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domingo, 31 de agosto de 2008
história maldita
sequer pertenço a esse mundo. não compreendo vampirismos, parasitismos baratos & afins. não vivo de humores & apetites. sou presa fácil de mal-intencionados & já não importa o que eu pense ou o que você diga, teu ato grita forte, mais forte do que qualquer tom, seja de voz, de música ou de cor. já sei de cor o roteiro mal feito dessa novela cinza junkie-hippie-punk. que viva entre os animais então, ingênua senhorita, porque os seres humanos estão vendendo a alma por um naco de coisa-qualquer que reluza. seus olhos cintilam cifrões revoltosos, em seus pulmões, há a fumaça do penhor. trágica-comédia-romântica-provinciana que me toma os dias sem pedir, sem hora para acabar. trombadices & dizquemedisses em vão, tudo em vão, a crença dos tempos remotos, só serve agora de pano de fundo para o último ato, o capítulo final da maldita história que eu não escrevi.
sábado, 30 de agosto de 2008
sexta-feira, 29 de agosto de 2008
é dos cafajestes que elas gostam
a verdade é que vivera, desde muito nova, em um daqueles lares fajutos, famílias piratas & clandestinas. estivera só, desde sempre, pois todos aqueles a quem amava estavam mesmo imersos em seus egoísmos. amores breves de metrô eram mais relevantes para sua mãe do que a vida da própria filha. seus olhos ambiciosos cintilavam ao menor sinal de ouro dos relógios de pulso, ou do rubi dos anéis cafonas dos coroas viúvos – 30, 40 anos mais velhos do que ela –, dos lenços de tecido fino nas lapelas do terno azul-marinho ou do esverdear nada sutil das notas que pulavam da carteira de couro. o fato é que ela gostava mesmo é de jóias brilhantes, vestidos de festa de cetim com pedrarias indianas & toda a ostentação de bordel que pudesse carregar no corpo já enrugado. costume feminino herdado pela filha mais velha, uma compradora compulsiva de objetos inúteis, de perfumes franceses & sapatos de grife. esta, por sua vez, assim como a mãe mas ainda mais perversa, preferia sustentar o ego a qualquer custo, não importando a quem fosse matar ou deixar morrer. ela nascera para dar ordens lascivas a criados, para esbanjar narizes empinados de desprezo porco, para alargar as orelhas com brincos caríssimos. mas, tal como a mãe, não tivera competência o suficiente para suportar velhos gagás podres de ricos & babões & acabara por se envolver com aqueles tipos, meio amantes latinos, abrigando-os confortavelmente em seus braços & em seus bens, gigolôs de aluguel, deleitando-se maravilhada em meio a insultos & porradas, como belo exemplar da classe feminina que é...
terça-feira, 26 de agosto de 2008
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
minha vida, um filme (cover) do almodóvar
domingo, 24 de agosto de 2008
fragmento de henry miller
“semelhante a uma semente, que espalha pólen por toda parte – ou, digamos, um pouco de tolstói, uma cena de estábulo na qual o feto é desenterrado (...) é uma dessas febres também – les voies urinaires, café de la liberté, places de vosges, gravatas brilhantes no boulevard de montparnasse, banheiros escuros, porto sec, cigarros abdullah, sonata patética em adágio, amplificadores auditivos, sessões de anedotas, peitos castanho-avermelhados queimados, ligas pesadas, que horas são, faisões dourados recheados com castanhas, dedos de tafetá, crepúsculos vaporosos transformando-se em azinheiras, acromegalia, câncer & delírio, véus quentes, fichas de pôquer, tapetes de sangue & coxas macias.”
(henry miller em “trópico de câncer”)
Boletim de Ocorrência
Ela chega de passo e voz firme, não chorava e não se arrependeria. Na TV, um comercial sobre a dengue, epidemia nacional. Do lado de fora da tela, outra epidemia que não escolhe idade, classe social, etnia, muito menos hora ou local. Começou a contar a sua história à senhora que estava do outro lado da mesa, que ouvia a moça em meio às batidas velozes e pesadas no teclado do computador, vício provavelmente adquirido da máquina de escrever.
Dona Lurdes Ramos* registrava algo do tipo: Valquíria dos Santos, 22 anos, solteira, vítima de violência doméstica na tarde do dia 16 de agosto de 2008, pelo namorado, Cleiton Oliveira, 23 anos... Não que o rapaz houvesse se atrevido a machucar fisicamente a namorada, com a qual morava junto há dois anos, no porão da casa dos pais dela. A acusação era de violência psicológica o que, nas palavras de Valquíria, “dói mais do que um tapa na cara”.
Ainda assim possuía sangue nas unhas dos dedos das mãos, observei, fato que logo foi levantado por Dona Lurdes. “Ah, isso eu acho que foi na hora em que ele me empurrou contra o sofá e eu me defendi, qualquer animal se defenderia”, argumenta Valquíria, com uma naturalidade impressionante, complementando que arranhou o rosto do amado com as unhas longas e bem feitas.
Com as mesmas unhas, Valquíria apontava para o calendário: “Eu fiquei trancafiada dentro de casa das 13h30min do dia 12 de janeiro até às 18 horas do dia 12 de março, quando ele voltou da viagem que fez para o Mato Grosso. Não saí para nada e a minha sogra teve a coragem de dizer que eu estava batendo perna por aí. Ah, se eu saí foi para ver do tratamento da fimose dele, coisa que a mãezinha não resolveu quando ele era pequeno”, explicava enfática, ignorando o seu direito básico de ir e vir por alguma crença obscura imposta por familiares ou sabe-se lá quem.
Óbvio que ela deveria provocar ciúmes. Uma menina linda, cabelos pintados de vermelho, corpo bem delineado, assim como seus olhos verdes, pintados com o rímel pago pelos pais ou pelo quase esposo, como as roupas e tênis de marca e piercings, já que estava desempregada, uma vez que deixara o antigo emprego de secretária em uma frota de caminhões devido ao falatório que este poderia provocar. “Só de imaginar o que minha sogra falaria se soubesse do meu emprego, eu já me apavoro”, contava a moça, temerosa porque o serviço obrigava a manter contato direto com vários homens.
Independente do que a aparência dela poderia provocar, seus direitos são bem claros em leis como a da Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto do ano de 2006, mencionada por Dona Lurdes, que tentava explicar para a garota que existe vida fora de um relacionamento doentio, assim como existiu para a própria Maria da Penha Maia. Ela foi agredida pelo esposo durante seis anos que, por fim, conseguiu fim encerrá-la numa cadeira de rodas, mas que não pôde impedi-la de lutar pela instituição da Lei e ainda colocá-lo na prisão, em regime fechado.
Valquíria, mesmo sem saber ao certo da Lei, se apoiava nela, a mesma Lei que homenageia Maria (dando suporte a tantas outras Marias), e a utilizava para dar o chamado “sustinho” no namorado, intenção, segundo Dona Lurdes, corriqueira na delegacia de Xanxerê (SC). Se quisesse, Valquíria poderia mandar Cleiton para a cadeia, fazer com que ao menos pagasse cestas básicas ou oferecesse serviço comunitário. Mas não, um “sustinho” já lhe era suficiente, pelo menos por enquanto.
Quando penso que estava tudo encerrado (agressões psicológicas, calendários e seus confinamentos, Marias da Penha e sustinhos) vejo de relance um rapaz, mas não dou muita atenção. Me despeço e saio da delegacia. Lá fora, ninguém mais, ninguém menos que o pai de Cleiton, que desandou a falar sobre o caso de amor e ódio entre Valquíria e o seu filho.
Sua versão era a mais oposta possível. Dizia que a moça era “barra pesada”, que o seu filho não podia ir até a esquina que ela “armava o barraco”, que já tinha até ameaçado Cleiton com uma faca. “Puro ciúmes”, dispara o pai. “Ela tem ciúmes da sogra”, completa. Como se não bastasse, após cinco minutos de um monólogo desesperado do pai, aparece Cleiton para se juntar a nós. Rosto cortado, tom resignado, dizia que o melhor era deixar da moça porque, do jeito que ela reagia, logo ele não iria agüentar e seria capaz de bater nela, como ela costumava fazer com ele. Coisa, que se ele o fizesse, traçaria um destino mais do que certo: a cadeia, lugar em que homem que bate em mulher não é bem-vindo, diria Dona Lurdes.
* Foram usados pseudônimos pois as fontes não quiseram divulgar os nomes verdadeiros.
(Publicado no Folha Regional em 13, 14 e 15 de setembro de 2008)
sábado, 23 de agosto de 2008
para apavorar-te...
de todo o lado oposto da tua negligência
e onde houver silêncio pétreo
que nasçam gritos & sussurros de versos
pois quero quebrar o muro invisível
da tua boca & dos teus ouvidos!
quero transpor a pele de gelo
adentrar nos poros com línguas de fogo
porque da tua frieza
só resta-me a vontade de mostrar-te
que a vida é feita de lava
e que flameja em mim
se da tua indiferença gaia não brotar
o tal calor pulsante, o mesmo que vive aqui
prefiro então desfalecer num canto qualquer da morte
pois outro ser não vejo ao meu lado
vibrando na mesma imensidão de vênus
mas enquanto houver um risco torto de esperança
quero dedicar-me inteira aos teus dias
que eu instale cor por toda a parte
que eu promova explosões de arte
que eu te ame da sala até marte
sem pudor, sem temor & sem fim.
texto em construção
o excesso de conflitos internos tornou-me quieta com o passar dos anos. o que sobrevive, aos olhos dos outros, é uma caricatura de mim mesma que, como toda caricatura, é pobre de sentidos. de voz então semi-nula, perambulo trêmula & cambaleante por esse mundo, com quase vaga expressão, ouvindo & vendo tudo, aspirando motivos alheios, tateando na penumbra nociva, sentindo & pensando a vida como uma ferida aberta, prestes a dilacerar infame. toda coração? não, minha cabeça funciona melhor, já que antes das paixões humanas prefiro a morte súbita. apaixonar-se pelo mundo é morrer em gotas. mas agrido-te com o que sou & a paranóia toma-me os dias & eu já nem sei como ordenar cada palavra disforme que preenche-me os vãos. então já não sou & o que sou já não sou & o meu ângulo de dentro foca distorcido. e dou-me mil nomes & mil faces & parto para a próxima estação, pois em cada obra secular, em cada filme em preto & branco, em cada som incandescente em volume de perfurar tímpanos, um cinema novo se abre, inauguro a arte que é só minha, nos cartazes vaporosos de colagens da mente, que escorre lânguida & roubada, como a tinta rubra de um teatro fantasma & surreal, fechado para visitação.
camille, "a dama das camélias"
greta garbo: (febril, tratando de disfarçar sua fadiga) se fosse assim, só você estaria contra. por que é que você é tão infantil? devia voltar para o salão & dançar com uma
dessas moças bonitas. venha, vou acompanha-lo (estende-lhe a mão).
o jovem galã: sua mão está fervendo.
greta garbo: (irônica) por que não deixa cair uma lágrima para refrescá-la?
o jovem galã: eu não significo nada para você, não tenho nenhuma importância. mas você precisa de alguém que tome conta de você. eu mesmo... se você me amasse.
greta garbo: o excesso de champanha o tornou sentimental.
o jovem galã: não é por causa do champanha que tenho vindo aqui todos os dias, durante meses, para perguntar por sua saúde.
greta garbo: não, isso não foi culpa do champanha. queria mesmo tomar conta de mim? sempre, dia após dia?
o jovem galã: sempre, dia após dia.
greta garbo: mas por que é que você ia reparar numa mulher como eu? estou sempre nervosa ou doente... triste... ou alegre demais.
(de “a dama das camélias”, metro-goldwyn-mayer)