Conhecido mais pela sua casa no Bairro Universitário do que por ele próprio, o chamam de “velho artista”. Mais que isso, para mim, ele é o rei da sucata, em seu reino encantado das invenções. Bento Paulo do Nascimento, aposentado, ex-construtor e entregador de materiais, diz que tem 69 anos, 70 em 12 de fevereiro do ano que vem. Mas acho que Bento se perdeu nas contas. “Sou do mil novecentos e quarenta”. Se é assim, seu Bento tem 70 anos, 71 no ano que vem.
Ocupa um trono de banco de automóvel e madeira. Me espera sentado, no emaranhado de invenções. Inventou de tudo. “Me pedem por que, ao invés de inventar, eu não planto flor. Mas não adianta plantar flor. Tem uma piazada mal criada que estraga tudo. Eu até tinha vontade de plantar aquela orquídea, mas não adianta. A piazada é mesmo danada.”
- Por que tanto vermelho, Bento?
- É que eu sou puro colorado. Sempre, desde piazote. Me criei no Rio Grande o Sul e criei meus filhos lá também. Agora, tão tudo casado, tudo extraviado. Tem dois, um rapaz e uma moça, em Curitiba; uma filha que mora em Porto Alegre, a mais velha; tem outro que mora perto de Erechim; e a mais nova das filhas que mora aqui atrás.
Inventor recente, há um ano apenas, aposentado há quatro, é morador do Bairro Universitário há vinte e dois anos e viúvo há vinte.
- Não quis casar de novo?
- Peguei uma mulher uma vez, mas eu explicava o causo pra ela, como é que tinha que ser, e ela não entendia. Tinha que poupar, para deixar para os filhos. Ela esbanjava muito. Então eu disse: “Quer saber duma coisa? É melhor você ir embora. A amizade é a mesma. Deus te ajude, que você vá bem.” E deixei.
Areia, cimento, madeira e material reciclável: Os elementos de sua arte. “Velho tem disso. Fica ali sentado, quando dá umas horas, acaba cochilando. E eu não sou muito de sair pra lá e pra cá. Então vou inventando. Cachaça eu não tomo, mas outro dia pedi pra um vizinho: ‘Escuita, não tem um litro de cachaça vazia?’ Ele me deu e eu já vim e apreparei a arte. Achei uma madeira, fiz a cabeça da vaquinha, cortei uns pregos, fiz os chifres e ajeitei.”
O pessoal que toma cerveja, leva as latinhas para seu Bento. “Aqui, véio, pra você fazer tuas artes”. As invenções, ele não vende. “É só pra bonito.” Exigente, se não gostou do resultado, modifica, desmancha ou refaz a arte. “Fiz um palhaço esses tempos e depois uma companheira pra ele. Veio a minha ex-patroa e disse: ‘Mas seu Bento, tem que botar uma blusa nela.’ Achei uma blusa e botei.”
- E a inspiração, vem de onde?
- Me dá aquele negócio na idéia de fazer alguma coisa e eu vou e faço.
E é um festival de bons velhinhos de Mon Bijou, pinheiros de Coca-Cola e Royal, esculturas de potes de Doces Piá, auto-retratos de concreto, galinhas e patos. “Volta e meia recebo visita pra ver a arte. Eu gosto do que faço. Um cara da minha idade, fica sozinho em casa, uma hora ele aborrece. Então ele garra e faz um servicinho pra passar as horas. E quando vê, passa o dia.”
Nunca fez curso de artes na vida, nem aprendeu a lidar com as letras. Mas, se pudesse nascer de novo, diz que com certeza seria artista. Coisa que já é no seu reino encantado de invenções, onde reina absoluto com sua coroa colorada de palha, apoiado no seu cajado amarelo-ouro.
(Publicado no Voz do Oeste em 1 de setembro de 2010)
2 comentários:
Muito bom o seu blog. Gosto de ler essas histórias fantásticas de pessoas maravilhosas da nossa querida cidade.
Parabéns pelo blog!
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