Certo dia estava, com um amigo, ouvindo um CD de um deficiente visual, cujo nome não há porque divulgar, e isso me desencadeou uma série de inquietações. Pelo que percebemos, não havia muitas músicas compostas por ele no álbum, pois ele preferiu músicas já bem conhecidas como “Imagine”, de John Lennon, e “Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso. Para acompanhar a música, ele utilizou de um teclado com aqueles recursos de acompanhamento, tipo bateria e baixo.
As músicas ficaram irreconhecíveis, tanto pela melodia quanto pelas letras, devido a fatores como a má pronúncia do inglês e as constantes desafinadas que o pequeno cantor, dotado de uma voz “não tão boa assim”, deixava escapar a toda hora. Mesmo assim, quando meu amigo começou a criticar o garoto, eu me pus a defendê-lo com sentenças do tipo: “coitadinho, ele é cego”. Nisso, a mesma pessoa que havia o criticado, disse: “você não o critica só porque ele é cego, se não fosse criticaria”. Na hora, eu não concordei nem discordei, apenas fiquei pensativa.
Casos me vieram à minha mente nos dias seguintes, para reforçar as minhas suspeitas, como, por exemplo, o de uma deficiente física que faz poemas há muito tempo (conheço o seu trabalho desde criança) e com quem eu tive a oportunidade de conversar certo dia. Ela disse que uma editora não aceitou os seus escritos porque, segundo o responsável, eles não tinham qualidade, eram repetitivos e banais. Ela contrapôs dizendo: “mas e a quantidade, não vale?”. Não sei o que o editor respondeu, se ele deixou-se levar pelo fato da sua deficiência ou não, mas o fato é que hoje eu concordo com ele e responderia negativamente à sua publicação.
Porque deveríamos aceitar o trabalho de alguém, mesmo que tenha quantidade, sem contestar ou criticar? Só porque o emissor tem alguma deficiência física? É claro que certas atividades, dependendo da deficiência, são mais complicadas de serem feitas, o que não corresponde aos casos avaliados. Não são eles e os seus defensores, como eu mesma sou, que falam(os) tanto em preconceito, em direitos iguais, em discriminação? Não seria justo os colocarmos em um mesmo nível de discussão desde que eles tenham capacidades mentais para fazer um trabalho de qualidade, não-banal e não-repetitivo?
Eu penso que muito desta relevância que se tem é porque há consciência de dar um certo incentivo, um impulso para que ele faça o que se propôs, mas não se pode deixar de fazer críticas construtivas, a fim de instigar a melhora das suas produções. Jamais afirmo que não são bons exemplos de vida ou que eles não mereçam admiração e respeito por, muitas vezes, superarem os seus limites físicos. Porém, um sujeito que teve paralisia infantil nas pernas, não pode escrever bem? Alguém que é cego, não pode cantar bem, fazer um bom trabalho?
Há muitas pessoas em associações de escritores e afins que demonstram usar (ou se aproveitar) a ou da sua deficiência para se justificar e muitas vezes usam isso para garantir a sua sobrevivência (já que não deve ter muita chance no grande mercado), como o cego que humoriza a sua própria condição, o que pode ser bom, vendo pelo lado da não-lamentação, mas pode ser ruim vendo pela ótica da auto-discriminação, seguindo os padrões da sociedade que não tolera ou ridiculariza o diferente. Ainda há um outro ponto relevante que talvez já seja um clichê: é melhor que aquele que tem deficiência faça esse tipo de coisa, ainda que se torne um freak, do que fique trancado em casa pensando em se matar e se martirizando porque nasceu cego, com problemas nas pernas e assim por diante.
Mas, para finalizar, temos um “caso-apêndice”, pois o filho – sem deficiência alguma – desta poetiza que priorizava a quantidade lançou um livro de qualidade discutível, mas ele é tratado da mesma forma que a mãe, com o mesmo zelo hipócrita, discriminador, preconceituoso e desigual. Então, meus caros, eu só posso dizer uma coisa: estamos perdidos, porque discriminação está nos genes!
(Texto antigo, mas que ainda condiz com alguns pensamentos meus que alvoroçaram nos últimos dias)
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