Pesquisar este blog

sexta-feira, 5 de março de 2010

Tremores numéricos




Números. Como acontece em todas as situações de catástrofe e morte, a imprensa divulga números. Número de cidades atingidas, número de graus de magnitude, número de dinheiro investido, número de mortos. Número de vidas perdidas. É o que está sendo divulgado recentemente com os terremotos ocorridos no Chile, Peru e parte da Argentina.
A vida, essa presença misteriosa que habita todos nós. Nós, que somos muito mais do que números, que somos seres subjetivos, contraditórios, ricos em detalhes genéticos, habituais, filosóficos... nesta hora de abalo somos mesmo números. Portadores de RG, CPF e o escambau. Somos nome, sobrenome e idade. Somos um a mais ou um a menos.
E os números aumentam, as vidas perdidas, encaixadas rapidamente em gavetas numéricas. Mas é lógico que a imprensa precisa divulgar os números; é claro que a imprensa é subsidiada por dados. Mas a imprensa também pode olhar nos olhos fundos de quem perdeu família, casa e identidade, desolado no meio dos escombros, e desvendar o sentimento, e sem sensacionalismo.
É só regular o macro das pupilas, desfocar os fundos numéricos e direcionar para a imagem do desolado, daquele que já não sabe mais para onde ir, o que fazer, o que sentir. Deixar a mente gravar o essencial e a lente ler aquelas perguntas direcionadas ao Deus da Fúria, os porquês sem resposta, desencontrados por entre a tralha toda, de roupas em trapos, dos móveis em frangalhos, dos sonhos idos e das lembranças impregnadas.
Como pessoas que somos, como cidadãos do mundo, podemos reconhecer irmãos em qualquer nação, em qualquer idioma, em qualquer território ou fronteira, mesmo que de longe. Filhos do mesmo Deus, da Fúria e do Alento, temos o poder de nos despedir da matemática da dor e abrir espaço para o lado humano, o centro nervoso da vida, que se aproxima, que sente, que compadece e que transmite isso com verdade, acima de tudo.

Nenhum comentário: