Olá, meu bem,
Meados de novembro, após várias tentativas frustradas, eu, enfim, resolvo responder a tua carta – enviada ainda em fevereiro com um endereço diferente do que tens agora. Com Big Mama Thornton & The Muddy Waters Blues Band ao fundo, escrevo as ditas linhas que não pretendo deixar amarelar entre as pilhas de jornais e revistas de um canto qualquer.
Tive, de fato, receio de te escrever, assim como tive de te ler, mesmo sabendo que do medo vem o tédio e que o antídoto do tédio é o amor (respondendo a pergunta feita em um dos teus poemas), não só o carnal, mas também o fraterno e todos os outros amores, preferi ficar com o meu medo a me arriscar. Tive, sim, medo de me perder de amores pela tua poesia, tanto que não ousei repetir a leitura muitas vezes, como faço com outros autores. Li poucas vezes, mas, o tanto que li, ficou impregnado em mim, tal é o teor da tua literatura em minha visão.
Apesar de tudo, eu e meu medo até que convivemos pacificamente. Tu chegastes a me pedir um dia como eu conseguia ficar sem sair para beber aos sábados, e eu, tímida, não consegui te explicar. Sabe, acho que é um pouco como John Lennon diz naquela frase-cliché: “Não se drogue por não ser capaz de suportar a sua própria dor. Eu estive em todos os lugares e só me encontrei em mim mesmo”. Mas hoje, sábado, subitamente estou sentindo falta de beber. Contigo.
Lembro que quando te vi pela primeira vez, há uns dez anos, achei que tu fosses um ser de um universo muito distante do meu, e que jamais poderíamos travar uma conversa qualquer. Pudera, deves ter vindo mesmo de marte! Naquela época, ouvia muitos bons comentários ao teu respeito que só fui entender quando te li, anos mais tarde. Quando finalmente falei contigo por telefone, senti que nem tudo estava perdido nesse mundo e, apesar de não ter aprovado o texto que escrevi para o jornal da universidade, Passe a Folha, gostei muito de saber que alguém como você existia e não tão longe de mim. Guardei uma esperança, durante esses anos, de um dia ter a sorte de te encontrar pelos bares da vida ou de te dar uma carona por estas estradas.
Eis que te encontrei e troquei umas poucas palavras com você no ano passado. Bem mais espontâneo do que eu imaginava, o “meu poeta” não foi uma total decepção como o Niko falou. Adorei receber a tua carta e os telefonemas. Fiquei felicíssima em realmente poder te dar carona e irmos àquele show no Dia do Rock, apesar dos pesares. E a noite em que você apareceu aqui, com um bombom na mão, ignorando qualquer tipo de inacessibilidade de minha parte, foi incrível. Não sei o que te trouxe, se foi a minha literatura ou uma das tríades malditas, mas esta foi uma atitude muito corajosa. Se agi certo, também não sei, fiz o que achava que devia ser feito, tentando ser eu mesma.
Senti a tua falta nos The Beatles For Sale, mas me diverti muito com os meus e os teus amigos. Já no outro dia, talvez não quisesses me encontrar, porém eu já tinha planos de ir para Xaxim. Não entendi muito bem o que você queria, porque uma hora vinha me abraçar e me beijar, outra, dizia coisas que não fazia sentido, sumia ou ainda se “lançava” para outras meninas. Eu fiquei um pouco chateada. Já estava cansada por causa do trabalho, há noites sem dormir e bebendo desde o dia anterior. Sei que falei umas coisas pra ti e, infelizmente, acabei indo embora sem me despedir.
Como precisei dos meus DVDs, passei na tua casa na semana passada. Tu não estavas. Então eu falei com a tua mãe e deixei três livros do Machado de Assis: um que já era meu, e outros dois que completam a coleção. Espero que tenha algo nela que já não tenhas lido, que não tenhas em casa ou que pelo menos sejam edições diferentes das demais que deva ter. Tua mãe foi muito gentil e até me deu umas guloseimas! Deixei também um abraço, ela te deu?
Bem, só gostaria que tu soubesses que tens uma amiga, se assim quiseres. Sei que tens muitas pessoas que te admiram pelos teus múltiplos talentos, mas eu não gostaria que ficasse essa sensação ruim entre nós. Eu realmente gosto muito de ti e espero poder estar junto de você de novo, seja onde for, em uma dessas noites chuvosas, trocando palavras, copos e tudo mais. Estou combinando com uns amigos para vermos no Niko e na Liza o filme que encomendei: “Crônica de um Amor Louco”, baseado na obra de Charles Bukowski. Mas isso depois que eu voltar de viagem. Irei para algum lugar passar o meu aniversário, dia 15. Ainda que eu me encontre em mim mesma, estou precisando de um quarto de hotel barato para pensar e escrever com calma, além de caminhar por ruas distantes e desconhecidas por uns dias, pois a vida é infinita, portanto indigna do tédio, e acho que há sempre algo para se conhecer, sejam pessoas, coisas ou lugares.
Estou mandando o que coloquei no jornal que trabalhava, Gazeta Regional, sobre o Acampa Rock para você guardar como lembrança.
uma certa garota.
Um comentário:
e, abrindo os arquivos patéticos.
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