não quero dormir. não quero acordar. foram-se minhas aulas no eldorado. não pegarei mais duas lotações de manhã, não verei mais os letreiros do hotel delavy e imaginarei buenos aires da lotação da fernando, nem te pintarei dando aulas nos bairros pobres, nem verei ela no ponto pensando na índia ou na áfrica, nem as mães e suas crias no colo na lotação do são pedro esboçando a colômbia de janela em janela e nem comprarei cigarros no terminal antes de rachar a cabeça nos sois do meio-dia. ouço vozes tenebrosas nessa noite. constatei que quanto mais trabalho, mais são os cigarros baratos que tenho que comprar. não posso me mover. meu braço vai cair e se ele cair e dele jorrar sangue das veias suspensas e se eu não puder encaixa-lo e se eu não for uma boneca de plástico e se dentro de mim ainda houver dor e se ela sair e se ela urrar? e se eu for humana? e se eu não dormir nunca mais e escrever escrever e escrever até a insônia ser estado natural e até não existirem mais palavras não ditas e eu me repetir me repetir e me repetir e perceber que já não há nexo, assim como não há mais amor na minha alma? a lacuna que você deixou. irreparável. um corte de faca desafinada, um corte de faca e bem fundo. me sinto um verme esquecido no corpo de alguém, sem outros vermes para fazer festim. carcomendo o que restou de uma vida. acordo com a morte na boca, durmo com a morte no corpo. adivinhei teu ascendente na borra do teu café, arrastei meus punhos na calçada para morrer lenta. o concreto segredou nos meus punhos e mordi os peitos vigiados pelo vento e fui vento e fui epitáfio, epopéia, crônica. nasci perséfone, morri cleópatra. lacuna se abria, lacuna se contraia, lacuna se despia, dilatava e morria. lacuna virou meu nome. lacuna impronunciável. ave, lacuna. se alarga a cada sopro mais. do teu mantra, o delírio. de você, a lacuna que deixou. preencha as lacunas. conecte os pontos, leia o segredo cítrico contra a luz. sou eu, a queda. prazer, vilão.
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