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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O rei da imprensa nanica

“Não se pensava muito em ganhar dinheiro fazendo jornalismo. Era mais amor à arte. Era arte e idealismo."

Naquela manhã de quinta-feira, vi passar um desconhecido pela rua que me chamou a atenção pelos cabelos longos, a camiseta negra, a calça jeans e os tênis all star. “Quem era ele?”, me perguntei. Na noite daquele mesmo dia, falaria com um fotógrafo ao telefone, “fazedor” de jornais independentes na década de 1970. Marquei entrevista às 9h do dia seguinte no Edifício Quinta Avenida, onde ele tem seu estúdio fotográfico Image, no quarto andar.
Quando cheguei na sala 402, às 9h, Antonio Eloi Venancio Gomes ainda não havia aparecido. Resolvi dar uma volta e, lá embaixo, avistei o mesmo homem da quinta-feira e pensei: “coincidência”. Passados alguns minutos, lá estava eu novamente na sala 402 do Quinta Avenida, onde encontrei a mesma figura que, para a minha surpresa, era a minha fonte.
As “coincidências” não pararam por aí. Na 4ª série, em meados da década de 1990 em Xanxerê, eu, uma menininha de nove anos, criei um jornaleco chamado “Momento”, com um foguete como logo desenhado ao fundo. Ele, Antonio, criou um jornal com o mesmo nome, na década de 1970, caracterizando a imprensa nanica chapecoense.
Contar a história de Antonio, 55, em poucas linhas, é tarefa quase impossível. Nos anos 70, chamava a atenção. Cabeludo, com a mais larga das bocas-de-sino, camisa curta e bigodinho, Antonio Gomes encabeçou, ao lado de Ivan Silva, o jornal “Momento”, que teve a duração de dois anos. Um jornal com violentas despesas, feito por simples amor ao jornalismo maldito. A sobrevivência vinha mesmo da fotografia, área que o mantém até hoje, sendo Antonio o mais antigo dos profissionais da fotografia ainda em atividade.
Geminiano de 16 de junho de 1955, nasceu na pequena cidade de Caxambu do Sul. Fotografa desde 1974. Quando descobriu a fotografia, se apaixonou. Desde o início, diz ter feito fotos perfeitas. “Eu nasci em um lugar lindo, maravilhoso. Atrás de casa tinha um morro. De lá, dá para ver, à noite, os aviões chegando no aeroporto, as antenas de rádio piscando. Um vale, uma paisagem muito bonita. Eu olhava pela janela e aquilo tudo me chamava a atenção. A mudança das estações, o amanhecer no inverno. Quando eu descobri a fotografia eu disse: ‘Nossa, é isso.’ Tu olha por uma janelinha e é como olhar pela janela de casa. Posso gravar, pela janelinha da câmera fotográfica, aquilo que eu sempre olhei e procurei desenhar e pintar.”
Quem trabalhava com jornalismo de esquerda não tinha medo maior do que a vontade de mudar. “Não se pensava muito em ganhar dinheiro fazendo jornalismo. Era mais amor à arte. Era arte e idealismo. Hoje, a maioria faz porque precisa do emprego. Estamos na época do consumismo total. A economia está estabilizada há sete, oito anos. Se pode comprar mais, se tem o que consumir. Então, você quer conservar o teu emprego.”
Primeiro, tentaram fazer uma revista de fotonovela. Como não conseguiram apoio na prefeitura, partiram para o jornal de esquerda, do tipo tablóide. “Levamos um não redondaço. Eu, que já defendia ideias de esquerda desde os nove anos, falando em sindicato, era de topar o que viesse, então aceitei fazer um jornal no estilo do Pasquim.”
Faziam todo o trabalho, do início ao fim, para disponibilizar o jornal. Pink Floyd era a gasolina dos reis da imprensa nanica. Antonio conta que a música ecoava madrugada a fora, reunindo pessoas, debaixo do prédio da redação, que lembravam, através do som, dos bons e velhos tempos. “Então, tu imagina. Avenida, silêncio, madrugada, Pink Floyd em fita K7 no gravador a pilha. O volume ia crescendo na madrugada, ia dando aquele eco na avenida. Não tinha carro nenhum andando. Nós, com a porta aberta da sacada e montando jornal, trabalhando e ouvindo Pink Floyd. O pessoal saía do Hotel Ideal e sentava em frente ao prédio para ouvir. Era lindo.”
O jornaleco tinha manchetes e textos ácidos, desenhos bem elaborados por Gomes – também criador de fotos-montagem –, que tem no desenho outra de suas paixões. Outra figura que colaborava com o “Momento”, era o artista plástico Paulo de Siqueira, que fazia charges para o meio. O “Momento”, a exemplo de outros jornais de imprensa nanica de Santa Catarina, como “A Ponte” e “A Corrente”, e de “O Pasquim”, do Rio de Janeiro, tinha a intenção de falar do governo de maneira crítica. “Falávamos da política global, nacional, estadual e da política chapecoense.”
As edições, assim que chegavam nas bancas, muitas vezes eram contadas e recolhidas pela censura. Depois de muito trabalho para lançar as edições, os dois precisavam ficar alguns dias sem sair de casa, com receio das reações das pessoas. Xingamentos vinham dos prédios, pessoas escondidas desciam o verbo. “Não tinha mais como andar na rua”, lembra. Nunca sofreram processos, já que tinham documentos, muitas vezes mandados por anônimos, para comprovar o que publicavam, apenas ameaças, principalmente de que a Polícia Federal iria prendê-los. Quando “o bicho pegou”, Ivan teve que ir para São Miguel do Oeste e depois para Florianópolis, para fugir da repressão.
Para Antonio, quem era idealista tinha um compromisso com a sociedade, que pedia medidas extremas para que mudanças ocorressem. “Ninguém se transforma em revolucionário. A pessoa nasce revolucionária. Assim, como nasce jornalista, poeta ou pedreiro. Eu não acredito que alguém se torne algo, mas que em algum momento, a pessoa toma um rumo e mostra o que é.”
Diante da história de Antonio, a impressão que se tem é de que qualquer imprensa atual parece ser medrosa, inibida. “Novos jornalistas foram entrando. Os das antigas pararam, morreram, se aposentaram. Houve uma desmotivação. A minha parte eu fiz. No meu contexto, eu fiz. Ótimo, perfeito, estou satisfeito, sossegado. Estou com a cabeça tranqüila. Foi como tirar um peso das costas. Eu imagino que se eu não tivesse feito absolutamente nada, iria ficar pensando: ‘o que foi que eu fiz?’”

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