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sábado, 26 de março de 2011

boneca vodu


“maldita literatura popular”, pensou suspirando. “maldita, maldita, maldita.” aquele título de obra sórdida havia ficado em sua cabeça quebrada em mil labirintos. “veronika decide morrer”. queria mais que veronika morresse, assim como as virgínias e as valquírias de todo o mundo. acordou com aquele título sórdido na cabeça. olhou os trejeitos daquele bairro familiar e aqueles sons de xícaras batendo em pratos mal lavados nas casas de luzes acesas e pensou: hora de morrer. segundo o “oráculo das horas”, havia hora para tudo. aquela, sem dúvida, era hora de morrer. descabelada, peitos brancos e pesados violentavam o decote profundo do vestido preto de festa. a festa que deixou de ir, pois estava enferma e odiava festas e não tinha o que comer nem com o que pagar a passagem. o café fraco caía sobre a cama manchada de cinzas, com largos furos de brasas em terror. escolheu ser escritora e as noites solitárias de sábado. ligou a sórdida tv e ouviu uma música popular dos anos 40. pegou seu cigarro e fez com ele círculos perfeitos no ar da noite. a moça se abrigava em um roupão vermelho-sangue e nos óculos de grau, que deveriam corrigir a miopia, herança genética da mãe louca, que permanecia no telefone dias e dias a fio. havia surtado, pudera. estava decidida a morrer. chutaria a vida como chutaria um cão inconveniente em seu caminho. estava árida aquela alma, empoeirada de matar mil homens em mil noites na estrada. se ligassem para ela e pedissem o que estava fazendo, sem cerimônias responderia: “estou morrendo e você?” se tornou uma serial killer do zodíaco, pronta para matar todos os virginianos da face da terra. sua paixão era somente a morte. no tarot, juntava os amantes ao arcano da morte na busca por um crime passional vodu. misteriosa como a lua, estava esperando aquele último suspiro há 27 anos. foi personagem principal de uma história barata, de literatura popular. pobre veronika. boneca vodu de si mesma. alfinetava-se enquanto pensava em clarisse e no amor morto em 1979, antes de nascer. lembrou-se de 1977, quando sentia aquele ar setentista nas ventas, em um metrô mais fétido do que a própria morte. caminhava sozinha pelo metrô, apaixonando-se brevemente até encontrar o amor perpétuo, morto dois anos depois. morto, gélido. seu terror trash e gótico e punk e junkie. nunca mais esqueceu aqueles azulejos pintados tal qual arte de pollock de vermelho espesso. a chaleira chiava e dava tons de realidade ao pesadelo. estava submersa no amor morto e não podia acordar. os sons do real apenas faziam eco no seu limo profundo. “hora de morrer”, poderia dizer o “oráculo das horas”.

mas ele nunca, nunca dizia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá minha querida!
Passando para lhe desejar um bom final de semana!
Beijos meus