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sábado, 4 de dezembro de 2010

Divagações sobre o fracasso ou a “vida real” dos reality shows

Somos todos fracassados, em maior ou menor grau. É desse princípio que parto. Numa dessas conversas de bar, ouvi dizer que fulana era fracassada. Pobre fulana, pensei. Poderiam estar falando de mim no mesmo tom. O conceito de fracasso expressado pelos caras do bar, consistia em alguns pontos principais: fracassado é quem vive com a própria mãe depois dos 20; fracassado é quem não “pega” ninguém; fracassado é quem não consegue emprego e fracassado é quem não se encaixa em um padrão de beleza. O esboço do dito monstro está em partes aí.
Mas vamos olhar para além das paredes sujas. Todos temos intentos que não alcançamos. Não conheço nenhuma criatura que tenha conseguido tudo e acho que nem vou conhecer. Quando temos uma coisa, não temos outra; quando estamos em um lugar, pensamos em estar em outro; quando estamos com alguém, pensamos em como seria se estivéssemos com outra pessoa ou gozando de total liberdade de escolha. E isso segue.
Só para constar minha indignação, viver com a mãe é muito melhor do que viver com um bando de vampiros que se dizem amigos; “pegar” alguém limita as possibilidades do ser humano, tão apto ao amor e aos sentimentos mais complexos, que vão além do mero instinto e dos processos de seleção natural, das aparências; emprego vai e vem e nem todos tem a sorte ou a necessidade de se encontrar com a rapidez de outros e também há quem ache e possa achar a vagabundagem mais atraente, o que também é compreensível; e padrão de beleza é horrendo, justamente por limitar, excluir a maioria.
Para aumentar a minha ira, que já estava em níveis extremos, ouço dizer que os reality shows são bons porque tratam da verdade. É o lance da vida como ela é, o lance da vida real. Pelo amor de Deus. Que vida real? Comer e beber do bom e do melhor por três meses em um casarão, ter direito a festas homéricas e suporte para quedas o tempo todo em desafios forjados, isso é a vida real? Artistas de merda cuidadosamente selecionados dentro de um padrão ridículo, são a vida real? Acordem, por favor. Não preciso dizer que na vida real pessoas passam fome, não têm casa e se quebra a cara valendo, sem almofada anti-impacto. Pessoas reais são imperfeitas. Se isso é vida real, não é a minha vida. Nem a da maioria dos brasileiros. Pensei que nunca precisaria dizer o que estou dizendo hoje, mas pelo visto a alienação impera e me obriga a falar o óbvio.
Perdi as estribeiras com essa história toda. Não tenho mais paciência para as pressões sociais, para o capitalismo, para o ocidente, para o século 21. Seres humanos desse espaço e desse tempo me assustam. Aqui, igualdade só existe na Coca-Cola. Vou explicar através de Andy Warhol, ícone da Pop Art. “O que este país tem de bom, é que a América estabeleceu uma tradição, segundo a qual os consumidores mais afortunados compram essencialmente as mesmas coisas que os pobres. Quando se está vendo televisão, bebe-se Coca-Cola; sabe-se que o presidente bebe Coke, Liz Taylor bebe Coke e, então, a pessoa pensa consigo mesma que também pode beber Coke. Nem todo o dinheiro do mundo poderia comprar uma Coca-Cola melhor do que a que o mendigo está bebendo na esquina.”
Não há cansaço em tentar copiar o que vemos, feito cães em frente à padaria, de olho no frango? Achei que houvesse. Há em mim esse cansaço, essa confrontação enjoativa do ideal com o real, há em mim essa vontade de ser eu mesma e de mandar à merda quem não é capaz de admitir suas topadas com o fracasso. E vou: vão à merda.

4 comentários:

Andréa Beheregaray disse...

Pois é, por incrível que pareça, ainda é preciso dizer.

que vão à merda, e por lá fiquem.

Um beijo.

Sasha Portrait disse...

é triste que o óbvio ainda esteja tão longe dos olhos de alguns, fico realmente triste quando vejo tais opiniões pequenas, limitadas e tão falhas!

vão a merda mesmo.

beijos, ótimo texto. Aliás, eu adoro este seu canto. :*

Rounds disse...

fabita,

que bom que você tenha gostado do mamãe não voltou do supermercado. tava preocupado pensando: "e se ela não gostar?"

grande post este último. vejo que temos muita coisa em comum.

bj

Saulo Popov Zambiasi disse...

Primeiro de tudo, não vale nada quem fica se preocupando com a vida dos outros (Esses carinhas falando das pessoas fracassadas). Em segundo lugar, fracassado é quem não tem objetivos na vida ou desistiu de lutar pelo que quer. Nem que o que se quer é apenas um bom lugar para descansar e ser feliz. Não fique indignada com pessoas assim. Essas são as pessoas realmente fracassadas. Beijos.