Bem, eu nem sabia ao certo se Caio ainda tinha casa, já que morreu em 1996. E, se tinha, onde ficava. Se em Santiago do Boqueirão ou em Porto Alegre ou em algum lugar do estrangeiro...
Ao som de In The Ghetto, na voz de Elvis Presley
Por onde eu começo? Pelo sonho. Vou começar pelo sonho. Madrugada de domingo para segunda. Não lembro exatamente do sonho, mas na manhã de segunda-feira, com alguns trocados no bolso e algum tempo livre, tinha a certeza de que poderia ir visitar a casa de Caio Fernando Abreu – meu escritor preferido – como se fosse simples assim: ir à casa de Caio, como se a casa dele fosse na esquina, e tomar um café com ele. Depois voltar.
Bem, eu nem sabia ao certo se Caio ainda tinha casa, já que morreu em 1996. E, se, tinha, onde ficava. Se em Santiago do Boqueirão ou em Porto Alegre ou em algum lugar do estrangeiro. Seja lá qual foi o sonho, trouxe a certeza de que eu poderia visitar Caio a hora que bem entendesse. E a hora era aquela. Segunda à tarde, parto de ônibus para a capital gaúcha.
Calma, eu tinha os meus contatos. Um deles, o taxista, escritor e colunista do Diário Gaúcho, Mauro Castro, autor de “Taxitramas – diário de um taxista”, e a psicóloga e escritora Andréa Beheregaray, autora de “TPM – crônicas de uma mulher”. Ela encabeça um projeto chamado “Salve a Casa do Caio Fernando Abreu”, que ganhou um blog: <salveacasadocaiofernandoabreu.blogspot.com>. Nele, Mauro é parceiro. A ideia era preservar o sobradinho em que Caio morou com os pais, onde também passou seus últimos dias, cuidando das rosas do jardim. Mas, a casa foi vendida, apesar do esforço de pessoas como Andréia e Mauro.
Vendida ou não, a casa estava lá, como no sonho. O sobradinho espanhol fica no Bairro Menino Deus. Depois de muitas outras passagens memoráveis em POA, encontrei Mauro no Menino Deus na terça-feira. O taxista-escritor estava de folga e me levou, sem cobrar nada, até a Oscar Bittencourt, número 12. Com a filha Bruna de 15 anos ao lado, Mauro e eu seguimos no Fiat Uno vermelho comentando sobre a súbita apreciação do grande público por Caio – que teve recentemente mais obras publicadas: Caio 3 D: O Essencial da Década de 70; Caio 3 D: O Essencial da Década de 80; e Caio 3 D: O Essencial da Década de 90, lançadas pela Editora Agir.
Mauro conheceu Caio, em fase terminal. O levava para fazer seus tratamentos, a pedido da família. Ele lembra que quando ainda era vivo, Caio não tinha esse reconhecimento de hoje. E, segundo Castro, “mesmo depois de morto”, o reconhecimento tardou a chegar. Mauro comenta que o mesmo aconteceu com Nelson Rodrigues. Ao ler a biografia de Ruy Castro – que ele diz não ser seu parente –, intitulada “Anjo Pornográfico”, constatou essa verdade. “Nelson era considerado como baixa literatura. Ninguém gostava dele. Achavam que ele era um velho depravado.”
Esse ano, em fevereiro, completou 15 anos da morte do escritor Caio Fernando Abreu. Mauro conta que, apesar de Caio ser homossexual, jamais levantou a bandeira gay. “Até porque ele ficava também com mulher”, revela Mauro. A filha Bruna complementa, dizendo que ele não queria apenas levantar uma determinada bandeira, ainda que dentro de sua obra, haja contos nitidamente homossexuais. Por esse motivo, a não-defesa, o escritor gaúcho nem sempre foi visto com bons olhos pelos gays. Quanto à AIDS, seu comportamento foi semelhante.
Impressões do sobrado espanhol
Coisa de fã. Não podia acreditar que estava em frente à casa das roseiras, já mortas, em que Caio viveu e morreu. Sem a presença do escritor, o sonho ficava meio sem sentido. Porém, aquela realidade era surreal para mim, embora privada de café e dele. Bruna fala que o portão que havia me encantado, estava na biografia de Carla Dip, “Para sempre teu, Caio F. – cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu”, lançado pela Editora Record em 2009.
Para outra morada
Antes mesmo de eu pedir, Mauro me leva para outra morada de Caio, dessa vez no Cemitério Ecumênico João XXIII. Lá, Caio está enterrado ao lado dos pais, que morreram logo depois do escritor. Nair Loureiro de Abreu, em 1997 e Zael Menezes Abreu, em 1999.
Em algum lugar da minha memória de sonho, havia essa outra certeza: que poderia visitar o jazigo do meu escritor preferido. E lá estávamos nós, diante de um túmulo comum, semelhante aos incontáveis que ali estão. Mas, para mim, aquele pequeno e simples espaço comum, era maior. Ele guarda uma vida que fez todo o sentido na minha.
Depois dessa experiência, descobri o literal significado de perseguir um sonho. E, do sonho, não queria mais voltar.
4 comentários:
Não é todo dia que descobrimos (e principalmente temos a oportunidade de visitar) a casa de Caio!
Certamente que depois de 'sabê-la' por você começa a nascer em mim (e em muita gente) o desejo de chegar até essa casa, que deve ter em cada pedacinho de suas paredes a presença desse ser loucamente incrível que foi - e é - Caio F.
Não sou capaz nem de imaginar o que vc deve ter sentido quando chegou lá...
Abs
Foi um prazer ajudá-la, Fabita minha cara. Acho que deves mesmo perseguir o teu sonho, de cabeça, até o fundo, é isso ai mesmo.
No que depender de nós (família Castro) estamos ai pra ajudar.
Há braços!!
Demais mesmo! Parabéns!
Demais mesmo! Parabéns
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