Eu estava sentada em meio a um belíssimo campo verde, que freqüento assiduamente há três anos e meio, vendo o sol ajeitar-se na penumbra de inverno tardio e pensando: “tenho que ir à redação deixar o meu texto 'direitinho'.” Na tarde anterior, eu havia escrito algumas linhas bastante honestas a respeito da minha visão esquerdista, ainda que o texto tenha passado por uma bela camada de censura.
De qualquer maneira, após mudar dezenas de inícios pseudo-triunfantes, havia definido uma versão final, devido ao cansaço... Sim porque matei-me no cansaço, já que foram dois dias de intensa perturbação jornalístico-literário-filosófica, à base de nicotina e cafeína & vice & versa. Após podá-lo como uma boa mãe faz com o filho, encaixá-lo em um molde o menos assustador possível, ir dormir e acordar, lembrei pela manhã que acabara o texto falando em morte, o que certamente incomodaria o professor de Comunicação Comparada II, da minha querida faculdade de Jornalismo.
Precisava refazer o tal texto, ainda que a morte seja realmente o que permeia a minha vida, apesar de todo o meu movimento ser direcionado a ela... precisava mesmo refazer o maldito texto. Afinal, minha fama já não andava boa. Imagino a caricatura que pintam de mim: depressiva, fogo-de-palha, estranha (lembrar que esta parte sofreu censura da metida a escritora – mas que bem poderia mandar artigos para a Marie Claire). Ainda que o tal professor que receberia o texto usasse camisetas com macacos e escritas em inglês que remetem aos Direitos Humanos, ainda que houvesse a possibilidade dele nem ao menos ler o texto, uma coisa era certa: estava tudo errado.
No entanto, ao deparar-me com aquela tela branquinha do computador – instrumento que vejo reluzir desde os meus 12 anos, época em que jamais imaginaria o que aquela caixinha, munida de Word e Paint Brush, poderia causar em minha vida social – começo a escrever mais um texto, deveras esquerdista de novo. Mesmo sentido-me “grande demais em uma casa pequena”, tal como Alice, a minha intuição me puxava para a esquerda, involuntariamente.
Sem textos "direitinhos", peço desculpa a ele caso o que gostaria fosse algo profundamente embasado (desculpe, baby!). E, para ficar menos feio, ou piorar de vez o meu entendimento com o professor, cito um Charles Bukowski, no meio do texto:
O autor Charles Bukowski, grande ícone, mas não associado à chamada Beat Generation, surgida na década de 1950, diz em sei livro “Numa Fria”, que todo o jovem poeta parece pensar que só precisa de uma máquina de escrever e algumas folhas de papel.
“Mas não tem formação, sentimento pelo ofício. Os selvagens tomaram conta do castelo. Não há carpintaria, cuidado, apenas uma exigência de ser aceito. E todos esses novos poetas parecem admirar-se uns aos outros. Isso me preocupa.”
(BUKOWSKI, Verão de 2006)
Não queria preocupá-lo, mas sim dividir com ele o meu sentimento: - Não se engane, olhe debaixo do verniz. Queria que ele soubesse que eu não queria acreditar, mas muitos daqueles que pensamos contar, fazem parte de um novo modismo, que ganha espaço até mesmo na novela das oito, no personagem de um jornalista tendencioso que mora em meio a uma biblioteca empoeirada. Teoria da conspiração? O mundo está realmente mudando? O que está acontecendo afinal?
A Revista Veja, desde o ano de 2002, é obrigada a falar de um presidente do Brasil esquerdista, ainda que meio moqueado entre as críticas e omissões. O Brasil tem um presidente esquerdista? Lula lá? Aquele da estrela vermelha que 1989 era ridicularizado pelos seus rivais e eleitores hoje mais fiéis? O que foi deixado de lado, já que Fernando Collor de Mello era bonito demais para as moçoilas deixarem de votar nele? Sim, é o mesmo. Nos EUA, Obama tenta o carguinho. Um negro. Neo-burguês, girondino, elitizado... mas ainda assim um negro. Ao lado dele, uma mulher. Loira, olhos claros, que não raro diz que o quer apoiar. O mundo está mudando. Mas por que? Teoria da conspiração II, poderia ter uma disciplina disso, afinal, muitas de nossas paranóias tornaram-se reais em pouquíssimo tempo, a exemplo da Guerra do Iraque ser criada por petróleo, sobre o Bin Laden e o Saddam Hussein – desaparecido da mídia desde o início da Guerra do Golfo em 1990 – serem somente um bode expiatório e sobre a China não ser um país que iria substituir a potência mundial Yankee, mas sim aliar-se a ele.
Acho que meu professor entenderá a minha posição, uma vez que enviou um vídeo no final de semana sobre a despreocupação norte-americana a respeito de seu modo de vida, que logo se extinguirá caso não adote um sistema de sustentabilidade (palavra inexistente do dicionário do Word). Com um estilo de vida precário, os EUA terão de buscar os recursos para mantê-lo em outros países, dizia a moça do vídeo. Mas e se não entender, o que pode fazer? Mandar-me para a diretoria, assinar o livro negro, em um modo beeem girondino de agir, que vai contra a própria instituição na qual trabalha? Acho que não, diria um autor mais sádico, no auge de seu abuso de poder.
Aqui muitos professores obrigam-se a ficar quietos e aceitar os desaforos de criaturas mimadas que, por pagarem uns 800 barões por mês, julgam-se futuros jornalistas, a lutar pelo diploma em praça pública. Oras, fui até convidada a fazer cartazes, mas neguei-me quando vi muitas pessoas lutando pela mesma causa e, por conta de alguma experiência em movimentos sociais, notei que esta não era uma boa causa, que haviam terceiras intenções por trás dela, com certeza dinheiro e poder. Saí caricaturamente da sala de aula, doando o meu cargo de panfleteira à outra pessoa.
Não tinha muito bem certeza da minha decisão, mas eis que chego em casa e como boa nerd ligo o computador e o MSN no offline. Vejo, ao lado do nome de uma colega já formada, uma frase toda estroncha a respeito da obrigatoriedade do diploma, algo como “na luta do diploma de jornalismo” ou coisa assim. Quem luta, luta por/pelo. Se é diploma, é de jornalista, segundo o revisor de um jornal do Velho Oeste que não quer se identificar.
Como eu poderia apoiar a formação de pessoas que mal sabem fazer uso das letras? Não teria tanta cara-de-pau. Se cheguei ao 8º período foi um tanto amarrada, pois ingressei na universidade sem saber ao certo o que estava fazendo. Minha família e o colégio diziam que este era o lugar para onde iríamos e nós seguimos como belas ovelhas que somos. Não era um sonho meu.
Uma estrutura toda está montada, o antigo hospital psiquiátrico, estudado pela historiadora Deise Cristina Fossá em seu TCC e revivido pela então jornalista Ana Paula Eckert, precisava de pacientes. No final da década de 1990, quando o Curso de Jornalismo foi montado, atendia a uma demanda específica: tratava-se de diplomar tiozões e tiazonas que estavam imersos há anos na chamada Imprensa Cor-de-Rosa, ou Jornalismo Policial e Jornalismo Esportivo. Hoje, a demanda é outra e o curso até adapta-se às exigências de “mercado”: um bando de jovenzinhos consumidores de All Stars e viciados lixo de Bob’s, na falta de um McDonald’s, que assistem embasbacados no máximo a filmes como Shrek e Tropa de Elite no Mercocentro, mas se dizem “loucos”, ainda mais depois de verem Laranja Mecânica e O Fabuloso Destino de Amelie Poulain na faculdade.
Diante desde breve recorte dos meus pensamentos, acho que sinto-me capaz de dizer-te que devo sim ser da esquerda, mas da minha. Sinto que estou sozinha, apesar de nadar em um mar de semelhantes. Sinto também que muitos sentem-se como eu no seu íntimo e quem sabe pertençamos a um mesmo mundo individualista, que esqueceu-se de como era bom sonhar que voava na infância. Nos escondemos em salas de computadores, tememos relacionamentos reais e nos dizemos livres. Quem sabe não sejamos nós, direitões convictos, abduzidos por síndromes de pânico e egoístas demais para andar na contra-mão.
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