Perdi as contas de quantas vezes li os contos de “Morangos Mofados”, ou quantas vezes apenas peguei o livro, para senti-lo, para tentar capturar os sentimentos que ali, mofos, habitam. Meu livro de cabeceira, a obra-prima do gaúcho Caio Fernando Abreu, traz textos que ficaram tatuados em mim desde a primeira lida, no início de 2008, até hoje.
O recorte magnífico de tempo em “Pela passagem de uma grande dor”, a primeira noite de um guri em “Sargento Garcia”, a história de amor e preconceito de “Aqueles dois” e, claro, a “Carta a Zézim”, visceral, intensa, na qual Caio fala do processo de criação de “Morangos Mofados” ao amigo e diz a ele (e para todos os aspirantes da arte da escrita) o que deveria fazer se quisesse realmente seguir por esse caminho árduo.
Caio Fernando Abreu tem a capacidade de reproduzir, através da escrita, olhares, sons, cheiros, gostos, tatos e sentimentos. Suas descrições dos ambientes são detalhadas e beiram o realismo. “Mergulhei na sombra atrás dele. Subi os degraus de cimento, empurrei a porta entreaberta, madeira velha, vidro rachado, penetrei na sala escura com cheiro de mofo e cigarro velho, flores murchas boiando em água viscosa.”
Grande admirador de Clarice Lispector, Caio foi um escritor intimista. É hoje amado por multidões de fãs que, imagino, assim como eu, percebem nele a capacidade de escrever aquilo que guardamos no ponto mais inacessível de nós. “Você não vai encontrar caminho nenhum fora de você. E você sabe disso. O caminho é in, não off. Você não vai encontrá-lo em Deus nem na maconha, nem mudando para Nova York, nem.”
Separado em três capítulos, “O mofo”, “Os morangos” e “Morangos mofados”, a obra foi publicada originalmente em 1982. É o livro de maior sucesso do escritor – nascido em 12 de setembro de 1948, na cidadezinha do interior do Rio Grande de Sul, Santiago do Boqueirão –, que escreveu um total de onze obras.
Depois de uma vida desregrada, vivida em diferentes lugares do Brasil e do mundo, Caio Fernando Abreu, homossexual assumido, morreu vítima do vírus da AIDS em 25 de fevereiro de 1996. Sua última obra foi a jardinagem. Cuidou das rosas na casa dos pais, retornando à sua sabedoria originária.
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