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domingo, 30 de novembro de 2008

As Aventuras de Diabo Loiro no Velho Oeste



Atração de circo porra nenhuma. Isso é só mais uma das estórias que o povo dessa cidade inventa. Osmar Sebenello, o Diabo Loiro xanxerense, ganhou este apelido por conta de ser parecido com um antigo lutador de vale-tudo.

A primeira vez que tentei conversar com ele, Osmar Sebenello não estava em sua caminhonete, onde mora, estacionada no mais famoso posto de gasolina da cidade, mas sim internado no hospital em coma alcoólico, devido às doses extras de sua mais fiel companheira, a maldita cachaça. Muitas tentativas vieram depois, porém, só encontrava mesmo os chapas nos arredores do posto, no boulevard, que não tinham notícias de Diabo Loiro, assim como os frentistas e demais funcionários do local, que concordavam em uma coisa: ia ser difícil o cara sair vivo dessa.
Mas eis que no dia das eleições municipais o encontro pela manhã, limpando a cagada feita pela burguesia interiorana na tarde anterior, em uma carreata homérica, regada a vales-gasolina que motivaram fiscais da Polícia Federal a fechar, por alguns dias, o tal posto – point de encontro grotesco dos filhinhos de papai e mamãe, que enchem a pança com long necks nos domingos à noite, ouvindo os seus tunti-tuntis, pancadões e as mais bizarras composições de um novo estilo chamado sertanejo universitário.
Como naquele dia eu não poderia entrevista-lo, já que me encarreguei de acompanhar um dos candidatos à majoritária, por sinal o vencedor, tive que contar com a sorte. Depois disso, tentei encontrar Sebenello novamente, mas o destino não quis assim. Até que, quando não estava procurando, dei de cara com El Diablo Rubio, a caminho da Fruteira Vida Nova, vulgo Bar do Alemão, uma bodega localizada na Rua Independência. Ele disse que não poderia dar entrevista naquela hora, pois não estava com os trajes adequados, então marcamos de nos encontrar “em sua casa” dali há dois dias. Ganho um belo bolo. Como não encontro Osmar no posto de gasolina, resolvo então procura-lo no bar.

Na Fruteira Vida Nova


Minha chegada foi como uma cena de filme pobre. Com mambos & merengues ao fundo, vindos da antiga televisão a cores, botei o pé na bendita bodega. Fazia um calor dos infernos, eu não conhecia ninguém e, sem demoras, lancei o meu olhar suado em direção à fonte arredia que, de pernas cruzadas, bebia um cálice da branquinha. A essas alturas, os donos do bar e os fregueses, antes falantes, estavam mudos, tentando entender o que aquela moça fazia por lá. Além da dona, eu era o único exemplar da classe feminina no bar, e como a ela, também estava a trabalho.
Diabo Loiro tremia. Não queria falar nada depois da frase fatídica: “agora não posso, tô aqui conversando com o meu amigo”. Depois de poucos segundos, percebo que dali o homem não sairia, então me pus a sentar ao lado dele e a pedir uma cerveja. Só assim Diabo Loiro começou a parar de tremer e cortar o ar com a fala semi-embargada. Observo que ele amassa uma embalagem do cigarro que acabou e então ofereço um dos meus mentolados de dentro da caixa metálica. “Frescura”, ele deve ter pensado, “mas que seja”.
Não é de hoje que Sebenello é assediado a dar entrevistas e isso ele já deixou claro desde o início. Citou até alguns nomes de jornalistas que tentaram a façanha, sem sucesso. Mas o que eles não sabiam é que o cara não fala sem a cachaça por perto, coisa que fui saber pela boca de um amigo. Compreendi que com o gravador o homem travaria, então contei com a minha memória, não tão boa como antes da universidade. Tinha milhares de perguntas, mas não poderia metralhá-lo sem antes apresentar-lhe nuances da minha árvore genealógica, costume entre os viventes desses recantos, e sem falar de minhas tragédias pessoais. Assim, ele retribuiu:

O Diabo Loiro

Nascido em Encantado (RS), Osmar Sebenello, aos 62 anos, veio para Xanxerê na década de 1950, indo morar no interior do município, na localidade de Barro Preto. Aqui, ele viu de tudo, e sua cabeça é um grisalho baú de histórias, cheio de personagens inusitados que habitavam essas paragens em décadas anteriores. Entre eles o lendário jagunço, Raul Teixeira, “o Robin Hood do Velho Oeste”, seu ex-vizinho.

Raul Teixeira foi um jagunço muito conhecido na década de 1950. Dizem que ele roubava dos ricos para dar aos pobres, mas que a sua bondade não ia muito longe. Armado até os dentes, “o Robin Hood do Velho Oeste” era tinhoso: caso entrasse em algum lugar e não fosse atendido como queria, em um armazém, por exemplo, sacava uma arma da cinta e mandava bala. Como precisava viver fugindo, Raul não raro dormia em tumbas vazias do antigo cemitério onde fica hoje a Escola de Educação Básica Aparício Júlio Farrapo, local em que comumente os alunos dizem encontrar ossos perdidos pelos pátios. Teixeira foi fuzilado em frente ao Bar do Japa, próximo à Casa Portuguesa, um dos primeiros prédios da cidade, construído em 1954.

O apelido de “Diabo Loiro” ganhou por conta de ser parecido com um antigo lutador de vale-tudo das décadas de 1950 e 1960, Euclides Pereira – o verdadeiro Diabo Loiro. Época boa que ele lembra com saudades, quando havia ainda o Cine Luz, cinema que foi inundado no ano de 1983. Lá, filmes italianos, como “Dio Come Ti Amo”, com Gigliola Cinquetti e vários de Elvis Presley, como “Seresteiro de Acapulco”, animavam as sessões do fim de semana. Sem contar os Westerns, que arrancavam sapateadas sincronizadas dos mocinhos e mocinhas para imitar a cavalgada dos cavalos, ou ainda os pornôs-chancadas, que, dizem as más línguas, provocavam batismos libidinosos nas cadeiras vermelhas do recinto.
Por volta de 1965, nosso (anti)herói foi morar em Curitiba por motivos de estudo, ou pelo menos era para ser. Junto de outros colegas que também saíram daqui, El Diablo aprontou das suas, o que incluía, é claro, bebedeiras e noitadas memoráveis. Quando voltou, foi trabalhar como garçon, sua principal atividade, que desempenhava em outros lugares, como no litoral catarinense, tirando uma grana suficiente nas altas temporadas para não trabalhar mais no restante do ano.
Casar? Nem pensar. A mulher de sua vida foi a própria mãe, parceira de biritas, cuja morte levou à sua decadência – aos olhos do senso comum. Sebenello também não teve filhos, mas isso parece não incomodar. Conhece todo mundo e todo mundo conhece ele. Sabe de coisas que a imprensa ou a polícia nem desconfia, mas nunca tentou qualquer profissão nessas áreas.
E, falando e polícia, Osmar não pode nem ouvir falar a tal palavra, pois passou 32 dias na prisão, após ser perseguido em uma operação policial, já que andava armado sem porte quando estava dando uma de vigia. Por causa da proeza, Diabo Loiro precisa prestar serviço comunitário até hoje, sendo que uma das atividades consiste em varrer a calçada florida em frente ao Fórum Municipal.
Nem aí com o high society, Sebenello não tem cara de que invejava o cargo do irmão – que trabalhava em um grande banco –, de quem se importa em morar no posto de gasolina, dentro ou fora da caminhonete ou de lavar as roupas no lava-a-jato. E assim ele segue, ganhando de vez em quando uma coisa aqui, outra ali, arrastando os chinelos e enrolando a língua, pronta para contar um “causo” do mundo que leva nas costas, pelo peso de sua escolha.

(Publicado no Zine Olho-da-Rua, em novembro de 2008)

5 comentários:

. disse...

publicado na íntegra no folha regional? hahaha
texto maravilhoso fabi :D

:*

fabita . disse...

bem capaz huahuahuahua
obrigada, bruna, mas ele
foi feito com pressa, ficou
muito superficial, pretendo
aumentá-lo e arrumá-lo ;)

. disse...

não achava q tivesse sido publicado mesmo lá. hiahuah
feito com pressa ou não, gostei praca! calcule arrumado com tempo... tá, deu de puxar teu saco. vc já sabe q eu gosto do jeito q vc escreve e ponto. :D
huahuahuhuahu beijones :*

Jonatas Tosta disse...

Você é louca!
... adorei.

Daniel disse...

Oi mademoiselle,
Gostei do texto e de sua forma nao tão impessoal, de toda angústia até conseguir arrancar algo 'del diablo rubio'.
Bjs (PobreFeioBurro)