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quinta-feira, 31 de março de 2011

E a arte falou por si mesma

Apesar de abalada com o acidente sofrido pela amiga Miriam Postal, próximo a Ronda Alta (RS), quando percorria o trajeto Passo Fundo - Chapecó, a marchand Mirian Soprana conseguiu transformar aquela terça-feira




“Miroca, toca o evento. Faça acontecer”, foi a ordem da artista Miriam Postal, que estaria em Chapecó nessa terça-feira (29) para um bate-papo na Casa + Arte Galeria. E foi o que a marchand Mirian Soprana, a Miroca, fez. Apesar de abalada com o acidente sofrido pela amiga Miriam Postal, próximo a Ronda Alta (RS), quando percorria o trajeto Passo Fundo - Chapecó, a marchand conseguiu transformar aquela terça-feira.
Fez acontecer um bate-papo sobre a obra da artista plástica de Passo Fundo, que retrata a arte do cotidiano brasileiro, com formas simples e arredondadas. João e Maria, protagonistas de seu processo criativo, iniciado há 30 anos, guardam em si as cores típicas do Brasil, em cenas que mostram momentos de romance, de paquera e de todo o universo da emoção. Plástica que lida diretamente com o lado afetivo, a estrutura redundante, a áurea farta, cheia, é símbolo de proteção, para a marchand Mirian Soprana, que, em 24 anos de galeria, tem espaço garantido para a artista de Passo Fundo há 22 anos.
As obras, que estavam no carro de Miriam Postal, foram mandadas por um taxi, pelo esposo da artista. Ela passa bem, embora tenha fraturado a clavícula no acidente. Entre o bate-papo, um vídeo com um pouco da história de Miriam Postal foi mostrado ao público, composto basicamente por artistas, admiradores da arte e jornalistas. Além de quadros, Miriam Postal é conhecida por seus utilitários que repetem as cenas urbanas dos gordinhos que aconteceram, que o mundo fez acontecer, como explica a marchand.
Volume etéreo, linguagem universal da proteção, João e Maria são vendidos por Miriam Postal em qualquer destino, como Portugal e Suécia. De galeria em galeria, ela vende seu trabalho humanista, recheado de amor e paixão. Com o tempo, a padronagem das obras sofreu metamorfose. Os tons escuros se transformaram em tons claros, mas as formas generosas, por vezes sensuais, permanecem, assim como as cores vibrantes. Mas, entre os novos pulos de Miriam, estão as obras em preto e branco, com as quais começou a trabalhar recentemente.
Todas as obras mostram cenas que surgem da observação da artista, alguém que procura dar valor à humildade, presente nos tecidos populares, como a chita, ilustrada através das tintas, e nos chinelos de dedo, cansavelmente usados pelos personagens João e Maria. Naquela noite de terça, a artista ganhou presença pela voz de Miroca e, é claro, pela voz do público, mostrando que, muitas vezes, a arte fala por quem a admira e, principalmente, fala por si só.

Blog da Casa + Arte:
http://www.casamaisarte.com.br

domingo, 27 de março de 2011

sábado, 26 de março de 2011

diálogo terminal

ele: oi, o que você está fazendo?
ela: eu estou morrendo e você?

Oi! Tudo Bem?

Garotos Podres


- Oi, tudo bem?

- Tudo Bem...
...Fora o tédio que me consome,
todas as 24 horas do dia,
fora a decepção de ontem a decepção de hoje,
e a desesperança crônica no amanhã,
tenho vontade de chorar,
raiva de não poder,
quero gritar até ficar rouco,
quero gritar até ficar louco,
isso sem contar com a ânsia de vômito,
reação a tal pergunta idiota
...Fora tudo isso, tudo bem.

eu ou ela

ela: ou você dá aulas ou você trabalha no jornal.
eu, em pensamento: prefiro um tiro na cabeça.

eu digo não

ela: e então, você vai escrever a matéria sobre dietas malucas?
eu, em pensamento: não, prefiro virar puta.

conflitante

ela: eu não pedi para você escrever histórias; eu pedi para você escrever notícias.
eu, em pensamento: então, prefiro ser gari.

boneca vodu


“maldita literatura popular”, pensou suspirando. “maldita, maldita, maldita.” aquele título de obra sórdida havia ficado em sua cabeça quebrada em mil labirintos. “veronika decide morrer”. queria mais que veronika morresse, assim como as virgínias e as valquírias de todo o mundo. acordou com aquele título sórdido na cabeça. olhou os trejeitos daquele bairro familiar e aqueles sons de xícaras batendo em pratos mal lavados nas casas de luzes acesas e pensou: hora de morrer. segundo o “oráculo das horas”, havia hora para tudo. aquela, sem dúvida, era hora de morrer. descabelada, peitos brancos e pesados violentavam o decote profundo do vestido preto de festa. a festa que deixou de ir, pois estava enferma e odiava festas e não tinha o que comer nem com o que pagar a passagem. o café fraco caía sobre a cama manchada de cinzas, com largos furos de brasas em terror. escolheu ser escritora e as noites solitárias de sábado. ligou a sórdida tv e ouviu uma música popular dos anos 40. pegou seu cigarro e fez com ele círculos perfeitos no ar da noite. a moça se abrigava em um roupão vermelho-sangue e nos óculos de grau, que deveriam corrigir a miopia, herança genética da mãe louca, que permanecia no telefone dias e dias a fio. havia surtado, pudera. estava decidida a morrer. chutaria a vida como chutaria um cão inconveniente em seu caminho. estava árida aquela alma, empoeirada de matar mil homens em mil noites na estrada. se ligassem para ela e pedissem o que estava fazendo, sem cerimônias responderia: “estou morrendo e você?” se tornou uma serial killer do zodíaco, pronta para matar todos os virginianos da face da terra. sua paixão era somente a morte. no tarot, juntava os amantes ao arcano da morte na busca por um crime passional vodu. misteriosa como a lua, estava esperando aquele último suspiro há 27 anos. foi personagem principal de uma história barata, de literatura popular. pobre veronika. boneca vodu de si mesma. alfinetava-se enquanto pensava em clarisse e no amor morto em 1979, antes de nascer. lembrou-se de 1977, quando sentia aquele ar setentista nas ventas, em um metrô mais fétido do que a própria morte. caminhava sozinha pelo metrô, apaixonando-se brevemente até encontrar o amor perpétuo, morto dois anos depois. morto, gélido. seu terror trash e gótico e punk e junkie. nunca mais esqueceu aqueles azulejos pintados tal qual arte de pollock de vermelho espesso. a chaleira chiava e dava tons de realidade ao pesadelo. estava submersa no amor morto e não podia acordar. os sons do real apenas faziam eco no seu limo profundo. “hora de morrer”, poderia dizer o “oráculo das horas”.

mas ele nunca, nunca dizia.

Um e-mail cujo assunto ainda não surgiu

Eu imagino que atrás desse profissional que, com sorte, lerá esse e-mail, existe um ser humano que não pensa somente em dinheiro, em contratar um funcionário pronto, em parâmetros frios como "se encaixa no perfil" ou "não se encaixa no perfil", até porque isso só se descobre com o tempo. Partindo desse principio, sem apelar para o drama, meu nome é Fabiane De Carli Tedesco e eu amo cinema. Sou formada em Jornalismo, tenho paixão por Jornalismo Literário, estudei Cinema Digital, Filosofia à Maneira Clássica e a Filosofia das academias. Sou taróloga e escritora nas horas vagas.
Não sou uma pessoa pronta. Não nasci pronta. O que quero é uma chance de ser melhor. Mas não o melhor no sentido Capitalista. Melhor no sentido de poder me sentir mais em paz. Minha paz, que há de morar em mim, também encontrei em um lugar chamado Porto Alegre. Estive na capital gaúcha em três momentos: Fórum Social Mundial, em 2005, show da minha banda preferida, The Doors, em 2008, e, recentemente, no Carnaval, quando quis fugir da dita folia e conheci o sobradinho espanhol em que meu escritor favorito, Caio Fernando Abreu, viveu, inclusive nos seus últimos dias, quando se dedicou a cuidar das rosas do jardim. Além disso, conheci o jazigo dele. Tudo isso ao lado de um taxista, escritor e colunista do Diário Gaúcho, Mauro Castro.
Me apaixonei novamente por POA e é por isso que escrevo esse e-mail impessoal. Meu caro, procuro uma chance de sobreviver em Porto Alegre. Sou uma pessoa humilde, que não tem muitas ambições na vida, coisa que minha família jamais compreendeu. Eu quero uma chance de não morrer de fome em Porto Alegre, de ter um teto nessa cidade inspiradora, de ter um trabalho digno. Digo digno no sentido de não estar sujeita às pressões das redações. Eu não sou um produto. Sou uma pessoa sensível que não quer dedicar os seus dias à quantidade, presa ao relógio. Quero a paz para escrever nas horas vagas e um emprego decente. 
Como amo cinema, foi para aí que resolvi mandar esse desabafo. Pode excluir sem responder, pode me chamar de louca, me amaldiçoar, tomar as medidas cabíveis. Meu sonho, com ou sem a sua aprovação, continuará existindo. Poderia ganhar asas com a sua ajuda, mas se não ganhar, continuará existindo. Além desse, tenho outros também. Sim, moro longe, mas posso ir até aí, se tiver carta branca. Minha casa fica em um bairro familiar, repleto de cachorros e crianças, na Capital do Velho Oeste, Chapecó, Santa Catarina. Eu nasci em Xanxerê, lugar ainda mais escondido, porém, com uma energia magnífica.
Bem, muito obrigada se me leu até aqui. Se não, perdeu de conhecer uma pessoa bem, digamos, interessante.
Um abraço forte,
Fabita.

o encarcerado

tolo, acha que rege o tempo. o tempo é de chronos, não de meros bobos da corte. te vi pendurado, encarcerado, sendo encontrado por um telefone móvel. quase rezei e agradeci por ser livre, ainda que morta de fome e sem teto. fiz greve de fome e fumei luxus até a cabeça estourar. 10 de junho, prometeu. seu prazo final. humanos também têm prazo de validade, o meu expira em dois meses e meio. me asfixiei na tua fumaça tóxica, me senti feito um rato, morte lenta. se eu pudesse ver o futuro, no passado, me mataria antes de ver esse futuro presente. encontrei as oito maravilhas do mundo ontem. nenhuma delas tinha respostas. para que serve o talento? para enlouquecer, simplesmente. escute, não sou das tuas. observe eu mudar. nasci lagarto, em metamorfose, transformei-me em camaleão. não fico no mesmo lugar. se pudesse ver os antepassados do meu sangue, talvez visse os ciganos. tive um sonho erótico. quase vomitei. ainda dentro do sonho, saí por uma estrada chuvosa repleta de barro, em direção a uma rodoviária que se mantinha fechada na madrugada. de lá, fui parar em um hotel que não conhecia horário. dali te pintaria como o encarcerado dentro de um relógio em processo de derretimento. visão do inferno. visão. inferno. calam-se as bocas.

requiem para um sonho


quinta-feira, 24 de março de 2011

in cash


compromisso com a dor noturna


veja bem, eu querendo escrever por compromisso. compromisso eu só tenho com minha dor e meu sono e meu cansaço. não tenho compromisso com vocês. veja bem, eu já mudei. e o pior: me admiti. penso nesse velho corpo sendo comido pelos vermes e só sinto vontade de perambular e refletir, sentada, como buda, sorrindo para estranhos. a loucura me apossou, por tempo de uso. eu sou dela e ela é minha por uso capião. eu, eu só tenho compromisso com a minha dor e com os vermes do meu túmulo. eu, eu não comprei casa, não comprei fusca, não procriei, não fiz homem de refém. veja bem, eu não escolhi ninguém. velut luna não escolheu ninguém. ela vive na música e no latim que não sabe falar. velut luna lê tarot. fabita também. fabita vendeu suas linhas para comprar palavras como pão & circo. fabita foi e não voltou. na viagem que inventou, arrumou casa e trabalho. ela nunca mais voltou. veja bem, como um buda torto fuma o seu cigarro na noite seca. pretos são os bichanos, os vê pardos, da cor dos seus olhos, que leram demais ao anoitecer. ela mudou. não mora mais aqui. ninguém entende ela, ninguém a ama. quem dera fosse rimbaud ou baudelaire. quem dera fosse. mas não era. era um corpo comido por vermes, era um corpo bebido pela terra, embebido de musgo. um corpo no pântano, um homicídio culposo. ela não escreve mais para os jornais. ela desiste toda vez que o berro ecoa. ela não leva desaforos para casa. está velha demais para a filosofia, está velha demais para a academia. escreve listas todos os dias na sua mente insana. coração são, já foi uma vez. ela não vai mais voltar. ela nunca esteve aqui. ela não escreve mais. compromisso, apenas com os vermes. os vermes, que tem para dar de comer; são as únicas crias que dela saem. sempre pegou balas de estranhos para compor seus escritos. algumas delas, letais; algumas delas, alucinógenas, venenosas. disse que o nome da menina seria alice ou sofia. disse, mas não escreveu. aí está: alice ou sofia. bons nomes para vermes-fêmeas. ela não escolheu aquela vida regrada, ela não quis. compôs outra música bem no meio vago da madrugada. botou a vitrola para tocar e soltou os fantasmas do sótão. não pense em entender; não pense em desvendar; apenas deixe o cérebro roto acompanhar. se quiser, o embebede de gim ou rum. seu cérebro bárbaro vai navegar. e em cada porto, irá parar para vomitar uma rima gastro-intestinal. virulento é teu pobre coração. teu dedo é podre para amar. sarcástico é teu discurso que verte símbolos, signos, sinais. os trunfos já emergem do tarot. hora de dar aos vermes o que comer. segue a rima mais frígida para teu sonho embolorar.

velut luna.

quarta-feira, 16 de março de 2011

metamorfose.



















não sou meia dúzia de livros que só eu li, não. 
não sou meia dúzia de filmes que só eu vi, não.
não sou meia dúzia de músicas que só eu ouvi, não.
não sou a mesma o tempo todo, não.
sou do tipo que muda, do tipo que desiste
do que já passou, e está pronta para o que vier.
morro de medo, mas meu impulso me leva além.
tenho muito para aprender e conhecer.
não nasci pronta. preciso de planos,
mais do que preciso de sonhos.
sempre estive no mundo dos sonhos.
eu posso assustar, mas posso ser 
a criatura mais doce que você já viu.
eu sou o que sou. com todos os meus
dígitos, problemas, vícios & fúrias.
sondo a loucura, porque a loucura
me atrai mais do que a sanidade.
eu gosto do imperfeito, eu amo escrever,
eu me vendo para sobreviver.
mas vendo a minha verdade.
mas escrevo a minha verdade.
mas vivo a minha imperfeição.
se quer simetria, achou a pessoa errada.
se quer constância, idem.
se quer aventura & novidade, pode entrar.
se quiser estabilidade, me ajude a conquistar.
eu sigo regras, rituais, cronogramas.
sou exigente, sou enfática, sou da estrada.
entendo o quanto a vida é efêmera,
por isso escrevo, a minha e a tua história.
sou a responsável por registrar a vida,
esse pequeno espaço de luz no universo,
para quando a chama se apagar e partir.
deixo legados. deixo desafetos. deixo amores.
não me importo em me meter em confusão:
aprendo com tudo. tenho coragem até
de desistir; e de admitir que tenho 
covardia de sobra, já que sou humana 
e algo além. 

cuidado comigo: posso mudar a tua vida.
prazer, fabita.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Responda a pergunta, Noblat

Nessa semana, vou falar do livro “O que é ser jornalista – Memórias profissionais de Ricardo Noblat”, lançado pela Editora Record, em 2004. Faz parte de uma série que me pareceu um tanto bobinha, “O que é ser”, que inclui as profissões de arquiteto, astrônomo, dentista, diretor de cinema, fonoaudiólogo, maestro e médico. O comprei para o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), pois achava que ali encontraria respostas mais formais do que aquelas encontradas nos livros malucos que escolhi para fazer a dita monografia, cujo pano de fundo era o Jornalismo Gonzo. Julguei que precisava de uma resposta mais formal para que minha monografia fosse aceita. Tolice.
Bem, para a minha surpresa, o livro não era assim tão formal e bobo. E, Ricardo Noblat, que me parecia ser um daqueles jornalistas tradicionais, até que me impressionou. Cheio dos títulos, até que Noblat foi um sujeito interessante dentro da profissão. Reinventou o lead na redação do JB quando esteve no comando, incentivando os repórteres a contarem histórias, já que acreditava que as pessoas gostavam de ler histórias.
Ouvia até o indivíduo mais esquecido da empresa, em busca de opiniões. Joãozinhos da vida que Noblat fazia questão de prestar atenção, pois, se um Joãozinho entendesse uma reportagem de economia, qualquer leitor lá fora também entenderia. “Os repórteres de economia escreviam em ‘economês’. Joãzinho não entendia ‘economês’. Se lia jornal, tinha o direito de entender o que lia”, comenta em um trecho do capítulo “A síndrome de tia Zezinha”.
O moço era exigente. Queria distância de jornalista sem iniciativa. “Queria grudar no jornalista que tivesse olho para ver notícia onde os outros não viam, talento para escrever fora dos padrões convencionais, gosto para ir fundo numa investigação, vigor para jornadas diárias de 10 a 12 horas e desejo de reformar o mundo.” Exceto pelas jornadas diárias escravistas, ele me pareceu simpático. Hoje, no nosso contexto, Noblat seria um fora da lei.
Ser jornalista, para Noblat, é ser refém das leis universais que regem o Jornalismo. Leis desumanas, admite. Uma delas é que a glória de um repórter dura, no máximo, 24 horas, ao passo que o repórter se obriga a agarrar outro assunto assim que termina uma pauta. “Se não provar com regularidade que é capaz de continuar produzindo bons trabalhos, passará a ser objeto de críticas e se arriscará a perder o emprego.” Aos aspirantes e praticantes da arte das letras impressas, ouvidas e vistas, a pergunta: entre essas e outras leis universais e desumanas, você quer, mesmo, ser jornalista?

O longa picante de Baldini

“Bruna Surfistinha” já atingiu mais de 1 milhão de espectadores, em pouco mais de uma semana. Em Chapecó, ainda não tem previsão de chegar. Mas, em Porto Alegre, o tão esperado filme lota as salas de cinema


Nos cinemas de Chapecó, ele ainda não tem previsão de chegar. Mas, em Porto Alegre, o tão esperado “Bruna Surfistinha” já lota as salas de cinema. Estrelado por Deborah Secco, o filme mostra um lado menos banal da vida da celebridade instantânea, Raquel Pacheco, autora de “O Doce Veneno do Escorpião”, biografia escrita pela própria Raquel ou Bruna, lançada em 2005 pela Editora Panda Books.
A moça ficou conhecida como a prostituta mais famosa do Brasil, após escrever em um blog a sua rotina quente de trabalho. Filha da burguesia, hoje, aos 26 anos, já abandonou a profissão mais antiga do mundo. Sua vida ganhou as telas com o filme “Bruna Surfistinha”, que já atingiu mais de 1 milhão de espectadores, em pouco mais de uma semana em cartaz. Do diretor Marcus Baldini, o longa distribuído pela Imagem Filmes, é também hit da pirataria.
O longa reserva boas risadas, os altos e baixos de Bruna, seu envolvimento com drogas, a relação conturbada com a família e com os colegas de escola. “O Patinho Feio” em uma versão quentíssima, que mostra a fuga da menina, adotada, cansada de se sentir suja diante dos olhos da sociedade. Resolveu assumir seu lado promíscuo e ganhar a vida com isso.
Um filme de realidade social, com gancho jornalístico, que mostra um personagem contemporâneo com pitadas de arte. O universo da internet, tão conhecido por nós, e um universo nem tão conhecido pelas esposas ou ainda ignorado: o mundo dos maridos que procuram sexo pago, em forma de um refúgio, nas tardes em que deveriam estar no labor diário. Tudo isso, regado a altas doses de preconceito e erotismo, elementos que foram bem conduzidos pela protagonista Deborah Secco, ao lado de atores de renome, como Cássio Gabus Mendes – que no longa representa o primeiro homem com quem Bruna vai para cama como prostituta.
Com noites memoráveis no Love Story, casa noturna que fica no centro de São Paulo, barracos no salão de beleza, “Bruna Surfistinha” encanta e provoca sensações no escurinho do cinema. Um filme que não passa despercebido, não acaba sem provocar sensações intensas, seja de pena, euforia, tristeza ou curiosidade.
Bruna Surfistinha ou Raquel Pacheco, nascida em Sorocaba em 28 de outubro de 1984, mostra um lado nem tão rosa da liberação feminina, assim como da profissão de garota de programa, que muitas meninas caem por pura ilusão. Ainda hoje, alimenta um blog chamado “Não, não para”<naonaopara.virgula.uol.com.br/brunasurfistinha>, em que escreve como Bruna, e “RAQPAC” <www.raqpac.blogspot.com>, onde é apenas Raquel, em um cantinho virtual para chamar de seu.

O sonho perseguido ou nas moradas de vida & morte de Caio

Bem, eu nem sabia ao certo se Caio ainda tinha casa, já que morreu em 1996. E, se tinha, onde ficava. Se em Santiago do Boqueirão ou em Porto Alegre ou em algum lugar do estrangeiro...

Ao som de In The Ghetto, na voz de Elvis Presley

Por onde eu começo? Pelo sonho. Vou começar pelo sonho. Madrugada de domingo para segunda. Não lembro exatamente do sonho, mas na manhã de segunda-feira, com alguns trocados no bolso e algum tempo livre, tinha a certeza de que poderia ir visitar a casa de Caio Fernando Abreu – meu escritor preferido – como se fosse simples assim: ir à casa de Caio, como se a casa dele fosse na esquina, e tomar um café com ele. Depois voltar.
Bem, eu nem sabia ao certo se Caio ainda tinha casa, já que morreu em 1996. E, se, tinha, onde ficava. Se em Santiago do Boqueirão ou em Porto Alegre ou em algum lugar do estrangeiro. Seja lá qual foi o sonho, trouxe a certeza de que eu poderia visitar Caio a hora que bem entendesse. E a hora era aquela. Segunda à tarde, parto de ônibus para a capital gaúcha.
Calma, eu tinha os meus contatos. Um deles, o taxista, escritor e colunista do Diário Gaúcho, Mauro Castro, autor de “Taxitramas – diário de um taxista”, e a psicóloga e escritora Andréa Beheregaray, autora de “TPM – crônicas de uma mulher”. Ela encabeça um projeto chamado “Salve a Casa do Caio Fernando Abreu”, que ganhou um blog: <salveacasadocaiofernandoabreu.blogspot.com>. Nele, Mauro é parceiro. A ideia era preservar o sobradinho em que Caio morou com os pais, onde também passou seus últimos dias, cuidando das rosas do jardim. Mas, a casa foi vendida, apesar do esforço de pessoas como Andréia e Mauro.
Vendida ou não, a casa estava lá, como no sonho. O sobradinho espanhol fica no Bairro Menino Deus. Depois de muitas outras passagens memoráveis em POA, encontrei Mauro no Menino Deus na terça-feira. O taxista-escritor estava de folga e me levou, sem cobrar nada, até a Oscar Bittencourt, número 12. Com a filha Bruna de 15 anos ao lado, Mauro e eu seguimos no Fiat Uno vermelho comentando sobre a súbita apreciação do grande público por Caio – que teve recentemente mais obras publicadas: Caio 3 D: O Essencial da Década de 70; Caio 3 D: O Essencial da Década de 80; e Caio 3 D: O Essencial da Década de 90, lançadas pela Editora Agir.
Mauro conheceu Caio, em fase terminal. O levava para fazer seus tratamentos, a pedido da família. Ele lembra que quando ainda era vivo, Caio não tinha esse reconhecimento de hoje. E, segundo Castro, “mesmo depois de morto”, o reconhecimento tardou a chegar. Mauro comenta que o mesmo aconteceu com Nelson Rodrigues. Ao ler a biografia de Ruy Castro – que ele diz não ser seu parente –, intitulada “Anjo Pornográfico”, constatou essa verdade. “Nelson era considerado como baixa literatura. Ninguém gostava dele. Achavam que ele era um velho depravado.”
Esse ano, em fevereiro, completou 15 anos da morte do escritor Caio Fernando Abreu. Mauro conta que, apesar de Caio ser homossexual, jamais levantou a bandeira gay. “Até porque ele ficava também com mulher”, revela Mauro. A filha Bruna complementa, dizendo que ele não queria apenas levantar uma determinada bandeira, ainda que dentro de sua obra, haja contos nitidamente homossexuais. Por esse motivo, a não-defesa, o escritor gaúcho nem sempre foi visto com bons olhos pelos gays. Quanto à AIDS, seu comportamento foi semelhante.

Impressões do sobrado espanhol

Coisa de fã. Não podia acreditar que estava em frente à casa das roseiras, já mortas, em que Caio viveu e morreu. Sem a presença do escritor, o sonho ficava meio sem sentido. Porém, aquela realidade era surreal para mim, embora privada de café e dele. Bruna fala que o portão que havia me encantado, estava na biografia de Carla Dip, “Para sempre teu, Caio F. – cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu”, lançado pela Editora Record em 2009.

Para outra morada

Antes mesmo de eu pedir, Mauro me leva para outra morada de Caio, dessa vez no Cemitério Ecumênico João XXIII. Lá, Caio está enterrado ao lado dos pais, que morreram logo depois do escritor. Nair Loureiro de Abreu, em 1997 e Zael Menezes Abreu, em 1999.
Em algum lugar da minha memória de sonho, havia essa outra certeza: que poderia visitar o jazigo do meu escritor preferido. E lá estávamos nós, diante de um túmulo comum, semelhante aos incontáveis que ali estão. Mas, para mim, aquele pequeno e simples espaço comum, era maior. Ele guarda uma vida que fez todo o sentido na minha.
Depois dessa experiência, descobri o literal significado de perseguir um sonho. E, do sonho, não queria mais voltar.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Coragem!


"Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências: desistir, ainda que não pareça, 
foi meu grande gesto de coragem." (Caio Fernando Abreu)

domingo, 6 de março de 2011

diálogo ilusório

(entre escritora & leitor)

ele diz:
?!

ela diz:
conversamos com tempo
meu querido
correria
aqui

ele diz:
tudo bem, fica bem!
 
ela diz:
fico feliz
que queira minha humilde obra
e um autógrafo
um dia ainda vamos nos encontrar

ele diz:
não sou freqüentador assíduo do teu blog, pouco freqüento e leio, mas é o bastante para admirar.

ela diz:
sou só uma garota solitária que encontra na escrita um pouco de alento

ele diz:
fico feliz que tenhas lançado o livro, sei o quanto deve ter sido prazeroso pra você.

ela diz:
na verdade
ele está lançado
não do jeito que gostaria
mas está lá
para quem quiser
apreciar

ele diz:
apreciarei com prazer e feliz por ser uma obra de uma garota que conheço. distante. mas que sei o seu valor. torço sempre pela sua "calmaria", garota.
e como disse,  um dia vamos nos encontrar, fico feliz ao ver você escrever isto.

ela diz:
um dia terei minha calmaria
uma casa no campo, filhos, maridinho, horta & jardim. rede na varanda & som de violão ao entardecer. quem sabe nesse dia, a escrita me seja algo menos doloroso.

ele diz:
será sim.

ela diz:
por enquanto
sou andarilha
moro em hotéis baratos & pensões
de cidade em cidade
procurando paz no meio da solidão extrema

ele diz:
e cada segundo de paz é uma eternidade.

ela diz:
estou cansada, sabe?
sim, estou cansada daqueles que passam sem deixar vestígios. estou cansada das bocas nervosas, das mãos que não trazem flores roubadas, das histórias sem rastros de todas as noites. sim, eu ainda quero o sagrado, a grama verde, nem que ela tenha começo, meio e fim, mas quero vê-la nascer fosforescente debaixo da árvore dos nossos sonhos.

ele diz:
moça, eu só te vejo cansada. é sempre a impressão que tenho, queria ver/sentir essa impressão totalmente contrária

ela diz:
não há esperança de melhora
há anos
só a solidão
me invade
pessoas surgem

ele diz:
mas a esperança é que nos desgraça. desculpa a forma que falo, é que nunca gostei dela.

ela diz:
e me usam, se aproveitam de mim
como um fetiche
fica um vazio

ele diz:
tenha fé, apenas fé. sempre.

ela diz:
que jamais pode ser preenchido apenas por um corpo sem a alma do amor

ele diz:
tens que respirar outros ares e adormecer todo o passado que te cansa.

ela diz:
o meu amor, aquele que abandonei, casou com outra esses dias
me doeu
saber que ainda estou só

ele diz:
não és só nesse sentimento no mundo, se te conforta. mas... só "substituindo" tudo isso que ainda sente, é que irá amenizar essa dor de solidão de agora.
menina, calma sempre.

ela diz:
diga para as minhas noites vazias terem calma
e para as minhas manhãs
que despertam tão sós
terem calma
porque elas me atormentam
o amor que tenho aqui dentro me atormenta
me atormento ao saber
que entre as seis bilhões de pessoas do mundo
nenhuma está ao meu lado
com todo esse amor
e toda essa poesia

ele diz:
digo mais, digo para não sufocar-te todo esse sentimento.

ela diz:
não há ninguém em sintonia
e olha que tento
e tudo o que tenho é mais solidão

ele diz:
doa aqueles que necessitam, aqueles que nunca mais verás

ela diz:
são corpos que roçam e fluídos que são trocados

ele diz:
aqueles que precisam pois não tem de ninguém

ela diz:
para que no dia seguinte
eu não mereça
nenhuma palavra
mesmo que eu tenha dado os melhores orgasmos da vida de alguém
me sinto uma garota de programa às vezes
saciando vontades
sendo que as minhas
não são jamais saciadas
nem com todo o dinheiro
e o assédio do mundo

ele diz:
mas isso há de ter um fim. tudo isso ruim que atormenta você
não podemos é nos cansar
e desistir de sonhar
infelizmente parece que fomos feitos para a dor

ela diz:
eu, de experiências, habilidades, especialidades, no auge da minha intensidade, tenho corpos enroscados ao meu, como gatos carentes em uma noite, e ausências, recusas e silêncios no dia seguinte
meus amores não ganham sequer a aurora

ele diz:
feliz aquele que ganhará
e feliz te fará

ela diz:
eu queria ser aceita, amada, desejada
até ter os cabelos brancos
e rugas na cara
com qualquer corpo
peso, altura
queria ter a alma acarinhada
por alguém semelhante a mim
que me mostre que há amor, fidelidade
que não há somente violência no mundo
traição
e abandono
quem me ganhar terá um céu dos mais delirantes
mas poucos se aventuram

ele diz:
mas chegará, tenhas calma, paciência, fé.      
não há de ser assim para sempre

ela diz:
poucos são os que se aventuram
muitos são os medrosos
aqueles que se deixam levar pela sobrevivência orgânica e social
eu não vivo no meu corpo, na minha cidade, apenas
vivo no universo
minha alma preenche o universo
ela o ganha
a cada novo verso
logo, vou morrer
pelos meus vícios
talvez sem ganhar um tostão pelos
meus escritos
quando te pedirem de mim
diga que ela amou demais
e talvez nunca tenha sido amada
por isso morreu
pelos seus vícios

ele diz:
não será assim.

ela diz:
abarrotados da dor mais doída

ele diz:
não sem sentir todo o amor que mereces

ela diz:
eu fracassei
escolhi a liberdade
e me arrependi

ele diz:
não, não fracassou.

ela diz:
escolhi o amor do mundo
ao invés do amor de um homem apenas
me tornei promíscua
quero saciar os corpos com a minha boca
como se precisasse

ele diz:
mas a liberdade que escolhestes é necessária para o ser
não se torne o que leio você escrever aqui

ela diz:
ser útil, como se precisasse arrancar um pouco de vida desses corpos todos
e experimentá-la
com a língua
e depois engolir, como se pudesse gerar vida com essa rainha na barriga, tal qual zaratustra
se arrependeu
de me tirar da minha alcova
não é?
nunca toque em mim
ou posso
te desnortear
por toda uma vida

ele diz:
qual seria o norte de um desnorteado?! não tens como me desnortear.

ela diz:
te encherei a cabeça de dúvidas

ele diz:
quero que sintas amor por si.

ela diz:
e o corpo novo de desejos impraticáveis
desejará entrar em um mundo jamais pisado
e se perderá
quando perceberes
estará em uma obra de literatura de cabaret

ele diz:
conheço esse mundo

ela diz:
sendo vendido por poucos tostões na estante da livraria mais barata
ainda vou me matar, meu querido

ele diz:
não vais.

ela diz:
ideias fixas me atormentam
tenho que seguir rituais
para qualquer vil atividade
não vivo sem minhas correntes

ele diz:
não és tola a ponto de dar teu corpo à terra como um troféu, sem lutar até o fim.

ela diz:
nem mais respiro sem elas
meu corpo?
usado pelos trogloditas do mundo
ganhará a terra
e os vermes
mais cedo ou mais tarde
ganhará a terra
e o pó
antes mesmo de gerar
uma cria
digna de minha poesia
nenhum homem irá gerar uma cria no meu ventre
tenho 27 anos e todo o desespero do mundo

ele diz:
lembra de tudo isso que estas me falando hoje! vou te encontrar um dia, verás o quando se enganou

ela diz:
meu peso, minha assimetria, meu padrão renascentista, não ganhará moldura de arte

ele diz:
farei 24 esse mês e nada tenho, a  não ser o mesmo desespero
és arte

ela diz:
ganhará uma moldura de madeira barata, feita apenas de verniz
que será corroída
pelas bactérias
desse corpo gasto
adeus, meu amigo
se um dia puderes me amar
venha até mim
ou deixe eu ir até você
do contrário
não mexa na minha solidão
e na minha dor
não a toque

ele diz:
não tiro ninguém de uma solidão e abandono, pois a solidão volta

ela diz:
se não puderes substituí-la pelo amor mais puro

ele diz:
e ainda mais forte

ela diz:
se puderes amar uma alma
que sofreu desde que encarnou nesse corpo
me chame
do contrário
me deixe quieta
até definhar
de amor
solitário

ele diz:
nunca estarás sozinha

ela diz:
até gastar meus pulsos
com a escrita
e com o prazer solitário
mais sórdido

ele diz:
sempre estive aqui

ela . diz:
você é um bebê
eu sou uma senhora devassa
que te engolirá
na primeira oportunidade

ele diz:
para retribuir o que um dia fizestes por mim quando eu estava aos prantos

ela diz:
ainda acabarei em um cabaret

ele diz:
não apenas retribuir, quero fazer amar, que cada um sinta-se amado(a)

ela diz:
ouvindo a boemia dentro da carcaça
bebendo o vinho mais forte
para afogar a dor
abrindo-me para estranhos

ele diz:
como num jogo, eu desafiaria você, e falo desde já que não sairei derrotado, tão pouco você que me fala tudo isso agora

ela diz:
deitando nos colos imundos
dando de mamar aos órfãos de um puteiro
uma mulher como eu
merece a solidão
minhas madeixas e unhas vermelhas, me dizem que nasci para as paixões
meu corpo branco nasceu para a dor

ele diz:
para, chega!

ela diz:
minhas tatuagens contam histórias de um submundo podre

ele diz:
não és nada disso garota
e provo
na minha oportunidade que eu puder vê-la diante de meus olhos

ela diz:
eu sou os personagens que crio
prazer, lolita.
sou o que quiser

ele diz:
és uma perdida! mas não derrotada. diferencie.

ela diz:
vou me perfurar com lanças de aço até ver meu corpo em sangue

ele diz:
como queria vê-la nesse instante.

ela diz:
como a mulher mais linda da cidade
como cass
a mais linda e a mais perdida
vendendo o corpo por uns trocados
até cortar o pescoço
por um escritor de quinta
fui abandonada pelo meu pai. freud deve explicar meu apreço por velhos grotescos
e comprometidos
fui feita em um maverick, sabes?
nasci filha bastarda
gerada na saída de um enterro
em uma estrada de chão

ele diz:
quem é você?

ela diz:
está aí: meu desejo de aventura & morbidez
meu gosto pelo proibido
consegui a habilidade de levar um homem a loucura com apenas um beijo ou toque das mãos
deveria ganhar um prêmio
por isso?
isso não dá prêmios de literatura
lolita, lucy
ou quem quiser ser
o mesmo apreço por homens, se repete pelas mulheres
uma doença?
quem sabe

ele diz:
não.

ela diz:
bissexualidade
ou devassidão
está apavorado?
é só o começo
mas vou te poupar

ele diz:
prazer, talvez, por que não? é errado? proibido?! 
não me poupe se um dia eu vê-la diante de mim

ela diz:
jamais me lerá sem sentir alguma reação
queres comprar meu livro?
esteja pronto:
vais criar as fantasias mais loucas
e não as saciará
sem mim

ele diz:
tudo bem, se preciso, buscarei você onde estiver

ela diz:
não sou como a sua amiguinha
sou um vício fatal
não sou assexuada
não escondo meus desejos
em deus
não escondo minhas vontades

ele diz:
que deus guria, que deus?!

ele diz:
o deus
das meninas
puras
que são devassas
disfarçadas
engraçadinhas

ele diz:
a amiguinha?!

ela diz:
de nelson rodrigues
não admitem seu fogo
o escondem em deus
como se isso bastasse
olham o amor pelo buraco da fechadura
são personagens de reportagens policiais e nem sabem
estão ali
furacões latentes
atrás de prazer e morte
mas não se admitem
eu me admito

ele diz:
talvez, elas se admitam, sim.

ela diz:
no quarto escuro
debaixo dos cobertores
da moralidade
com suas mãos pelos corpos de falsas virgens
me compreende?

ele diz:
perfeitamente. talvez quem melhor te compreende nesse assunto em relação a elas

ele diz:
eu quero ver o sangue, sempre quis ver o sangue jorrar
não o quis guardar nas entranhas
desde a infância, o quis jorrando
e assim o fiz

ele diz:
mas não foi essa pessoa que conheci, parecia outra, onde esteve essa de hoje?

ela diz:
aos 15, me transformei em mulher
escondida
para poucos
escolhidos
mas você tocou
na minha dor
agora agüente
pode agüentar a verdade?

ele diz:
não agüento a mentira

ela diz:
então, estaremos bem

ele diz:
quem lhe disse?

ele diz:
meu corpo já lateja
preciso saciá-lo

ele diz:
mas avante, garota.

ela diz:
morra de medo
fuja
se esconda
faça o que quiser

ele diz:
não fuja, não morra.
não se esconda
avante

ela diz:
o que quer de mim agora?
o que quiser
pode pedir
estou só e aproveitando minha solidão
essa é a tua hora

ele diz:
sinceramente, só queria uma companhia, na qual a sua seria agradável demais para o que mereço para me acalmar

ele diz:
estou sendo dispensada?
posso ir?

ele diz:
nunca
serve um nunca?
para suas perguntas?

ela diz:
o que fará agora?

ele diz:
irei ao teu encontro.

ela diz:
ariano, regido por marte, o deus da guerra, o que fará?
pois venha
espero que se arrependa

ele diz:
não vai me querer diante de si

ela diz:
eu vou querer até a última gota
não falarei nenhuma palavra
traga o livro

ele diz:
então, terei que seguir teu silêncio

ela diz:
autografo com teus fluídos
e os meus
numa fusão
se tiver coragem nesse corpo, venha
se tiver ainda mais, volte
e se tiver toda a coragem do mundo
fique

ele diz:
já foge?

ela diz:
vou saciar esse corpo

ele diz:
fala do meu?

ela diz:
o meu
com as tuas lembranças
e o teu
a hora que quiseres
me fale
o que acontece
nele
nesse instante?

ele diz:
nada, não acontece nada. mas isso não me diz nada

ela diz:
e na tua mente
o que acontece?
nada?
então não cumpri meu dever como escritora

ele diz:
que se tiver de saciá-lo da forma que fala, saciará plenamente e então caberá a mim saciá-la de uma forma superior a que me ofereceu
mas você sempre cumpre seu dever, sim
tenhas certeza

ela diz:
meu dever só estará cumprido
quando ver corpos em ereção, tal qual bukowski
e mentes excitadas
tomadas por paixão
e corações disparados
enquanto isso não acontecer
serei medíocre

ele diz:
medíocre ?
com tudo isso que me fez passar nessa manhã de domingo?

ela diz:
medíocre.
o que te fiz passar, meu caro leitor?

ele diz:
fez perder-me ainda mais nessa realidade
querer sair
não acreditar

ela diz:
se te deixei com vontade de ler da primeira até a última linha, cumpri o meu dever

ele diz:
e ir... ir.  até o chão cair

ela diz:
vir até mim?

ele diz:
sim.

ela diz:
ótimo

ele diz:
e irei.

ela diz:
estou satisfeita
por hora
como escritora maldita e amadora
tenho parte do meu desejo saciado
é um trabalho árduo o da arte

ele diz:
hoje eu fui usado como uma puta de cabaret. mas você me saciou, obrigado.

ela diz:
um trabalho sexual
entre escritor e presa
obrigada
a arte é sexual
toda ela é

ele diz:
concordo plenamente

ela diz:
você foi minha presa da vez
nesse domingo, te comi com todas as forças
pode partir assustado
mas jamais indiferente
bebê
não sabe onde se meteu

ele diz:
quer isso garota?

fabita . diz:
aconselho a procurar por outras garotas mais amenas
amenidades aqui não existem

ele diz:
não me meti em nenhum lugar diferente de onde já me encontro
podes ter certeza

ela diz:
provocou conversa, se perdeu

ele diz:
me faz voltar aos 17 anos, onde passei a ser perdido em minha vida.
talvez eu não me deixe se perder mais.

ela diz:
deus do fogo, deus da guerra, me teve nessa manhã. escondemos o sol com a nossa noite.
minha noite em plutão

ele diz:
pensamos muitas vezes ser predadores, mas por ventura acabamos presa.

ela diz:
foi presa
fiz um homem de presa
quem disse que só eles podem
violentar?
violentei
mas com poesia
te invadi
eu sinto

ele diz:
se te deixo saciada, aceito-me dizer que fiquei perdido.

ela diz:
perdido?
explique

ele diz:
não é o que me diz? que não devo procurar conversa, pois irei me perder? como se ao te ler me sentiria usado, uma presa em agonias e assim ficaria do início ao fim, e assim permanecerei e em ti nada irá causar
então, se nada te causa, tudo isso que foi dito aqui. aceito tê-la somente saciada e nada  mais.

ela diz:
você é incrível
mas me causou
imensa vontade
de te fazer encontrado
filosófico?
nonsense?
ético?

ele diz:
agradeço, me fez sorrir.

ela diz:
escrita espontânea
nada jornalística
e sim literária

ele diz:
acredito.

ela diz:
venha me ver, guri
se assim quiser
e venha logo

ele diz:
sou um guri mesmo frente a ti, que tenho tanto carinho.

ela diz:
um bebê
se hospede em um hotel e me chame
não vou tratar de amenidades

ele diz:
pretendo ir com uns três amigos no final do ano, mochilar na argentina. pensei logo em ti, irei precisar de dicas, ajuda sua, garota.

ela diz:
só de intensidades
faremos do hotel quase um consultório das letras

ele diz:
daí, não perderei a oportunidade, seja no rs, em sc ou na argentina, irei ao teu encontro

ela diz:
mulher, me chame de mulher

ele diz:
é estranho, mulher... mulher.
falarei seu nome então.

ela diz:
“mulher?”. ele sempre me chamava de “mulher”. “é você, mulher?, ele perguntava ao telefone. “você pode, mulher?”, “mulher, você vai?”, “você quer, mulher?”. de modo que eu quisesse imaginar, como uma idiota, minuto a minuto, que só havia uma “mulher” no mundo, e que era eu. “mulher”... “mulher” para não cair no erro de trocar os nomes das amantes, para não se dar o trabalho de guardar a individualidade de cada uma, procurando enquadrá-las todas em um substantivo simples de gênero que conotasse à feminilidade própria da presa, feita simplesmente para amar.

inspirado em um trecho de “fim de caso”, de graham greene.

ele diz:
ahá, assim, acertei em cheio ao falar que te chamarei pelo nome.

ela diz:
bebê, és um grande homem
nunca te disse
nunca te dei a chance
mas o é
cortou a veia certa
e eu jorrei até o fim

ele diz:
tenho receio de ti, já estivemos bem próximos, mas também já estivemos muito distantes. é sempre inesperada a forma como irá me tratar.

ela diz:
depois de hoje
teu acesso será livre
bata e entre
ou entre sem bater

ele diz:
sei que não será sempre assim. mas entenderei.

ela diz:
não será
és sábio
mas se souber cativar o teu espaço
será

ele diz:
assim terei de viver te cativando, uma... duas... três... n vezes.
pois não me recordo, de mais de uma vez, que entrei sem bater a porta
e fui recebido

ela diz:
e não é isso o amor?
cativar dia após dia
para ganhar o mel prometido,
até que o mel seja destinado a um único ser?

ele diz:
mas por que fazer recomeçar sempre?
todas as vezes tive de ir do início para conseguir acesso a ti.

ela diz:
eu sei
sou difícil
me perdoe
agora vou

ele diz:
és fantástica

ela diz:
um beijo
onde escolher
um beijo de uma dama da noite que te espera

ele diz:
sim!

ela diz:
com o cálice em punho
vertendo fogo

ele diz:
que assim seja.