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segunda-feira, 26 de julho de 2010

ao som de ratos no sótão


se escondeu no seu quarto, como sempre fazia. o cachorro se aconchegava debaixo das cobertas, fugindo do frio da noite. infelicíssima. ela estava infelicíssima, ela era infelicíssima. quem dera fosse clarice. por ela, dormiria o dia inteiro, a noite inteira, a vida inteira. ontem, tentou se iludir, engolir inverdades. não deu. poetas, escritores e aprendizes, sempre reconhecem inverdades no ato. infelicíssima, ecoava. soube que seu último caso recebera outra garota no seu apartamento – típico de um hipocondríaco mimado. mas não era só isso, a vida era mesmo o que lhe pesava e pesava na alma. e, por mais que quisesse, seria incapaz de cutucar e ferida e falar de tudo que lhe doía. seria constrangedor demais. não tinha um minuto de sossego na casa alheia. dentro e fora de si, só um silêncio esmagador. a comida não era ela que pagava, a gasolina, a eletricidade, a água do banho obsessivo-compulsivo. não havia um centavo nas calças rasgadas. perdeu seu último amor no vão da estrada. mas nem sabia que estrada tomar. e nem sabia que existia estrada. trabalhava todas as manhãs, solitárias, no jornal diário. escolhia uma história louca para escrever/contar todos os dias e até havia quem gostasse. assim, poderia esperar o salário e trocá-los por cigarros e novas balas para o revólver. não se olhava mais no espelho, nem nos vidros das vitrines. a fluoxetina havia acabado, o selene também. logo viria a histeria psicodélica dos dias de sangue e seus golpes de aromas rotos. a mente, mofada. cedeu ao mofo. espremeu os lábios de frutas vermelhas contra a parede branca, escreveu com batom no espelho do banheiro: “morri”. quem dera fosse verdade. a única verdade, desde a primavera de 1983, era uma vida que não tinha fim, muito menos previsão. se pudesse oferta-la, ela, a vida, ao primeiro doente ou mendigo da rua, ofertaria. “tó, pegue pra ti essa vida escrota que eu não sei viver, dói demais.” mas não dava para se livrar da vida, como quem troca de trapos. não dava, não deu, não dá.

(crônica que pretende deixar claro que sou incapaz de mentir e falar bonito aos jornais diários.)

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