Que parte da transição eu perdi? Aquela entre o sorriso fácil e a amargura de quem se acha dono das coisas (“essa caneta é minha, não toque”; “essa janela é minha, não abra”)? Sim, pois há de ter havido um momento crucial, a hora derradeira que transformou a alma infantil em uma alma de azedumes das noites de sábado.
É triste constatar as manias que se adquire com o passar dos anos e que elas vão ainda além da idéia de possessão ou aversão à luz: elas nos tornam distantes de quase todo tipo de espontaneidade (e de pessoas espontâneas, diga-se de passagem) já que a espontaneidade nossa já é uma espontaneidade neuroticamente calculada.
Envelheci rápido demais, viciei-me em palavras cruzadas fácil demais, desejo a minha poltrona com tesão demais. É a idade que chegou. Mas qual idade? 62? Não, apenas 26. O que estarei fazendo então quando estiver – definitivamente – na casa dos 60? Já ouvi falar que estarei escrevendo livros, mas até lá acho que estarei tão mais ranzinza, e, portanto, avessa ainda mais a espontaneidade e consequentemente a devaneios literários, sempre tão infantis, que não boto muita fé nisso, não. E que deprimente seria escrever livros tão sóbrios, de impulsos controlados metodicamente... (será que há Virgem no meu mapa astral?)
Mas que história é essa de 60? Até ontem pensava em morrer aos 27. Será que os ídolos da juventude não encontraram mais espaço entre as obrigações diárias, nessa vida operária, adquiridas tão sem querer? Quando se chega perto dos 27, é preciso escolher: morrer de uma vez, continuar na farra ou conviver com as paranóias e resquícios da vida que se levou até aí. No caso de pessoas com ídolos como os meus e, obviamente, com hábitos como os meus, paranóias e resquícios são constantes que tendem a esmagar o resto de vida que se tem aos quase 27.
É uma fase em que já não se tem mais tantas ilusões quanto às grandes transformações que incluem sempre sucesso imediato e pouco trabalho; é uma fase em que se nota que a partir daí alguma coisa vai mudar, mas que talvez não seja nada tão apoteótico, embora sempre reste uma esperança de estalos estreláticos e esforço nulo.
Deve haver pessoas nessa idade que pensam ainda em casamento, filhos, profissão bem sucedida e dinheiro (casa, carro, mestrado e blá, blá, blá). E se minhas manias de rock star não me deixarem pensar em nada disso, no que me resta pensar? Acho que deve haver um mundo inteiro para pensar. Devo fazer parte de uma geração paralela de tias(os), altamente satisfeitas(os) com seus filhos emprestados (sobrinhas e sobrinhos), com uma vontade (in)contida de rodar o mundo e ver no que vai dar.
E, o que vai dar, poderá ser apreciado pelo mundo quando os integrantes dessa geração paralela estiverem lá pela casa dos 60, já que gente como eu, que continua teimando em renunciar matrimônio e maternidade, deveria fazer algo mais útil do que beber no bar da esquina e lamentar ou relembrar os anos passados ou cortar os pulsos nas noites de sexta.
Quem sabe não surjam mesmo livros com enredos interessantes, ainda que amargos e neuróticos, novas composições musicais, filmes com argumentos e roteiros inesperados, um pouco de arte nos escombros? Mas que essa deixa não nos seja obrigação, pois sob pressão essa geração não faz nada além de merda. Ou não?
(Ao som do velho Cazuza em Burguesia)
Um comentário:
sabe fabita, o que me trouxe ao seu blog foi Clarice Lispector e acabei caindo aqui neste texto que lembrou-me o "absurdo camusiano" ou o "abismo baudelaireano" aquela sensação do "nada" e do "tudo".... acho que somos todos um pouco outsiders, párias num mundo cheio de possibilidades... mas experimentamos mais essa condição e falamos menos dela, sabe, o despojamento dos sentidos é mais facilmente experimentado, vivido, sorvido que falado ou traduzido.... desculpe, acabei num monólogo esquizofrênico ... resultado do seu texto... que gostei muito aliás... (só pra não restar dúvida)!
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