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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

a crônica dos nossos dias (poema em prosa)

Ah, não queres me ver partir. teu desejo é tão óbvio, tão pleno. e perigoso. perigoso porque faço planos, sabes? planos pra mim, pra ti, pra nós. cantarei teu desejo, com beethoven insistente ao fundo, repetindo e repetindo seu viés de sons. cantarei como cantaria hilda hilst, em sua casa do sol. cantarei como cantam as fogueiras nas noites da montanha, cantarei como cantavam as magas, os profetas, os deuses e você. que minha água transforme-se em vinho, que a ausência se torne presença, que meu corpo seja consumido por esse desejo velado, que tu sejas, que eu seja. e o desejo fez-se boca e a solidão fez-se vida e tu tornou-se eu e eu tornei-me o que tu és, na crônica dos nossos dias. te vi. rosa era a minha estada. te vi, enquanto ensinava os teus. te vi, simplesmente por te ver. te ouvir. no vão das horas que não são minhas, nas horas que são de outras, nas horas em que tu estavas lá, junto dos teus. te vi. o que dizem os olhos castanhos enquanto se espremem entre os cílios das portas da tua alma? me inspira. escrevo pra ti. te observo. parto e te levo, te vejo nascer de minhas entranhas, de novo. te crio e recrio. e falo, falo, falo. te ponho entre minhas paredes. agora és meu. o corpo frio já se aquece, a respiração é ofegante, os poros expelem o orvalho doce em gotas de calor. deixe-me te ter nos meus planos. deixe nascer as velhasmudas. o colchão será nossa casa, teu abraço minha morada, tu, meu café e jantar. vejo cores e sons e odores. vejo os dias que se foram. acordo de madrugada. te chamo. ouves? é claro que não. procuro a tua voz nos bares, te tateio nas dobras das portas, nos buracos das fechaduras, como nelson rodrigues, espião das moças e dos homicídios, nas páginas policiais dos jornais diários. e tu és o fulano que não se abala. és altivo, em tua casa bem montada. tens o que precisa, dentro e fora. sequer me ouve. sequer me lê. sequer me vê. e por que deverias? teus livros e teorias, as pernas e as donas, o cachorro que te lambe, o amigo que te visita, o ordenado que te mantém. ah, por que deverias? mas já te vi enrubecer. sim, abrasado em rumores de um desejo que tornou-se vontade, ato e destino. da minha semiótica, fez-se o convés. mas disso não te lembras enquanto passa. mas disso faz questão de esquecer quando lhe convém. espero pelo beijo, ele não vem. espero por ti, menos ainda. ai de quem expor tua vida de aparências, tua fama de bom moço, de genro dedicado. transeunte de uma vida de bocejos, desperte. se teus paradigmas produzem sentido, produza sentido em mim. vês, teu discurso não convence. tuas frases fei(t)as, tuas propostas indecentes. vês, experimento as paixões e o ódio, a raiva de me ver mune aos teus delírios. vês, teu silêncio me perturba, me subestima. vês... minha boca tenta me convencer do contrário daquilo que minha alma já tem como sabido, que eu te amo e que já é tarde demais para procurar verbos e predicados avessos ao deleite que tu és, sujeito da crônica dos meus, dos nossos dias. e o que diriam as cartomantes? és meu cavaleiro de paus, espadas ou de ouros? ah, mas tua figura não é pano para boleros, não é tema para prosas tristes. tu não és carne de divã, como eu. teu palco é outro e lá é aplaudido em tempos reais, tua platéia até comparece. e não é só porque te vi que tenho o direito de tê-lo. disparate! esqueçamos os planos, nos detemos aos fatos: meu teatro vivo faliu e o palhaço desiludido volta para a alcova, sem cavaleiro, palco, platéia ou amor. e a maquiagem barata escorre, pela desconjugação dos nossos mundos, dos nossos tempos desencontrados. estou no reduto dos falidos. pra onde foi o meu juízo? foi beber com os rapazes lá no bar. quem sabe o conhaque disfarce o teu cheiro que ficou em mim. aquele, com um quê louco de esperança, que meus códigos identificaram logo de cara:


meu eu lírico quer envelhecer contigo.

2 comentários:

Rounds disse...

é por esse post, entre outros, que o on the rocks bate ponto aqui.

bj

Unknown disse...

admiro-te e a cada dia mais e mais..