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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

tributo aos trópicos

agora que está tudo calmo e eu já perdi a mão, sigo os conselhos de virgínia wolff e registro alguns acessos meus. tenho criado rostos em minhas galerias. os crio e já penso em abate-los. e me é um alivio quando consigo. vivo na cidade dos vampiros, xapecó. ofereço meu pescoço sem querer, por pura inocência. eles se saciam e nem dizem obrigado. eles saciam, destroem e partem, voam em seus vôos rasos. detonam meu pescoço de carne nova, eternamente nova. arrumo minhas malas no pensamento. escolho meu destino no meu mapa particular. recebo convites indecentes e desdenho, como se já não tivesse um corpo que sustenta esse espírito de fogaréu vivo ambulante. não tenho rédeas. corro de edifício em edifício com o mais vermelho dos pelos. me enamoro pelas letras. antes fosse pelos números. teria respostas exatas para me dar. eu andava pelas ruas cravadas de cacos de espelhos falsos em frangalhos. ignorei os piquetes e os levantes que meus olhos nublados viam pela ótica de um óculos de camelô. vestia negro, da cabeça aos pés. me escondia marginal no meu capuz de moleton. nas pernas, a calça junto ao corpo se esfregava viçosa. na mão, um cigarro que acinzentava o rosto de cansaço venenoso. o cabelo vermelho se vestia de voltas no vento, assustava as carolas, buscava alento no suor do fim da tarde. cabeça forrada de recortes de jornais, erros ortográficos, frases que não escrevi, peripécias que não delatei. te trazia no peito chacoalhado de horror. te comi em todas as horas do dia. levava a desordem no casco. pisei nos cacos de espelhos e escolhi meu ângulo menos terroso. eu era cinza de uma brasa que pisoteei. ela me convidou para ir ao seu apartamento. recusei, novamente, soberana. como se não precisasse entorpecer o corpo de ervas doces. mas eu precisava. queria assinar minha alforria. não pude. não deu. não como, não durmo, não vivo. me chamam de máquina. me chamam de robô, escravo. óleo de máquina escorrendo pelo vácuo dos dentes. eu deslizava por xapecó. bati nas portas abandonadas do velho oeste seu-vagem, ninguém me atendeu. nem uma moça no saloon para me entreter com seu amor barato com gosto de bituca amanhecida. a tarde caía e eu também. pedindo as contas para o mundo, desejando uma permissão da dona de mim, eu mesma. não me dei. não me dou. no chuveiro, desci pelo ralo. voei no submundo das águas. fui maremoto, tufão. entrei em mim e fui engolida pelo universo que eu escondia. cavalguei pelas montanhas de sangue, adormeci nos anticorpos e nasci de novo do meio de mim. minha mão me deu uma alma, ela brilhava como falso brilhante mas era negra e grande e vasta demais para caber em mim. fui morar na minha boca. morri no sussurro úmido dos meus lábios que se partiram em fendas de dor e de sangue. bebi do que sou. me iniciei. me tornei vampira estridente, num ventre de fogo. provei do teu veneno, não suportei. cometi suicídio no primeiro raio de sol. hoje sou pó, mas não me pergunte nada. minhas respostas são embaralhados focos de dor. adormeço e acordo sem saber o que uno em silabas. ainda te espero chegar. faça de mim quebra-cabeças e organize meu sonho ácido. me desvende, me descubra. sinto calor. me aproximo de ti e te vejo de perto e te olho nos olhos e faço casa debaixo do teu chapéu. tem lugar na tua boca? quero ver se nossas línguas se entendem, se as palavras combinam, se as vírgulas se encaixam. não me encontro mais em mim. quem sabe no teu abraço, quem sabe no teu grande abraço que abarca o mundo. tenho milhões de caracteres para preencher até engolir o branco das laudas. o branco me assusta. preciso entupi-lo de letras como se as letras fizessem do branco paradeiro. preciso de paradeiro. sou um mistério para mim. me derramo no teu chão e colho os teus refrões e faço deles a roupa que estou vestindo. soletro teu nome em sonhos e te rapto em pesadelos horrendos e sou maga de cristal na janela do teu quintal. eu que nunca fui de rimas, arremesso os ecos nas trincheiras. me ponha em ordem ou me ponha em chamas de vez. centauro dos céus de fogo, me leve na colina de onomatopéias. deixe eu gritar meus eufemismos no boom do tempo.

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