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quinta-feira, 3 de março de 2011

Uma história de cinema ideal

Aquele homem que acabava de chegar, fez muita história em Chapecó. Tanto, que não foi esquecido pelos homens do ponto de taxi numa manhã de março, em pleno século 21

Primeiro, coloco os pés no Hotel Ideal – hotel mais antigo em funcionamento de Chapecó. Numa das esquinas da Getúlio, o prédio está desde 1938 e foi o primeiro prédio de alvenaria da cidade. Mas foi na década de 1950 que o Hotel Ideal foi fundado. Lá, o funcionário diz que a pessoa indicada para dar entrevista é Angelo, porém ele não estava. Não contente em abortar a missão, atravesso a rua e converso com alguns senhores que estavam ao lado de um ponto de taxi. A cor dos cabelos me contava que eles sabiam de algo que eu não sabia: das coisas do passado.
Foi com eles que soube da existência de Vitorino Tomazelli, pai de Angelo. A pé, segui a rota indicada. A casa era aquela que guardava três pés de jabuticaba no jardim, ao lado do ponto de ônibus na Fernando. Fui recebida por Lenita, empregada da família, e por um dos netos de Vitorino – que havia saído para buscar os óculos novos. Na sala, antiga, encontro Nelcy, 84, casada com Vitorino há mais de 40 anos. “É preciso ter uma Lenita dentro de casa”, comenta Nelcy, senhora que sofre há anos com uma doença degenerativa.

A fórmula mágica do amor

Quando casaram, ela já tinha mais de 40 anos; e ele, mais de 50. Ele era viúvo e pai de oito filhos, seis moças e dois rapazes. “Aconteceu”, fala. “Quando você menos espera...” A mulher, que conheceu o esposo na antiga loja da família dele, Casa Guaspari, acredita que o amor existe. Pode estar escondidinho, em um canto, mas que existe, existe. Nessas quatro décadas de matrimônio, nunca brigaram. A fórmula mágica do amor? Amizade, consideração e respeito. Hoje em dia, pensa que a vida separa os casais. As mulheres querem independência e liberdade. Mas esse não foi o seu caso. “Sempre segui os meus princípios”, revela. Uma vida de muitas alegrias compartilhadas. Os filhos de Vitorino deram pelo menos 20 netos ao casal. E esses, três bisnetos. Muitos dos filhos estão nos estados de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais. Entre os momentos mais tristes da vida dos dois, a morte do filho mais velho.

O homem ideal

O papo se estendia na espera de Vitorino. Logo, o homem que agora enxerga melhor graças a uma cirurgia a laser, chega em casa. Chama a esposa de “amor” e dá um selinho. Aquele homem que acabava de chegar, fez muita história em Chapecó. Tanto, que não foi esquecido pelos homens do ponto de taxi numa manhã de março, em pleno século 21. Ele nasceu na cidade gaúcha de Barão de Cotegipe, em 27 de maio de 1918 – tendo então hoje 92 anos, quase 93. O problema de visão começou na infância, fato que prejudicou os estudos do menino – quase cego – que estudou somente até a 2ª série do Ensino Fundamental.
Em Chapecó, trabalhou na serraria do pai Aquiles, na Divisa Tomazelli. Mas isto é assunto para outra ocasião. Vitorino montou o primeiro cinema da cidade, o Cinema Ideal. Um cineminha, como afirma, uma casinha de madeira com 10 por 20, onde atualmente fica O Boticário. Seu Vitorino não é bom com datas, o que não é lá um problema tão grande, já que a história não se limita às datas. Conta que depois disso veio o Cine Ideal, na década de 1950, onde está localizada hoje a Leve, também na Getúlio. Não, a história de cinema não acaba por aqui: mais tarde veio ainda o Cine Astral, um grande cinema com 890 lugares, instalado onde fica O Boticário, no lugar do antigo Cinema Ideal.
O Cine Astral ganhou publicação em um jornal da época. Vitorino mostra uma matéria em folha de Xerox. Relembra que os cinemas criavam filas enormes, principalmente quando tinha filme do Teixeirinha, que demandava três sessões aos domingos. Uma emoção para Vitorino, que trabalhava com equipamentos modernos para a época, importados da Itália.
Nelcy fala que os pais deixavam as crianças na matinê porque sabiam que ali estariam bem. Ela trabalhava na bilheteria e no bombonieire. O cinema era a maior diversão da cidade. Isso, até chegar a televisão. Depois de algum tempo, os donos foram cansando de trabalhar com a Sétima Arte. Além desses empreendimentos, são proprietários, é claro, do Hotel Ideal, fundado nos anos 50. O hotel tem 28 quartos e 24 apartamentos e é administrado pelo filho Angelo, que tive o prazer de conhecer mais tarde.
Vitorino aprendeu uma coisa com o pai Aquiles: não fumar. Mas o fumo era o único defeito do pai, de acordo com ele. Houve um tempo em que Vitorino fumava escondido. O vício não o abandonava, principalmente quando andava pela estrada, na época em que era motorista de caminhão. Falando em estrada, lembra de um carro chamado Rubi, que adorava, assim como o Ford (Bigode) 1925.
Homem de negócios, cheio de empreendimentos que levaram a sua marca, Vitorino crê que é preciso ter vontade de progredir para seguir o seu caminho e também “ser honesto”, como complementa a esposa. E o princípio ideal? Segundo ele é o caráter. O caráter sem falhas é, para ele, um norte. Além disso, há um outro princípio que transparece nas suas atitudes carinhosas com a esposa. Qual será? “O amor. O amor não morre nunca”, lança o senhor que criou uma história digna de um longametragem oestino.

Um comentário:

Dima disse...

Show de bola essa história...Chapecó merece

José Glanert
Blumenau sc