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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

quis a plástica das palavras


eles buscam a ordem. eu busco o oposto. tantas palavras já passaram pelas minhas mãos. que sejam eternas. quase não acreditei que havia névoa nessa noite. só tive certeza quando meus olhos, lavados de dor, sem contornos negros ou rimmel, viram através da luz dos postes públicos, aquele manto brilhante de chuva fina. as crianças ainda gritavam e corriam e falavam. ocupamos o mesmo espaço e como somos diferentes. se dedicam umas as outras num esconder-se e achar-se infinito, sem propósitos maiores. eu, faço questão de não existir. eu, faço questão de ter propósitos nobres que me afastam do mundo. vi teu nome apagar-se em mim. mais um nome que se apaga. acumular desafetos tornou-se meu maior ofício. há tempos tenho um costume tolo de freqüentar rodoviárias, terminais, metrôs, estações de todo tipo. enquanto escrevo, tomo café e fumo, espero por alguém que nunca chegou; espero por algo que jamais chegou de viagem. como se aguardasse uma alma forasteira compatível, que gostasse de ler poemas escritos nas mesas dessas estações tão minhas. é como se me esperasse chegar no próximo ônibus ou trem. eu nunca cheguei. há pessoas que confundem minha aventura com perversão. talvez seja esse o momento de esclarecer que, ao escolher a estrada, escolhi também a solidão. talvez seja hora de dizer não, não meu corpo não configura com corpo algum desse mundo. quando te deixei, escolhi a solidão; agora, anos e anos depois, sinto que não imaginei que seriam os dias tão longos. escolhi a solidão das cidades desconhecidas, lugares em que me fiz anônima. se eu pudesse dar um conselho a alguém diria: vá pelo caminho do meio. o extremo é burro. saiba que tua solidão não comprará o amor que perdeu ao sair de viagem. mas quanta tolice. não existe mais viagem. fulana solta bombas pela boca. fulana me aprisiona, me faz escrava. mas quem é fulana? fulana sou eu. pobre fulana, caranguejeira de travesseiros de pena. pobre fulana. só não enlouquece de vez pois quer manter a pose. pois não se fazem mais loucos como antigamente. loucos desvairados, de camisa de força. os loucos não são visitados em casa, são loucos de consultório. fazem-se de sãos na frente do médico. que desglamourização da loucura! eles não xingam mais os doutores da cabeça, engolem os remédios com resignação e até admitem-se loucos. desconstrução de uma antiga estirpe. é, estou meio fora de moda. ainda (re)monto um jornal medieval e me (re)torno o bobo da corte do velho oeste. já pensou? publicar somente as peripécias de uma cabeça insana. é o futuro do jornalismo. é o jornalismo individual, egoísta. dia desses me disseram: “és a heroína solitária.” ou algo assim. sim, devo ser. heroína que morrerá do próprio veneno. nasci no dia errado. no dia de um grande homicídio, no dia em que nasceu um anti-herói, bêbado e zoneiro. nasci no dia em que os gritos dos infantes eram mais fortes, mais intensos, carregados de desassossego pela consciência de terem entrado nesse mundo. nasci sob um sol que não me deu condições de me relacionar nas superfícies, mas sim nas periferias. sol que disse: “vai, vai, corta os pulsos aos 13, já que depois disso a vida será só desgraça.” insisti. estou viva por conveniência, por falta de um instrumento letal que me contente. vi uma geração inteira morrer para a vida e nascer para o vírus. vi corpos estilhaçados nas estradas, signos desencontrados, booom! fotografei com os olhos e com as máquinas. redigi. sequei lágrimas, provoquei algumas. nesse estado morta-viva, tenho feito de tudo para dar vida às palavras. acomodar pessoas, histórias e lugares em caracteres mínimos. fui fêmea e fui o contrário disso. desisti do ser humano, elegi os animais. vigiei vidas com olhos doloridos. chorei sozinha, pelo meu orgulho. fui cigana. não duvide. fiz previsões que ninguém contestou. continuo vivendo, mais morta do que viva e, quando chegam as noites de sexta, estou mais morta do que em qualquer outro dia. me vejo legume em uma rede no jardim. legume venenoso, pulmão cinza das fumaças das fábricas. não tenho antídoto. não tenho crias. não tenho mais sonhos. eu fui, agora não sou mais.

(sem(?) nexo ou revisão)

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