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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

vi uma pomba morta no asfalto

vi uma pomba morta no asfalto, era eu. de machucada a morta em segundos. a vida arrancada do peito macio, ainda quente. era eu, depois do golpe. pegou e puxou a vida de dentro de mim, num solavanco dos diabos. e eu, que nunca quis ter certificados de propriedade, naquela hora quis ter um de mim e outro de ti. e gritar para os sete ventos: é meu! o que guardo aqui e meu! e zombar e odiar todas as coisas e pessoas que te roubam de mim. mas bem sabe que mantenho a educação. afinal, mundo é linguagem. ah, mas como eu queria ser um animal nessas horas e me permitir agir pelas paixões, intuições, instintos, impulsos. quis ser um bicho e morder o inimigo e agarrar a presa e sair pelo deserto com ela na boca, tal cria ameaçada. mas me calei. do silêncio, veio o enjôo já bem sabido. e peguei a estrada, eu, pomba morta no asfalto, peguei a estrada e fui olhar a porra do horizonte e suas vacas pastando a esmo. parei em uma bodega de beira de estrada e comprei uma porra duma coca-cola, fumei meu dunhill e chorei. cara, eu chorei. os boêmios me olhavam e eu disfarçava. as lágrimas presas nos óculos de sol que intermediavam os meus olhos e o céu do fim da tarde. atravessei a estrada e cheguei mais perto da porra do horizonte e vi um abismo entre a estrada e a as vacas. se o abismo fosse grande o bastante, quem sabe, mas o abismo era tão medíocre quanto as bandeiras de propaganda de cerveja que os meus olhos avistavam de quando em quando, quando checavam o que os boêmios estavam pensando que eu iria fazer. e eu não fiz nada. peguei o carro, novelesca como sempre, liguei o radio, been a long lonely / lonely, lonely, lonely / lonely time, as batidas retumbando na cabeça cansada pós jornal-diário e parti. covarde. pobre pomba morta no asfalto, desprovida de instintos e defesas. guardei o céu azul na retina, deixei as lagrimas de sal secarem no sol tranqüilo do fim da tarde manchando o meu rosto para sempre. troquei a roupa negra, que uso “pelos pobres e oprimidos / que vivem no lado faminto e sem esperanças da cidade”, pelos campos de algodão e me escondi bem atrás dos lençóis da minha inconsciência, enquanto meu espírito, meu triste espírito, gritava de dor, num desespero caótico de se entender apenas corpo naquela hora, morto, estirado e morto, na estrada de fios de ouro de um já setembro sangrento.

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