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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

não tenho mais idade para bancar deus

existe uma diferença básica entre eu e outros do meu tempo: o egocentrismo. me disseram semana passada, que o que me sobra em percepção, me falta em egocentrismo. me falta estima por mim. não saio por aí vomitando minhas verdades, esfregando elas nas caras que encontro. não as escancaro como se elas fossem as únicas. me falta a propensão para o embate. me falta a arrogância e a prepotência de outros do meu tempo. não olho para o outro, antes de olhar para mim, em uma espécie de egocentrismo invertido. minha seta está apontada para dentro. me falta a predisposição ao discurso. claro, nem sempre fui assim. costumava encher a boca de verdades e proliferá-las aos sete ventos. mas, sabe, nessas noites quentes e embebidas de chuva, no meu quarto com adoniran barbosa, cigarros e o ventilador agitando ideias, só o que vem de mim me interessa, no sentido de me conhecer, me descobrir, me desvendar. se precisar machucar, machuco a mim. coisa de escorpiana, quem sabe. sei que vejo meus feitos tortos contrapondo os retos e noto que quem deve ser alvo das setas, sou eu. percebo que é tão fácil apontar a seta sangrenta no alvo vizinho, tão fácil. rir com escárnio da cara alheia. por isso, faço o caminho contrário. me chamem de tola, mas vejo que todos nós, que nos colocamos nessa grande obra de arte da vida, tentamos fazer o melhor. não acho digno julgar o outro, como se eu fosse divindade encarnada. é claro que penso, falo sozinha ou desabafo os horrores que vejo, mas tento impedir que os horrores cheguem aos ouvidos de quem tenta, como eu, passar pelo mundo e deixar algo. não me digam que não há intento ao escrever, ao pintar, ao cantar. sempre há intento. estamos longe da reta ação. estamos todos incluídos em cidades doentes. até podemos tentar brincar de divindade, mas somos primitivos e buscamos, sim, algum reconhecimento. não tenho mais idade para bancar deus e quando cavalgo no vento de mim, olho para dentro o tempo todo. enquanto cavalgo e penso e escrevo sem pensar, meu destino é in. estou cravada no meu ritmo, tento acompanha-lo, faze-lo chegar ao ápice de tudo. quanto aos outros, dou a eles o que querem. se querem a minha morte, minha morte aparente eu dou. mas eu renasço, baby, renasço em mim a cada nova manhã. e só estou começando. ainda vou incomodar e muito, apenas por existir e respirar e cavalgar para dentro. não li mil livros, não sou historiadora, filósofa, psicóloga ou jornalista. sou um ser humano como qualquer outro, numa viagem louca sem roteiro. se incomodo, é uma pena. sou melhor como amante do que como combatente. dou a minha indiferença (sem) querer. tento encontrar uma compreensão que se eleva ao meio termo. não andar mais nos extremos, do amor e do ódio. o extremo é burro. ouço o chamado da vida, que é maior do que todos os métodos, do que todos os conceitos. um chamado que ouço e sigo só, para santo não entediar ou provocar ira. viajo sozinha porque a paisagem me enche os olhos e me cala. a vida é maior do que as palavras, do que a linguagem. desde pequena, duvidam que sou eu mesma quem escreve tais linhas. nunca tentei provar, apenas continuei escrevendo. mais do que as minhas palavras, é o meu silêncio. e o silêncio é sempre maior. e quanto mais escrevo e calo, mais machuco sem querer. por que? pergunte aos atiradores de seta o motivo do ódio e da desconfiança. estou vivendo a minha viagem há 27 anos, só dela eu sei. pergunte aos letrados, historiadores, filósofos, psicólogos, psicanalistas, jornalistas, escritores e poetas do meu tempo, o motivo de eu incomodar apenas por ser eu. uma criatura ignorante tateando o mundo com dedos em ferida viva, vestida de pele, tecido encarnado. pergunte a eles o motivo. aos sábios magoados, aos intelectuais, aos budas e cristos. por que alguém, que nem coragem tem para publicar um livro, pode ser tão temido e odiado? sem falar, já alvoroço as mentes. falando, então, deverei ser morta no primeiro verso. então, que seja. um brinde à minha perdição e morte. um brinde à mim, que fiz jazigo nas telas brancas da modernidade. o mundo todo pode pisotear o que sou, mas ainda assim serei eu. de mim, ninguém me tira.

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