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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Boca Maldita: Café, futebol & mulher

O lugar reúne gente famosa, influente. Antigos políticos, professores, jornalistas e até escritores têm no Boca espaço cativo

A história do Boca Maldita ou Café do Paludo, é uma história de várias bocas. Cheguei ao lendário café pouco depois das 9h de quinta-feira. “Aqui é o Boca Maldita?”, pergunto a um grupo de homens, que estavam sentados debaixo do toldo com a inscrição “Café Expresso”, na Getúlio, lendo jornal e botando as fofocas em dia. Edimar Ribeiro, aposentado, dono de uma empresa de transportes e turismo, é quem tira a minha dúvida. Ele diz que ali é o lugar certo para falar em futebol e mulher, enquanto se pode tomar um belo café expresso. “Café, futebol e mulher. Mas, mulher, deixa fora”, brinca.
Freqüentador assíduo há 20 anos do histórico café chapecoense, quando não está viajando, bate ponto no Boca Maldita, toda manhã. São 20 minutos diários dedicados ao cafezinho, entre às 8h e às 9h. “Eu gosto do Boca porque encontro com o pessoal. A maioria aqui é amiga. Jogamos conversa fora, lemos o jornal e, às vezes, sai alguma coisa interessante das conversas. Falamos de tudo um pouco. Faz bem para o dia-a-dia. Ando meio na folga, vou fazer o que?”
O café não é mais do Paludo, um dos donos mais conhecidos do estabelecimento. Agora, é de Amauri e Elisabete Espíndola. “Você fala com o povo e é: ‘eu vou lá no Café do Paludo’. Ainda é o Café do Paludo, do Alfredo Paludo.” Ribeiro afirma que Amauri, conhecido como “Havaiano”, pelo amor ao time catarinense, briga com os clientes por conta do time do coração. “Ele é havaiano doente”, comenta.
Pudera, o assunto que mais rola no balcão, bancos e banquetas do Boca é a Chapecoense, Grêmio e Internacional. “Aqui, é o lugar dos ‘expressadores’ de opiniões. Aqui, todos têm razão.” Quando o time de algum dos freqüentadores perde, aí é gozação generalizada, pegação no pé sem tamanho. Edimar fala que prefere escutar. “Eu mais escuto do que falo. Leio jornal. Porque não dá para se envolver em todas as discussões. Tem horas que você acaba discutindo. Todo mundo quer ter razão, todo mundo sabe, e aquele que fala demais é o que sabe menos.” Ele estranha a falta dos colorados naquela manhã. “Os colorados fugiram. Estou estranhando que não tem ninguém. Como o Inter perdeu ontem, os colorados não apareceram, porque é só pegação no pé.”

Figuras ilustres

O lugar reúne gente famosa, influente. Antigos políticos, professores, jornalistas e até escritores têm no Boca espaço cativo. Um dos freqüentadores assíduos é o personagem impagável, Katielly Lanzini, que se inspira nos papos do Boca para escrever o Diário Chapecó Urgente. Antigamente, o mendigo conhecidíssimo na cidade, “Tuté”, também freqüentava o café. O mendigo ganhou até coluna no Jornal Folha do Oeste.
Logo, o café recebe uma outra figura ilustre, famosa, formadora de opiniões: Nelson Badalotti. “Quer que eu fale sobre a sua pessoa?”, indaga. “Não, não. Muito obrigada. Eu já sei de mim.” Como se não bastasse, quer que eu conte alguma fofoca. “O que nós sabemos não interessa; queremos saber o que você sabe.” Parente do “cara do esporte”, infelizmente, como diz, Badalotti conta piada, no meio da entrevista.
Em frente a ele, Milton Lunardi, que não estava muito para papo com jornalista naquele dia. Mas, dá a dica: aponta uma placa, com informações valiosas sobre o lugar: “Boca Maldita de Chapecó. Reduto de formadores de opiniões aptos a discutirem assuntos de todos segmentos da sociedade moderna. Homenagem do proprietário Alfredo Paludo a todos os membros da academia dos imortais da Boca Maldita. Chapecó, Janeiro de 1997”. Além disso, mostra uma caricatura na parede do café. Uma obra de arte em couro, dotada de uma língua enorme, que não deixa incertezas sobre a fama assumida do café.
“Tu viu o que o Flamengo fez? Moeu a pau”, chega um novo cliente em estardalhaço. “Tudo bem, Nelson?” “Dia” para lá, “dia” para cá. Aperto de mão aqui, outro ali. “Vocês conhecem meu sobrinho? Polícia federal em Florianópolis. Ele é o ‘multador’ da estrada. Esse é o que pega a gente. É esse!”
Peço se as mulheres têm medo de passar por ali, medo de virar notícia. Para Nelson, o Boca é como um confessionário. O que rola debaixo do toldo, fica no toldo. “Aqui tem mais fama do que qualquer outra coisa. Os assuntos são seriíssimos. Embaixo desse toldinho aqui, o que a gente fala tem que morrer aqui dentro. Isso é norma.” Nisso, chega o escritor Silvério da Costa. Conversa vai, conversa vem, ganho um livro autografado do escritor que fez questão de fazer a foto da orelha da obra no Boca. O presente é “Trilhos Cruzados”, lançado em 2010, que marca os “20 e tantos anos de poesia” do “Portuga”, como é conhecido no lugar.

“Entrevista” com café

Ao lado da Livraria Cometa, também antiguíssima na cidade, e de uma banca de jornais, o Boca Maldita abriu por volta de 1976, segundo o primeiro proprietário, Honorino Antonio Gasparetto. Os proprietários atuais estavam bem inacessíveis. “Ah, essa vida de repórter. Tenho que ser humilde, insistente e conquistar as fontes todos os dias. Uma enxurrada de ‘nãos’. Nunca querem falar ou tirar fotos”, descontraio. Elisabete solta um sorriso, mas mesmo assim, não quer saber de entrevista formal. Estava muito ocupada e o esposo não se encontrava.
Faço o meu pedido. Café expresso, fraco, com leite e um pouco de canela. Já que me torno cliente, tenho mais chances com Elisabete que, depois de algumas tentativas, conta que veio de Palhoça, preservando o sotaque, e que trabalha no Boca Maldita há três anos. Uma mulher, no meio de tantos homens, no meio das línguas que são mais afiadas do que as de salão de beleza. Ela não fala nada, mas nem precisou. O próprio café fala por si.

6 comentários:

Jim Carbonera disse...

Bah isso me remete a diversos bares pelo mundo afora. E me passa um sentimento agradável, algo bom. O clima de cafeteria em si já é massa, e com tantos personagens ilustres, deixa ele mais interessante ainda.

E o protagonista descreve de forma jornalistica.

Show mesmo! :D

Ate fiquei com vontade de tomar um café por ai hahahaha

Bjs

http://www.estilodistinto.com/

fabita . disse...

eu sou a protagonista hehehe, jornalismo gonzo, saca?

Jim Carbonera disse...

Hunter Thompson! com certeza!! hahahaha

Herman G. Silvani disse...

putz! atrapalhado que só eu.. fiz cáca! comentei sobre esta postagem no post de cima.. agora vou falar do filme aqui.. muito bom! a exemplo da Ina, também é meu preferido da trilogia.. curto muito o Iñarritu.. estou esperando pra ver o novo 'biutiful'.. enfim..
ei Fabita, que tal um café no boca? hehe!
bejo bruxoleante!

katielly lanzini disse...

Parabenizando Fabita pelo excelente comentário da Boca Maldita de Chapecó, por ter incluído meu nome, gentilmente. E destacando a narrativa que tem tratamento jornalístico com curiosidade e linguagem literária. Adoro ler gente que sabe escrever.Abraço de Katielly Lanzini

fabita . disse...

Katielly!!

É uma honra ter você no Café, Cigarros & Desordem! Como soube da reportagem? E do blog?
Te admiro muito.
O maior personagem chapecoense vivo.
Uma lenda.
Um abraço
grande,
Fabita.