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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Pequenos novos olhares


Olhos e mãos que procuram ler a intenção do artista. Proposta inédita
que movimenta a programação do mês de aniversário do município

Criadores de inesperadas visões da obra de um artista renomado se espalhavam pelos arredores do monumento “O Desbravador”, numa segunda-feira diferente. Era o início da I Semana Paulo de Siqueira, que se estenderá até o dia 13, das 8h às 11h e das 13h30 às 17h. Com o tema “Releitura e Novos Olhares”, o evento é parte da programação do mês de aniversário de 93 anos do município, desenvolvido com a participação de 20 escolas municipais de Chapecó, o que significa a presença de mais de 600 pequenos admiradores da arte de Paulo de Siqueira.
“Fomos a primeira turma a participar da programação. Foi muito produtivo. Conhecer a obra de Paulo de Siqueira faz com que valorizemos a cultura local, já que, normalmente, conhecemos e estudamos artistas nacionais e internacionais e esquecemos dos artistas locais”, observa a professora de artes da Escola Básica Municipal Olímpio Corrêa Figueiró, Janete Capitaneo, que acompanhou 40 crianças da 6ª série até o “Memorial Paulo de Siqueira” – localizado embaixo do monumento “O Desbravador”.
Os alunos puderam conhecer um pouco da vida e obra do artista. “A nossa proposta é que as crianças façam uma releitura das obras do Paulo, da forma que elas vêem, da forma que elas entendem, porque a obra de arte fala, ela tem uma mensagem”, salienta o gerente de Cultura e Patrimônio Histórico e Memória do Museu de História e Arte de Chapecó (MHAC), Oracílio Costella.
Mais do que admirar a arte de Paulo de Siqueira, os alunos, que não tiveram a chance de conhecer Paulo em vida, interagem diretamente com as suas obras. As turmas são divididas em dois grupos. Parte dos alunos permanece no “Memorial Paulo de Siqueira”, no lado externo, em locais diferentes, para que tenham visões distintas e redesenhar “O Desbravador”, obra mais conhecida de Paulo.
Outra parte, é encaminhada ao museu, onde são divididas novamente. Nos pedestais, peças do artista são redesenhadas pelos pequenos, munidos de pranchetas, papéis, lápis e borrachas. Há ainda uma atividade bastante curiosa: Os olhos de duas crianças são vendados e elas fazem contato manual com a obra. É o chamado contato sensorial, em que as mãos se tornam os olhos das crianças. Sem ter tido contato visual com a obra, os alunos desenham aquilo que perceberam. Somente no final, há o confronto entre o desenho e a obra, quando eles podem ver finalmente a peça.
“A obra de arte tem esse princípio. O artista tem essa concepção interna, uma concepção de mensagem anterior ao momento dele fazer a obra. As mãos procuram ler essa intenção do artista”, divaga o gerente.
Costella diz que as crianças produzirão o seu desbravador particular com material reciclável, com forma e concepção próprias. No dia 23, as obras serão encaminhadas ao museu para serem expostas durante a semana do aniversário do município. Ao final, as escolas serão premiadas com material didático.

ELE ERA UM VULCÃO

Decorador, escultor, jornalista e pintor, Paulo de Siqueira nasceu na cidade gaúcha de Soledade, em 26 de julho de 1949. Adotou Chapecó como seu local de trabalho. “O Paulo era um vulcão. Uma pessoa supercriativa, um entusiasta. Tinha uma energia impressionante”, conta Costella, amigo pessoal de Paulo.
Era facilmente visto com boina e pala, andando imponente pelas ruas da cidade. Paulo de Siqueira tinha uma vida que não se encaixava aos padrões tradicionais. Trabalhava nos momentos de inspiração, o que, tantas vezes, acontecia em plena madrugada.
“Eterno insatisfeito em termos de manifestação, crítico, estudioso e observador”, se enxergasse uma sucata interessante, ele a reconstruía, resultando em incontáveis obras que deram a ele o título de melhor escultor de Santa Catarina e um dos melhores do Brasil.
“A sucata representava para ele aquilo que a sociedade colocava de lado. Reaproveitava aquilo com uma importância de arte, como se dissesse: ‘não há nada na sociedade que não tenha o seu valor; não há nada no mundo que não tenha o seu valor.’” No olhar do senso comum, os objetos têm valor até que apresentem serventia. Já no olhar do artista, os valores são diferentes.
“Ele tinha uma grande presença física e uma presença como artista ainda maior. Foi dono de ideias muito grandes”, relembra. Usava a simbologia, associava a arte às pessoas, às atividades. Responsável pelo suplemento “Oi”, Paulo, o jornalista, escrevia sobre cultura, culinária e variedades.
“Insaciável em todos os sentidos, gostava de um bom prato, de um bom vinho, de um bom whisky”. De origem humilde, vivia de uma maneira discriminatória. Homossexual, se impôs na sociedade, ocupando todos os espaços que pretendia ocupar. “Contava histórias fantasiosas, que alimentavam a sua inspiração.”
Paulo de Siqueira Morreu em 30 de julho de 1996, vítima de HIV. Deixou marcas no oeste catarinense e suas obras não encontraram fronteiras. Em Chapecó, o monumento “O Desbravador” e o “Memorial Paulo de Siqueira” são os pontos turísticos mais visitados da cidade, onde se mantém viva a história do artista das sucatas.

(Publicado no Voz do Oeste em 10 de agosto de 2010)

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