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sábado, 9 de outubro de 2010

divago

ouço do meu quarto o grito das massas, envolvidas pelo delírio coletivo dos estádios; vejo da minha porta, o esguichar das águas que untam automóveis e roupas e o som feroz das vassouras que varrem as casas e as ruas. será que ninguém, além de mim, se pensa nesse momento? ou será que todos se pensam? ou ainda, será que se pensam e não se pensam, dependendo do que exige o mundo interno e externo? as vaias intensificam. sinto que as mentem pensam em bolas, em carros, roupas, casas e ruas limpas e no que tudo isso representa: estou certo, sou o melhor. eu penso em mente limpa. assim como não me aventuro no campo das bolas, carros, roupas, casas e ruas, eles não se atrevem a atravessar o campo dos livros, dos escritos e das mentes. em ambos os casos, sabemos que são campos fáceis de se embrenhar e difíceis de sair. eu não sou ninguém, não se engane. só sou ninguém, indo em outra direção. minha boca não se abre aos gritos e falas de desarranjo. minha boca mal se abre ao longo dos dias. minha boca fala para dentro, fala para mim. minha boca se pensa. e, no exercer diário do ato de reportar-se, meu corpo fica fora de foco, porque vive para dentro. o impulso externo me dói e me dói porque é contra a minha vontade. meu corpo vai pelo pão, meu corpo vai pelas ruas carregando uma dor enorme de existir. minha dor de saber que preciso manter o corpo e a casa, mesmo sabendo que vivo em outro campo. eu penso, estou certo e sou o melhor, vivendo como vivo. eu sou um espírito, que precisa carregar um corpo refém de carros e roupas e casas e ruas. eu sou um espírito que não pode o ser o tempo todo e precisa reportar-se, sair de si, para encontrar as histórias, os lugares, os outros. e como me dói. não sou repórter, sou amante da filosofia. e não me dou o aval para viver do que amo, porque o que amo gera crias que não posso me responsabilizar. o que gero é assustador. o que gero causa aversões. queria poder acariciar a linguagem o tempo todo, com golpes ou carícias plenas. queria golpear a escrita e acaricia-la para vê-la vermelha de dor ou de apreço. queria sondar o espírito e a literatura e a filosofia e o estado mais profundo de mim. para depois, sim, buscar o que tens, mundo externo. buscar as histórias, os lugares, os outros. para depois, sim, estar apta, de ouvidos atentos. eu, sou e sempre fui ferida viva. mas preciso me curar do grande mal da sensibilidade em excesso e da ilusão. e o caminho é tão vasto. e não é só esse. os carros de som ainda passam na minha rua. eles querem vender o que eu não preciso comprar. paz de espírito, onde se compra? onde compro a capacidade de transformar pensamento em literatura? onde compro o silêncio das línguas cansadas, onde compro a voz do silêncio? o correr das bolas não me traz respostas. o grito, o auge, o delírio, não me trazem respostas. o barulho e o bando não me trazem respostas. os carros reluzentes que desfilam pelas avenidas não me trazem respostas e as roupas de grife não me trazem respostas, assim como o som não me faz sentido e a beleza não me encanta os olhos. a ostentação das casas não me atrai, o furor das ruas tampouco. a infância já não me encanta, nem a velhice. esses estados primitivos do homem, de instinto. meu corpo não pode viver ao lado de outro. não sou dada aos domínios, meus ou de outros. não encontro equilíbrio. e sempre que vejo pessoas, meus olhos perfuram as peles e buscam o âmago. não me dou às rédeas. tenho duas opções para mim: ou estou sondando a loucura, ou chegando em algum lugar.

2 comentários:

Gomes disse...

belo sentimento(post). ^^
Adoro café, estou impossibilitado quanto a cigarros e a desordem..heh..

parabéns pelos textos

Dennis Ramos disse...

Texto muito bom!!!
Vivo divagando como tú, a beira da loura, ou a tal realidade.