(Dos Ditirambos de Dionisio, 1888: "Estas são as canções
de Zaratustra, que ele cantava para si mesmo,
para suportar sua última solidão".)
Dez anos já –
e nenhuma gota me alcançou,
nem úmido vento nem orvalho do amor
- uma terra sem chuva...
Agora peço à minha sabedoria
que não se torne avara nessa aridez:
corra ela própria, goteje orvalho;
seja ela a chuva do ermo amarelado!
Um dia mandei as nuvens
embora de minhas montanhas -
um dia eu disse, "mais luz, obscuras!"
Agora as chamo, que venham:
Fazei escuro o meu redor com vossos ubres!
- quero ordenhar-vos,
vacas das alturas!
Leite quente, sabedoria, doce orvalho do amor
derramo por sobre a terra.
Fora, fora, ó verdades
de olhar sombrio!
Não quero ver em minhas montanhas
Acres verdades impacientes.
Dourada de sorrisos,
de mim se acerca hoje a verdade,
adoçada de sol, bronzeada de amor –
só uma verdade madura eu tiro da árvore.
Hoje estendo as mãos
às seduções do acaso,
bastante esperto para guiar, tapear o acaso,
como a uma criança.
Hoje quero ser hospitaleiro
com o mal-vindo,
contra o destino mesmo não quero ter
- Zaratustra não é um ouriço.
Minha alma, insaciável com sua língua,
já lambeu em todas as coisas boas e ruins,
em cada profundeza já mergulhou.
Mas sempre igual à cortiça
Sempre bóia outra vez à tona
Bruxuleia como óleo sobre os mares morenos:
por ter essa alma me chamam o Afortunado.
Quem são meu pai e mãe?
Não é meu pai o príncipe Supérfluo,
e mãe o Riso silencioso?
Não me gerou esse duplo conúbio,
eu animal de enigma,
eu monstro luminoso,
eu esbanjador de toda a sabedoria de Zaratustra?
Hoje doente de delicadeza,
Um vento de orvalho,
Zaratustra está sentado, esperando, esperando, em suas montanhas –
eu seu próprio suco
tornado doce e cozinhado,
embaixo de seu cume,
embaixo de seu gelo,
cansado e venturoso,
um criador em seu sétimo dia.
- Quietos!
Uma verdade passa por sobre mim
Igual a uma nuvem –
com relâmpagos invisíveis ela me atinge.
Por largas lentas escadas
Sobe até mim sua felicidade:
vem, vem, querida verdade!
Quietos!
É minha verdade! –
De olhos esquivos,
De arrepios aveludados
me atinge seu olhar,
amável, mau, um olhar de moça...
Ela adivinha o fundo de minha felicidade,
ela me adivinha – ah! o que ela inventa? –
Purpúreo espreita um dragão
no sem-fundo de um olhar de moça.
Quietos! Minha verdade fala!
Ai de ti, Zaratustra!
Pareces alguém
que engoliu ouro:
ainda hão de te abrir a barriga!...
És rico demais,
Corruptor de muitos!
São muitos os que tornas invejosos,
são muitos os que tornas pobres...
A mim própria tua luz faz sombra –
ela me enregela: vai embora, tu, que és rico,
vai, Zaratustra, sai de teu sol!
Queres presentear, distribuir teu supérfluo,
mas tu próprio és o mais supérfluo!
Sê esperto, tu, que és rico!
Presenteia antes a ti próprio, ó Zaratustra!
Dez anos já –
e nenhuma gota te alcançou?
Nem úmido vento? nem orvalho do amor?
Mas quem haveria de te amar,
ó mais que rico?
Tua felicidade faz secar em torno,
Torna pobre de amor
- uma terra sem chuva...
Ninguém mais te agradece,
mas tu agradeces a todo aquele
que toma de ti:
nisso te reconheço,
ó mais que rico,
ó mais pobre de todos os ricos!
Tu te sacrificas, tua riqueza te atormenta –
Tu dás,
não te poupas, não te amas:
o grande tormento te força o tempo todo,
o tormento dos celeiros saturados, do coração saturado –
mas ninguém mais te agradece...
Tens de tornar-te mais pobre,
Sábio insensato!
Queres ser amado.
Ama-se somente aos sofredores,
só se dá amor aos que têm fome:
presenteia antes a ti próprio, ó Zaratustra!
- Eu sou tua verdade...
FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900)
{Nunca esqueci desse poema}
de Zaratustra, que ele cantava para si mesmo,
para suportar sua última solidão".)
Dez anos já –
e nenhuma gota me alcançou,
nem úmido vento nem orvalho do amor
- uma terra sem chuva...
Agora peço à minha sabedoria
que não se torne avara nessa aridez:
corra ela própria, goteje orvalho;
seja ela a chuva do ermo amarelado!
Um dia mandei as nuvens
embora de minhas montanhas -
um dia eu disse, "mais luz, obscuras!"
Agora as chamo, que venham:
Fazei escuro o meu redor com vossos ubres!
- quero ordenhar-vos,
vacas das alturas!
Leite quente, sabedoria, doce orvalho do amor
derramo por sobre a terra.
Fora, fora, ó verdades
de olhar sombrio!
Não quero ver em minhas montanhas
Acres verdades impacientes.
Dourada de sorrisos,
de mim se acerca hoje a verdade,
adoçada de sol, bronzeada de amor –
só uma verdade madura eu tiro da árvore.
Hoje estendo as mãos
às seduções do acaso,
bastante esperto para guiar, tapear o acaso,
como a uma criança.
Hoje quero ser hospitaleiro
com o mal-vindo,
contra o destino mesmo não quero ter
- Zaratustra não é um ouriço.
Minha alma, insaciável com sua língua,
já lambeu em todas as coisas boas e ruins,
em cada profundeza já mergulhou.
Mas sempre igual à cortiça
Sempre bóia outra vez à tona
Bruxuleia como óleo sobre os mares morenos:
por ter essa alma me chamam o Afortunado.
Quem são meu pai e mãe?
Não é meu pai o príncipe Supérfluo,
e mãe o Riso silencioso?
Não me gerou esse duplo conúbio,
eu animal de enigma,
eu monstro luminoso,
eu esbanjador de toda a sabedoria de Zaratustra?
Hoje doente de delicadeza,
Um vento de orvalho,
Zaratustra está sentado, esperando, esperando, em suas montanhas –
eu seu próprio suco
tornado doce e cozinhado,
embaixo de seu cume,
embaixo de seu gelo,
cansado e venturoso,
um criador em seu sétimo dia.
- Quietos!
Uma verdade passa por sobre mim
Igual a uma nuvem –
com relâmpagos invisíveis ela me atinge.
Por largas lentas escadas
Sobe até mim sua felicidade:
vem, vem, querida verdade!
Quietos!
É minha verdade! –
De olhos esquivos,
De arrepios aveludados
me atinge seu olhar,
amável, mau, um olhar de moça...
Ela adivinha o fundo de minha felicidade,
ela me adivinha – ah! o que ela inventa? –
Purpúreo espreita um dragão
no sem-fundo de um olhar de moça.
Quietos! Minha verdade fala!
Ai de ti, Zaratustra!
Pareces alguém
que engoliu ouro:
ainda hão de te abrir a barriga!...
És rico demais,
Corruptor de muitos!
São muitos os que tornas invejosos,
são muitos os que tornas pobres...
A mim própria tua luz faz sombra –
ela me enregela: vai embora, tu, que és rico,
vai, Zaratustra, sai de teu sol!
Queres presentear, distribuir teu supérfluo,
mas tu próprio és o mais supérfluo!
Sê esperto, tu, que és rico!
Presenteia antes a ti próprio, ó Zaratustra!
Dez anos já –
e nenhuma gota te alcançou?
Nem úmido vento? nem orvalho do amor?
Mas quem haveria de te amar,
ó mais que rico?
Tua felicidade faz secar em torno,
Torna pobre de amor
- uma terra sem chuva...
Ninguém mais te agradece,
mas tu agradeces a todo aquele
que toma de ti:
nisso te reconheço,
ó mais que rico,
ó mais pobre de todos os ricos!
Tu te sacrificas, tua riqueza te atormenta –
Tu dás,
não te poupas, não te amas:
o grande tormento te força o tempo todo,
o tormento dos celeiros saturados, do coração saturado –
mas ninguém mais te agradece...
Tens de tornar-te mais pobre,
Sábio insensato!
Queres ser amado.
Ama-se somente aos sofredores,
só se dá amor aos que têm fome:
presenteia antes a ti próprio, ó Zaratustra!
- Eu sou tua verdade...
FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900)
{Nunca esqueci desse poema}
Um comentário:
Adoro esse poema, tanto que utilizei um trecho seu em minha monografia. Nietzsche é fantástico. Embriaga-nos com suas palavras, lê-lo em demasia é fascinante, pois os sentidos se aguçam e a percepção, portanto, é potencializada incrivelmente. Acordamos no outro dia com a ressaca simbolizada pelo desconforto que a leitura promoveu em nossos valores.
Fabita, gosto muito do seu gosto.
Postar um comentário