Pesquisar este blog

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

As luzes se apagam, a vertigem se acende

“Não nos preocupamos em decorar poemas, mas com o que esse poema nos causa. E queremos mostrar às pessoas o que ele nos causa” Marlon Meira Macarini

Em frente à Cantina de Dionísio, um espetáculo de música e poesia que mexeu com todos os sentidos. Nuances teatrais na penumbra do espaço, iluminado apenas com velas sobre as mesas. O vinho tinto, a música hipnótica, os poemas de tempos remotos, os perfumes. Um convite para o transe.
Figuras, com instrumentos musicais e trechos poéticos, que transportaram os espectadores para outros tempos; prenderam a atenção de um público acostumado com apelos visuais intensos, que permaneceu calado, de pálpebras cerradas, imerso, contentando-se apenas em viajar no som e nas palavras dos doces poetas, por minutos intermináveis.
A. Diógenes Gluzezak, Edes Noel de Amaral Junior, Fernando Nicknich, Herman G. Silvani (Niko), Marlon Meira Macarini e Rodrigo Bedin Pereira: Quem fez da poesia, vertigem na noite de sexta-feira, na Associação Cultural Nova Acrópole
Um recital de releitura, de música e poesia hispano-árabe, que variava o tom, dependendo do interprete. Ameno, expressivo, enfático, instigante. Jamais indiferente. Dos acordes do violão de Rodrigo, ao sintetizador de Fernando, o grupo “Poesia Vertigem” trouxe magia numa noite que poderia ser igual a tantas outras.
Magia que parecia ser privilégio apenas de outros lugares, do presente ou do passado, mas que se descortina em bares, cafés, escolas, feiras, festivais e universidades da capital do oeste e arredores, do início da década passada até hoje.

NO CHÃO COM VERTIGEM

“Tudo começou com Diógenes”, cortou o ar a primeira voz corajosa do círculo. No chão, tive a chance de voltar aos primórdios do “Poesia Vertigem”, que surgiu através de um convite do Sesc, em 2000. Os primeiros espectadores foram os presidiários.
Diógenes, ao lado de dois amigos, Alexandre e Vanessa, faziam parte da formação inicial do grupo, que ainda não levava o nome de hoje. “Pensamos assim: ‘já que a gente gosta de poesia e o Sesc está precisando e não encontra ninguém para apresentar...”, lembra Diógenes. Estava feito o “Cuspindo Verso”.
“Era precário. Não tínhamos esse costume de ensaiar. A gente se reunia para beber. Dizia que ia ensaiar, mas nunca ensaiava. Saía do jeito que saía. Às vezes muito bem, tanto que surgiram outros convites na época”.
Depois de uma longa parada, em julho de 2005, Diógenes, Edes e Marlon se apresentaram em um seminário jurídico no Lang Palace Hotel, numa nova formação dos “cuspidores de versos”. Nessa época, Edes e Marlon, ainda na faculdade de Direito, faziam o jornal literário independente “Cogito, ergo sum”, ou seja, “penso, logo existo”.
Foi só em setembro de 2007 que o grupo aderiu ao nome de “Poesia Vertigem”, em uma apresentação no “Caffé e Té Brasiliano” – lugar em que era comum encontrá-los discutindo poesia. Herman G. Silvani, o Niko, que nesse período entrou no grupo, fala que o nome já era usado em um blog de poesia, que deveria ter se transformado em fanzine ou revista. “Acabamos por aderir esse título ao grupo, que tem uma história toda mambembe”, conta Niko. Mambembe no sentido de ambulante, já que muitas foram as pessoas que passaram pelo “Poesia Vertigem”.

POR TRÁS DO ESPETÁCULO

“É quase um cinema de poesia”, sintetiza Fernando, pela inserção de uma espécie de roteiro nessa última apresentação, diferente das anteriores. Uma linha motora, interpretada de forma individual, por cada espectador.
Lapsos de sincronicidade, que acontecem sem premeditação. “Para a primeira apresentação que houve na Nova Acrópole, definimos um tema – o fraterno na poesia universal de todos os tempos. Estávamos sem o Marlon, que estava viajando. Cada um escolheu um texto, mas ninguém falou qual era o autor ou o texto escolhido. Chegamos no ensaio e cada um de nós tinha um livro do Walt Whitman, alguns até escolheram o mesmo fragmento”, diz Diógenes, impressionado. “E o Marlon, nas montanhas, devia estar lendo o Whitman também”, ironiza Niko. “Isso se chama – anota bem essa palavra – MAGIA”, completa. Magia ou não, fatos como esse acontecem até hoje entre eles.
“Todas as apresentações geram uma ansiedade, uma inquietude. Não basta simplesmente ler um poema que você gosta. O poema precisa entrar em ti e você precisa entrar no poema, tem que haver essa conexão”, observa Marlon. Um exemplo de conexão é o trabalho que Rodrigo faz no grupo, casando a música com o poema. Boa parte das músicas que Rodrigo toca, são compostas por ele. “Nos ensaios, o pessoal traz a poesia, eu escuto e anoto o significado. Acredito que 50 a 80% das músicas são compostas para cada poema. A ideia é fazer a música falar a mesma coisa que o poema está falando. Ou complementa-lo”, explica Rodrigo. Além disso, poemas próprios também ganham espaço nas apresentações do grupo.
Pelo espetáculo, só recebem mesmo “vinho, calor humano, convites estranhos, que às vezes são interessantes, e só”, brinca Niko. “É muito fácil você ser um teórico. Ler 100, 200 livros sobre um assunto, ter mil opiniões, mas a atitude é o que faz acontecer, não o conhecimento teórico. O fato de existir o grupo, pela vontade dele existir, e não pelo sustento, tem mais valor e mais força de expressão”, ressalta Fernando.
“O que nos move é o amor à poesia. Essa é a mensagem que tentamos passar. Amor à poesia, sem pretensões, sem formatações. Não nos preocupamos em decorar poemas, mas com o que esse poema nos causa. E queremos mostrar às pessoas o que ele nos causa”, afirma Marlon. Para ele, há um respeito muito grande por essa entidade, a arte, dentro do grupo. “Essa é a nossa diversão, a nossa necessidade, socializada, distribuída”, conceitua Niko.
Como não poderia deixar de ser, tudo isso é bem exemplificado por Diógenes, através de um trecho do poema “Em Meu Ofício ou Arte Taciturna”, de Dylan Thomas:

“Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.”

Um dos planos futuros do “Poesia Vertigem”, “se o mundo não acabar em 2012”, é votar às origens: trabalhar em um projeto do Sesc. Algo que há tempos está sendo almejado por ambos.

A pedido dos meninos do “Poesia Vertigem”, lançamos uma campanha para o músico chapecoense convidado nos últimos recitais, Fernando Nicknich, que atualmente mora em Curitiba: Fica, Fernando!
Aproveitamos a deixa para agradecer à fotógrafa oficial do grupo, Liza A. Bueno, por registrar a entrevista.

(Publicado no Voz do Oeste em 2 de agosto de 2010)

Um comentário:

BuenaVista disse...

Parabéns, ficou show a matéria =)