para meninas, que chegam de diferentes lugares do país. Algumas dessas histórias marcaram a memória de Emília. Outras, nem autoriza contar. “Uma que também me marcou muito, aconteceu bem no comecinho. Veio uma mulher desesperada para arrumar lugar para a empregada. Dizia que era uma pessoa maravilhosa, querida. Resolvi aceitar. A patroa trouxe cobertor, travesseiro, pagou adiantado com cheque, tudo certo. Com o passar dos dias, notei que a moça trazia muita coisa cara para comer, se chaveava no quarto. Até que um dia, a patroa veio atrás da fulana. Ela disse no telefone: ‘Dona Emília, não saía! Tranque a porta do quarto dela, não deixe ela sair, me espere chegar.’ A menina tinha roubado. Eram mais de 16 sacolas cheias. Deu um cerro ali na frente, só de coisa roubada. Resultado: três camburões da polícia vieram atender a ocorrência.” Depois disso, Emília passou a ter todas as chaves dos quartos e se tornou ainda uma espécie de investigadora amadora dos quartos da pensão, para que passagens como essa não voltem a acontecer.
Mas nem só de passagens tristes é composta a história do pensionato. Emília, às vezes, tem o poder de mudar a vida de algumas meninas. “Teve uma menina que entrou aqui de mal com a mãe e eu abri uma exceção. A menina se queixava da mãe e eu dizia que aqui estava cheio de meninas que choram de saudades de suas mães.” Falava de amor e perdão para a garota e a convenceu a voltar a falar com a mãe. “Ela falava que não tinha coragem, mas eu me propus a levar ela até lá. Pegamos um taxi e fomos até à casa, para ela abraçar a mãe.” O que era para ser apenas um abraço, se transformou em estadia permanente. “Está até hoje. Foi uma benção. Uma lição.”
Atrás do pensionato, Emília também transformou um lugar onde só havia mato, em estacionamento. “Os ladrões vinham e se escondiam ali. A polícia vivia ali atrás catando ladrão. Peguei, carpi, limpei, botei dois caminhões de brita e hoje está aí, um estacionamento, com 12 carros.” Hoje, informatizada, dona Emília conta que divulga o pensionato em um site da cidade, tem MSN e Orkut, onde posta fotos suas ao lado das meninas do pensionato, sua nova família.

Crônica de um Amor Louco [Filme]


Presente aos leitores do Café, Cigarros & Desordem! É um dos melhores filmes que já vi. Recomendo o uso do VLC, para execução, que não tem erro, pois não exige Codecs.

Crônica de um amor louco é o primeiro dos dois volumes da obra Ereções, ejaculações e exibicionismos, do escritor Charles Bukowski (1920-1994), lançado no Brasil pela L&PM Editora. Baseado nessa obra, o filme "Crônica De Um Amor Louco" é um dos mais elogiados cult-movies dos anos 80. Inspirando-se na vida e na obra do poeta Charles Bukowski, o cineasta Marco Ferreri (A Comilança) criou um filme ousado repleto de erotismo e lirismo. Charles Serking (Ben Gazarra) é um poeta anárquico e beberrão que vive no submundo de Los Angeles, entre prostitutas e marginais. Numa de suas maratonas pelos bares, conhece a linda prostituta Cass (Ornella Muti), com quem inicia um tórrido e trágico romance.

Título Original: Storie di ordinaria follia / Tales of Ordinary Madness
País de Origem: Itália / França
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento: 1981
Direção: Marco Ferreri

Download do filme:


A vida entre paredes

Sua vida se restringe a permanecer parado, em silêncio, encostado em uma parede da área de casa, que já guarda as marcas de seu corpo

A caminho da Trilha do Pitoco, a figura de um homem, inerte em uma casa. Barba e unha crescida, olhos inflamados, seminu por opção, independente das estações do ano, Paulo Santolin tem uma história cheia de tabus e limitações. Sua vida se restringe a permanecer parado, em silêncio, encostado em uma parede da área de casa, que já guarda as marcas de seu corpo.
Os moradores da região não querem falar a respeito abertamente, tampouco terem seus nomes divulgados, quando o assunto é Paulo. Apesar da surdez adquirida por conta de uma meningite aos 13 anos, Paulo era muito trabalhador. O que se ouve dizer é que até os seus 25 anos, ele trabalhava na roça. Saía, assistia e jogava futebol, lia jornais e revistas, como a maioria dos jovens de sua idade.
Certo dia, Paulo resolveu não mais sair da cama. Passado do meio-dia, a mãe foi ver o que o filho tinha. Ele dizia ser apenas uma gripe. Assim, recebeu os cuidados e remédios necessários para que se curasse. Os dias foram passando e ele começou a se mostrar agressivo. Queimar roupas se tornou parte de sua rotina. Paulo então foi internado, na capital catarinense. Mas, a medida não resolveu, pois ele fugiu, voltando para Chapecó.
Conversar com Paulo é quase tarefa impossível. Apesar de gentil com a reportagem do Voz do Oeste, o homem não conseguia se fazer entender, parecia falar até mesmo em uma língua desconhecida. Acenou e permitiu ser fotografado, mas pouco se moveu da posição inicial, como se fora dos limites da área da casa – onde vive sozinho, porém próximo de seus familiares –, algo incontrolável pudesse acontecer.
Seus pais já são falecidos. Os vizinhos contam que quando eram vivos, Paulo era mais agressivo. Não raro, quando a mãe levava comida para ele no quarto, ele afirmava que se saísse de lá iam prendê-lo ou levá-lo para a guerra. Saía do quarto apenas para fazer suas necessidades. Por mais de seis meses, se recusou a tomar banho. Morou por muitos anos em uma casa já muito velha e, quando quiseram construir a nova casa que ele vive hoje, se recusou a sair da antiga.
Hoje, com mais de 60 anos, não responde por si. Tomar banho, hábito comum para qualquer pessoa, não é mais praticado por ele. As roupas, rejeita, as joga no mato. Moradores dizem que muitas vezes o flagram nu em frente de casa. Recebe comida e medicação dos familiares.
Uma das hipóteses dos moradores para a situação de Paulo, foi uma pancada na cabeça que sofreu com a queda de uma trave. Eles comentam que médicos dizem que o caso de Paulo é diagnosticado como depressão, que evoluiu a ponto de transformá-lo no homem que é, marcado pelo silêncio e pela inércia.

domingo, 9 de janeiro de 2011

with a little help from my friends

chá, chocolates & rosquinhas

meu querido,

acabo de assistir o filme que me indicou: “mary and max – uma amizade diferente”. me identifiquei. vi muitos de meus rituais e solidões ali. me bateu uma vontade de resgatar a minha velha máquina de escrever vermelha e mandar-te cartas. mas a máquina emperrou o rolo de tinta e eu então parti para o computador. estava ouvindo “luz negra”, na voz de cazuza, na vitrola, mas ela foi desligada sorrateiramente pela mão de uma pessoa de ouvidos frágeis. agora, o ouço também aqui. mas, não abandonei a ideia da carta. o que acha? é meu melhor e único amigo nesse momento. não me pergunte o motivo, pois posso ter um ataque de ansiedade, como os de max (risos). nesse instante, minha doce valentina veio violeta deitar em minha cama. minha máquina de escrever também foi recuperada. devo dizer que minha carta está sendo interrompida por presenças e pedidos de atenção. minha solidão, violentada. a porta, fechada a sete chaves, aberta; a luz, até então morta, ascendida; o ventilador agitador de ideias, amigo íntimo nos meus verões, desligado; a janela que não havia despertado, escancarada. me sinto constantemente invadida pelas presenças humanas. e a tua presença que me invade primeiro o coração, ainda não chegou em casa. seria bem recebida, garanto. agora, me aventuro em um soul com pegadas de rhythm and blues. gosta de blues? minha vida é meio blue sem você. não, isso não é uma cantada. sabe, não gosto de vozes adocicadas e agudas. gosto das roucas e das graves. tenho uma dessas, mas solto suspiros doces de vez em quando, quando penso em ti, quando sonho contigo acordada projetando um futuro lindo, com cheiro de flores roubadas. escrevi minha crítica literária da semana pensando em ti. tentei escrever pra ti também, mas você chegou na hora certa. ficou só aquele texto não terminado (te espero chegar. a chuva sacrifica o telhado ao som de david bowie na vitrola que, de quando em quando, cisma com riscos antigos e se repete em um eco profético. a noite é mais vazia e mais triste sem você. a casa estaria silenciosa, se não fosse a tempestade repentina. relâmpagos clareavam o céu de esperanças da tormenta que já chegou. minha escrita, sempre ela, o meu refúgio na tempestade.) uma das coisas que sinto, ao pensar em você, é o desejo do eterno. queria poder ser dona do termômetro do tempo e determinar nossa eternidade. pobre mortal, é o que sou. hoje ouvi dizer que endeuso pessoas. será que isso é, de todo, ruim? meu endeusamento é natural, acontece sem eu perceber. como andar de bicicleta ou calhambeque. uma espécie de botão contido em mim que é apertado involuntariamente. posso estar endeusando você, mas não se preocupe, isso passa. meu parceiro das madrugadas, vou me despedindo dessa carta-frustrada-que-era-para-ter-sido-escrita-na-máquina-de-escrever. tem algum antídoto contra falsidade e “venditismo” alheios? estou precisando. me mande dentro do envelope. no mais, te amo.

com amor,
sua garota.

ps.: estou tentando parar de fumar. ainda não estou conseguindo. mas se eu conseguir, como chamarei meu blog? “chá, chocolates & rosquinhas”?

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O rei da imprensa nanica

“Não se pensava muito em ganhar dinheiro fazendo jornalismo. Era mais amor à arte. Era arte e idealismo."

Naquela manhã de quinta-feira, vi passar um desconhecido pela rua que me chamou a atenção pelos cabelos longos, a camiseta negra, a calça jeans e os tênis all star. “Quem era ele?”, me perguntei. Na noite daquele mesmo dia, falaria com um fotógrafo ao telefone, “fazedor” de jornais independentes na década de 1970. Marquei entrevista às 9h do dia seguinte no Edifício Quinta Avenida, onde ele tem seu estúdio fotográfico Image, no quarto andar.
Quando cheguei na sala 402, às 9h, Antonio Eloi Venancio Gomes ainda não havia aparecido. Resolvi dar uma volta e, lá embaixo, avistei o mesmo homem da quinta-feira e pensei: “coincidência”. Passados alguns minutos, lá estava eu novamente na sala 402 do Quinta Avenida, onde encontrei a mesma figura que, para a minha surpresa, era a minha fonte.
As “coincidências” não pararam por aí. Na 4ª série, em meados da década de 1990 em Xanxerê, eu, uma menininha de nove anos, criei um jornaleco chamado “Momento”, com um foguete como logo desenhado ao fundo. Ele, Antonio, criou um jornal com o mesmo nome, na década de 1970, caracterizando a imprensa nanica chapecoense.
Contar a história de Antonio, 55, em poucas linhas, é tarefa quase impossível. Nos anos 70, chamava a atenção. Cabeludo, com a mais larga das bocas-de-sino, camisa curta e bigodinho, Antonio Gomes encabeçou, ao lado de Ivan Silva, o jornal “Momento”, que teve a duração de dois anos. Um jornal com violentas despesas, feito por simples amor ao jornalismo maldito. A sobrevivência vinha mesmo da fotografia, área que o mantém até hoje, sendo Antonio o mais antigo dos profissionais da fotografia ainda em atividade.
Geminiano de 16 de junho de 1955, nasceu na pequena cidade de Caxambu do Sul. Fotografa desde 1974. Quando descobriu a fotografia, se apaixonou. Desde o início, diz ter feito fotos perfeitas. “Eu nasci em um lugar lindo, maravilhoso. Atrás de casa tinha um morro. De lá, dá para ver, à noite, os aviões chegando no aeroporto, as antenas de rádio piscando. Um vale, uma paisagem muito bonita. Eu olhava pela janela e aquilo tudo me chamava a atenção. A mudança das estações, o amanhecer no inverno. Quando eu descobri a fotografia eu disse: ‘Nossa, é isso.’ Tu olha por uma janelinha e é como olhar pela janela de casa. Posso gravar, pela janelinha da câmera fotográfica, aquilo que eu sempre olhei e procurei desenhar e pintar.”
Quem trabalhava com jornalismo de esquerda não tinha medo maior do que a vontade de mudar. “Não se pensava muito em ganhar dinheiro fazendo jornalismo. Era mais amor à arte. Era arte e idealismo. Hoje, a maioria faz porque precisa do emprego. Estamos na época do consumismo total. A economia está estabilizada há sete, oito anos. Se pode comprar mais, se tem o que consumir. Então, você quer conservar o teu emprego.”
Primeiro, tentaram fazer uma revista de fotonovela. Como não conseguiram apoio na prefeitura, partiram para o jornal de esquerda, do tipo tablóide. “Levamos um não redondaço. Eu, que já defendia ideias de esquerda desde os nove anos, falando em sindicato, era de topar o que viesse, então aceitei fazer um jornal no estilo do Pasquim.”
Faziam todo o trabalho, do início ao fim, para disponibilizar o jornal. Pink Floyd era a gasolina dos reis da imprensa nanica. Antonio conta que a música ecoava madrugada a fora, reunindo pessoas, debaixo do prédio da redação, que lembravam, através do som, dos bons e velhos tempos. “Então, tu imagina. Avenida, silêncio, madrugada, Pink Floyd em fita K7 no gravador a pilha. O volume ia crescendo na madrugada, ia dando aquele eco na avenida. Não tinha carro nenhum andando. Nós, com a porta aberta da sacada e montando jornal, trabalhando e ouvindo Pink Floyd. O pessoal saía do Hotel Ideal e sentava em frente ao prédio para ouvir. Era lindo.”
O jornaleco tinha manchetes e textos ácidos, desenhos bem elaborados por Gomes – também criador de fotos-montagem –, que tem no desenho outra de suas paixões. Outra figura que colaborava com o “Momento”, era o artista plástico Paulo de Siqueira, que fazia charges para o meio. O “Momento”, a exemplo de outros jornais de imprensa nanica de Santa Catarina, como “A Ponte” e “A Corrente”, e de “O Pasquim”, do Rio de Janeiro, tinha a intenção de falar do governo de maneira crítica. “Falávamos da política global, nacional, estadual e da política chapecoense.”
As edições, assim que chegavam nas bancas, muitas vezes eram contadas e recolhidas pela censura. Depois de muito trabalho para lançar as edições, os dois precisavam ficar alguns dias sem sair de casa, com receio das reações das pessoas. Xingamentos vinham dos prédios, pessoas escondidas desciam o verbo. “Não tinha mais como andar na rua”, lembra. Nunca sofreram processos, já que tinham documentos, muitas vezes mandados por anônimos, para comprovar o que publicavam, apenas ameaças, principalmente de que a Polícia Federal iria prendê-los. Quando “o bicho pegou”, Ivan teve que ir para São Miguel do Oeste e depois para Florianópolis, para fugir da repressão.
Para Antonio, quem era idealista tinha um compromisso com a sociedade, que pedia medidas extremas para que mudanças ocorressem. “Ninguém se transforma em revolucionário. A pessoa nasce revolucionária. Assim, como nasce jornalista, poeta ou pedreiro. Eu não acredito que alguém se torne algo, mas que em algum momento, a pessoa toma um rumo e mostra o que é.”
Diante da história de Antonio, a impressão que se tem é de que qualquer imprensa atual parece ser medrosa, inibida. “Novos jornalistas foram entrando. Os das antigas pararam, morreram, se aposentaram. Houve uma desmotivação. A minha parte eu fiz. No meu contexto, eu fiz. Ótimo, perfeito, estou satisfeito, sossegado. Estou com a cabeça tranqüila. Foi como tirar um peso das costas. Eu imagino que se eu não tivesse feito absolutamente nada, iria ficar pensando: ‘o que foi que eu fiz?’”

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

eu@teamo.com.br

Minha primeira crítica literária do ano é bem amena. Encontrei “eu@teamo.com.br - o amor nos tempos da internet” por R$ 3, em um dos Sebos Ivete em Florianópolis nessas férias e o li durante uma viagem para o interior de São Paulo. Uma leitura tranqüila, sem muitas surpresas ou grandes divagações, mas que atende ao anseio de um leitor menos exigente, acredito.
O livro, lançado pela L&PM, de escrita simples, é composto por e-mails trocados entre a escritora Letícia Wierzchowski – muito bem recomendada pela conhecidíssima Martha Medeiros –, e Marcelo Pires, um publicitário porto-alegrense “perdido” em São Paulo que decidiu entrar em contato, no finalzinho do ano de 1998, com Letícia, que morava em Porto Alegre, depois de ter lido um livro seu.
Daí, surge uma paixão, um amor, um romance contemporâneo que resultou no namoro e no casamento dos dois. A pequena obra teve tiragem inicial de 200 exemplares e foi dada como lembrança aos convidados do casamento de Letícia e Marcelo, em 17 de setembro de 1999. Entre os pontos fortes do livro, as conversas inteligentes, a abertura para a identificação de uma geração fissurada em internet e um conto bastante criativo, “O menino que inquietava as estrelas”, que Letícia escreveu para Marcelo, incluso no livro, mandado também no e-mail do publicitário.
“Mas, na verdade, era espalhafatoso e, com espalhafato, chorou umas saudades ardidas da avó que lhe dera de presente aqueles olhos de céu. Nessa noite, as estrelas se inquietaram no firmamento, contentes, cadentes, pra dar espaço pra nova companhia que havia chego pra ficar.”
Letícia é autora de “O anjo e o resto de nós”, “Anuário de amores” e “Prata do tempo”. Já Marcelo, além de publicitário é também jornalista, colaborador da Folha de S. Paulo e autor do livro infantil “Liga-Desliga”.
“A história virtual de um amor de verdade”. Vale, através da obra, conhecer o trabalho da autora, o deleite de alguns minutos de leitura fácil e de inspiração para os tempos de internet.