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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O vendedor de pequenos valores

Gaúcho de Guaporé, tem um ponto de safena no coração e muita saudade dos pampas

Bem abrigado no seu casaco com mais de 40 anos de armário, de longas lapelas e de pura lã axadrezada, Alcides Ranzan, 69 anos, bem que poderia estar em casa nessas manhãs frias e chuvosas de agosto. Ao invés disso, ele é ainda hoje um dos personagens mais conhecidos da rodoviária da cidade. Antigo alfaiate – profissão quase extinta –, Alcides é o homem dos discos, que cuida da sala 6, onde fica a “Adrenalina Laser”, há 16 anos.
“Tô aposentado, só que ganho o mínimo. Mas hoje estou feliz porque vou receber uma parte do meu décimo terceiro.” Quando abriu, a loja vendia LPs e fitas K7. “Agora, as fitas desapareceram. Até a fábrica da fitinha diz que fechou. E de discos, não temos mais nada”, conta o vendedor, que cuida também da banca de jornais e revistas do Azeitona.
Gaúcho de Guaporé, ele tem um ponto de safena no coração e muita saudade dos pampas. É casado há 38 anos e tem quatro filhos – três rapazes e uma moça. No meio dos discos a laser, se perde e se encontra nos estilos, que vão desde o sertanejo, passando pelo gauchesco até chegar ao rock. “Sempre tem gente que pede discos desconhecidos. Eu entendo mais de música sertaneja e gauchesca. Agora, pegou no internacional, aí é brabo.”
Fala que vende “pequenos valores”. “Tem muita gente que quer discos que contam histórias. Aquele sertanejo antigo. Vendo bastante Pedro Bento & Zé da Estrada, Tião Carreiro e Pardinho e Barreiro & Barreirinho.” Sertanejo de raiz, que tem prazer em vender.
Com a internet, o negócio dos CDs ficou mais complicado. “Você pode ver, algumas das grandes lojas que tinham aqui em Chapecó, no Centro, fecharam por causa disso. O pessoal fala: ‘Ah, esse aqui tá R$ 25,00. Em uma hora eu baixo esse CD de graça na internet.’ Assim, a gente deixa de ganhar.”
Faz o que gosta, mas sente falta da vida dos cortes e das costuras. “Minha profissão era mesmo alfaiate. Trabalhei mais de 30 anos nessa profissão.” Eram três irmãos alfaiates na família. Alcides lembra que a costura, por muito tempo, era feita à luz de velas. “É, mas a história é danada. A gente vai se indo e os anos passam.”
O vendedor de discos, que está em Chapecó há 17 anos, confessa que os anos já estão pesando. “Tô um pouco cansado, mas quero continuar ajudando os meus filhos. Não quero deixar eles na mão, porque não é fácil.” Para animar a manhã de inverno, só mesmo com um pouco de Tião Carreiro & Pardinho.

“Dizem que o mundo gira
Em formato de uma bola
Enquanto o mundo vira
Gira eu e a viola
Gira, gira, mundo velho
Gira, gira, mundo novo
Gira eu e a viola”
(Tião Carreiro & Pardinho – A Viola Está Tinindo)

(Publicado no Voz do Oeste em 5 de agosto de 2010)

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