Antes da Apache ser criada, nos anos 80 Claudete Michailoff já cumpria a sua missão. Hoje, são 41 cãezinhos sob os cuidados dela. A maioria foi abandonada e sofria maus tratos
Ao chegar na casa da “mulher dos cachorros”, os bichinhos disputavam atenção. Pelúcia é a mais atrevida, faz casa nos meus pés e esbraveja ao menor sinal de competição. São ao todo 41 cãezinhos sob os cuidados de Claudete Michailoff. A maioria foi abandonada e sofria maus tratos.
Claudete encontra os cãezinhos em ruas desertas que ficam perto de sua casa, no Bairro Alvorada. “Todas as saídas da cidade, nos lugares mais desertos, são pontos de abandono.” Os animais que estão mais debilitados ela leva para casa. Lamenta que não são todos que ela pode recolher. Nessa semana, abrigou 10 filhotes em dias diferentes, na volta do trabalho. “Os filhotes são fáceis de doar, porque são bonitinhos. O problema são os adultos. Os aleijados, é ainda mais difícil. O ser humano tem preconceito com o próprio ser humano, imagine com os animais.”
Uma das cachorrinhas chegou com o pescoço todo machucado e com ferida viva. “Amarraram uma corrente tão apertada no pescoço dela que a degolaram. Ela tinha um machucado nas costas também que criou bicho. Abandonaram ela, enroscada no calçamento, com a corrente dentro do pescoço.” Outra cachorrinha tinha marcas de cigarro na cabeça e uma terceira foi violentada, teve a perna machucada e o rabo quebrado. “Ela era bebezinha ainda. Um cachorro não faria isso”, observa.
Claudete é voluntaria na Apache (Associação Protetora dos Animais de Chapecó e Oeste Catarinense). Quando há feirinhas de animais, leva alguns dos seus para doação. Antes da Associação ser criada, nos anos 80 Claudete já cumpria a sua missão. À tarde, trabalha no Albergue João Plitz, como auxiliar de serviços internos. “Lá, a gente faz de tudo um pouco. Nos fins de semana trabalho 12 horas. Uma semana no sábado, outra no domingo. Trabalho muito com o pessoal de rua.”
É mãe de uma moça já casada e avó de Pietra, que cuida pela manhã. Mora com sua irmã, que tem Síndrome de Down. Além dos cães, também cuida de alguns gatos. “Tem dias que eu chego em casa e dá um desânimo. Eu limpo o piso de manhã e vou trabalhar. Quando volto, está tudo sujo de novo.”
Um dos seus vizinhos foi denunciado, pois para não comprar coleira, amarrou um arame no pescoço e na cocha, apertando o arame com um alicate para impedir a fuga do cachorro. O que consegue fazer para curar os animais, Claudete faz. Porém, muitas vezes precisa recorrer ao veterinário. A comida, em parte, vem de doações. “Saio pedindo, passando o chapéu.” Outra parte compra com o próprio dinheiro. “As pessoas doam quando querem, não tem como depender só de doações. Tem só um senhor que é bem fiel. Doa ração todo mês e vem trazer. Se eu não estou em casa, ele deixa no portão.”
Percebe que antigamente não havia tanto cachorro abandonado. “Agora, em cada esquina tem um. E não é só vira-lata que abandonam. Já peguei cachorro de raça abandonado, como Boxer e Dog Alemão. Abandonaram os animais desnutridos e desidratados.” Ela tem uma cachorra há 18 anos. Picachu passou parvovirose e cinomose, duas doenças que geralmente matam. Está um pouco cega, mas se recuperou. “Quando ela melhorou, estava muito velha para doar. Acabou ficando.”
Acredita que se um terço das pessoas que abandonam os animais recolhesse para cuidar, faria muita diferença. O abandono se dá pelos motivos mais fúteis: “Porque o cachorro sujou o tapete ou porque estava com diarréia. No final do ano, as pessoas vão viajar e descartam os cachorros, como se fossem brinquedos velhos. Quando voltam, procuram outros.”
Mais de dois mil cachorros já passaram pela casa de Claudete. Houve um tempo em que ela teve 58 cachorros de uma só vez. Mesmo com todos os cachorros para proteger a casa, Claudete quase foi roubada. “Os ladrões visitaram todas as casas dessa região. Tiveram a petulância de chegar aqui, mesmo com os cachorros avançando. Porque é uma troca: eu cuido deles e eles, de mim.”
Já pensou várias vezes em não pegar mais nenhum cachorro para cuidar. Mas ao ver os cãezinhos na rua, não se contém: Claudete olha para eles e continua a sua missão. O difícil de acreditar é como tantas pessoas têm coragem de maltratar os animais, enquanto uma, sozinha, luta para que eles tenham um lugar ao sol, longe das mãos que deixam marcas, por vezes irreversíveis.
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