Pesquisar este blog

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

fragmento ao som de gonçalves

nascera para ser amante. tinha todo o jeito, as formas e o perfume. ah, o perfume... amadeirado, doce & vermelho. rosa densa da noite. o nome, o formato do rosto forte e definido, a indecência casta de quem ama e sabe amar. ele, barba macia roçando tola no pescoço da amada, da amante ou seria namorada? de odor boêmio, vivo e sem cerimônias, entrava no sobrado alternativo, na parte antiga da velha porto alegre. presente na mão, olhos vivos do amor pagão, invadia o sobrado pela janela e a invadia toda. vinho no sangue, no gosto da boca de rua. atraído pelo cheiro da vida dupla, inundado pelo incenso barato, os tons rubros dos lençóis, tapetes e paredes, era mais um arabesco louco no ar, querendo entrar pelos vãos dos lábios dela. sensitiva, mística e sábia moça, tinha dele o que queria, extraia do amante o doce dos dias. ou não tão doces. o sobrado já abrigara as mais épicas das brigas, cravo & a rosa, despedaçando-se sem cuidado, o que obrigava o homem a passar algumas de suas noites no boteco, reclamando amargo com os garçons da baixada, para depois embalar ébrias serenatas debaixo da escada do paraíso, enquanto mademoiselle marchand preferia os braços calmos de morfeu aos do nocivo noivo, que delirava ao menor toque da boca dela, que quase se perdia em gozo com um único e despretensioso beijo. ameaçava se matar caso ela não abrisse as persianas e as pernas e a boca e a vida toda para ele. insistente, passional, poético. tangos, tragédias, fulgurantes noites no relento. os amigos chamava, escarcéu na madrugada gaúcha, amor em tempos de bolero. e mademoiselle consultava as cartomantes, se rendia a mandingas e simpatias, hora para ele voltar, hora para esquecê-lo. amor kármico dos deuses, manjar dos noivos de um hades profano. e eu, vouyer dos pecados humanos, me delicio de canto através do vidro enorme da sala da frente. lembro-me de nelson rodrigues e ouço gonçalves, pano de fundo para a noite mais cálida dos trópicos. verão nos ares sulinos, tão latinos. meus olhos são espectadores do festival obsceno das paixões mal-resolvidas, palco de ilusões e teatros sanguinários da vida privada, fotografo os melhores momentos na retina.

Nenhum comentário: