Solos instáveis, grandes emoções e uma experiência que é, de longe, a maior de suas vidas
"Nós não somos mais os mesmos homens. A reação dessa experiência em nossas vidas? Só o tempo vai dizer. Porque as mudanças foram muito grandes. O que nós vimos, aquele cenário de destruição, nos mostrou que a vida é uma casca de ovo: não há lugar seguro, seja onde for." Comandante Walter Parizotto
Quatro homens e três cães do Corpo de Bombeiros de Xanxerê foram até o Vale do Itajaí com a mais significativa missão de suas vidas nas mãos: localizar pessoas soterradas nos escombros em meio a gigantescas quantidades de lama. Pessoas que, com a idéia de sair da cidade para viver uma vida tranqüila no Vale, em casas de campo cuidadosamente construídas, acabaram sendo vítimas da tragédia das águas, que cortou em tiras montanhas, casas, histórias e sonhos.
Trabalhando na velocidade do cão, a equipe – composta pelo comandante do Corpo de Bombeiros, Walter Parizotto, ao lado do soldado Moisés Kluska e dos bombeiros comunitários profissionais Ivaldir Busaquera e João Duarte de Borba – ficou alojada em um quartel em Blumenau, do dia 23 de novembro ao dia 2 de dezembro, em uma operação que não aconteceu somente naquela cidade, mas também em Gaspar, Ilhota, Timbó e Pomerode. Em Blumenau, as ocorrências se deram em sua maioria na zona urbana, diferente de Ilhota, onde o interior foi atingido com maior intensidade.
No início, esperavam encontrar pessoas com vida. Esperança que foi esvaecendo com o passar dos dias. Homens e cães direcionaram todas as suas forças na busca por cadáveres, em avançados estados de decomposição. Cadáveres que há pouco eram pais ou mães de família, filhos ou netos, que podem nunca mais ser encontrados. “No passado, as pessoas fugiram dos lugares planos, pois tiveram suas casas alagadas pelo rio. Foram morar na montanha, e a montanha agora veio a baixo, em um desastre democrático, pois desceram de barracos a mansões e indústrias”, diz Parizotto, que, ao lado dos colegas, realizou verdadeiros feitos heróicos.
O trabalho, diário e severo, podia perdurar de 12 a 18 horas em áreas de risco, nas chamadas áreas vermelhas. No alojamento, os bombeiros foram, ocasionalmente, as próprias vítimas, tendo que sair às pressas por conta da água que invadiu o local. Uma experiência que pôs um fim no sonho desses profissionais, que um dia desejaram participar de uma grande missão. “Hoje, esse sonho já não existe. Nós trabalhávamos no fio da navalha. As nossas ocorrências foram as mais pesadas, diferente do lado doce da solidariedade.”
Durante esses dias, 21 ocorrências foram atendidas. Nessas, dez cadáveres foram encontrados. Cada corpo demandava horas e horas de trabalho, do momento em que o cão apontava a direção em meio aos escombros até a chegada próximo ao cadáver, seguida de sua retirada. “É um trabalho estressante, pesado, com riscos a todo o instante. Tivemos que abandonar algumas ocorrências, tamanha era a periculosidade dos locais”, lembra o comandante, que andou por solos instáveis, presenciando inúmeras avalanches.
No entanto, nada se compara à dificuldade de contar a um familiar que uma busca teve de ser suspendida, e que a pessoa que esperavam resgatar não poderá ser encontrada, com ou sem vida. “Não tinha o que fazer, o risco em alguns pontos era muito grande. Isso fez com que crescêssemos muito profissionalmente, como se estivéssemos ido para uma faculdade. Percebemos que estamos no caminho certo, que o nosso trabalho com os cães é realmente fundamental, é importante, é vital.”
Para Walter, que acredita muito mais em Deus do que acreditava antes, a tragédia é um reflexo da natureza. “Aquelas regiões não foram feitas para abrigar pessoas. O homem desafiou demais a natureza, mas ela é muito mais forte e não adianta lutar. Por mais fortes que fossem as construções, as barragens ou os sistemas de informação, eles foram inúteis: em dois dias, tudo veio a baixo. Agora, as pessoas não têm para onde ir, perdendo até mesmo a escritura que tinham, uma vez que nem mesmo o terreno existe mais. Algo assim, acontecendo no nosso tempo, é quase inacreditável”, salienta.
Foi a experiência mais marcante da vida do comandante: “Dez dias que valeram por dez anos de existência”, declara Parizotto, que possui na bagagem 16 anos de profissão. “Vimos a morte de perto, o sofrimento das pessoas, a alegria de poder ajudar, mesmo que pondo as nossas vidas em perigo, correndo o risco de contrair leptospirose ou de ser engolido pela terra.”
E por que se arriscar em uma profissão como essa, entrando em conflito entre ser humano e ser bombeiro, passível de ter a vida tirada pela continuação de outra? “A dor das pessoas era a nossa motivação. Anoitecíamos e amanhecíamos nessa missão, tantas vezes sem comer. O que nos moveu, e nos move, a cavar vidas em um cenário disputado por urubus, como é aquele, não é o nosso salário de cada mês, bem mais altos em outras esferas, mas é essa vocação, que nos faz não desanimar e continuar sempre.”
Continuar. É isso que esses heróis farão. No próximo domingo, a equipe retornará à sua missão. Até agora, segundo os números oficiais, são 31 pessoas desaparecidas e 118 mortas. Porém, Walter diz que a estimativa é muito maior. “Vamos entrar no Vale e lá veremos os números aumentarem sensivelmente. Mas é por isso que nós somos nós, seja em situações de risco suportáveis, seja em situações absurdas. Temos medo, como qualquer humano; temos só duas mãos, mas estamos prontos e iremos”, conclui.
Trabalhando na velocidade do cão, a equipe – composta pelo comandante do Corpo de Bombeiros, Walter Parizotto, ao lado do soldado Moisés Kluska e dos bombeiros comunitários profissionais Ivaldir Busaquera e João Duarte de Borba – ficou alojada em um quartel em Blumenau, do dia 23 de novembro ao dia 2 de dezembro, em uma operação que não aconteceu somente naquela cidade, mas também em Gaspar, Ilhota, Timbó e Pomerode. Em Blumenau, as ocorrências se deram em sua maioria na zona urbana, diferente de Ilhota, onde o interior foi atingido com maior intensidade.
No início, esperavam encontrar pessoas com vida. Esperança que foi esvaecendo com o passar dos dias. Homens e cães direcionaram todas as suas forças na busca por cadáveres, em avançados estados de decomposição. Cadáveres que há pouco eram pais ou mães de família, filhos ou netos, que podem nunca mais ser encontrados. “No passado, as pessoas fugiram dos lugares planos, pois tiveram suas casas alagadas pelo rio. Foram morar na montanha, e a montanha agora veio a baixo, em um desastre democrático, pois desceram de barracos a mansões e indústrias”, diz Parizotto, que, ao lado dos colegas, realizou verdadeiros feitos heróicos.
O trabalho, diário e severo, podia perdurar de 12 a 18 horas em áreas de risco, nas chamadas áreas vermelhas. No alojamento, os bombeiros foram, ocasionalmente, as próprias vítimas, tendo que sair às pressas por conta da água que invadiu o local. Uma experiência que pôs um fim no sonho desses profissionais, que um dia desejaram participar de uma grande missão. “Hoje, esse sonho já não existe. Nós trabalhávamos no fio da navalha. As nossas ocorrências foram as mais pesadas, diferente do lado doce da solidariedade.”
Durante esses dias, 21 ocorrências foram atendidas. Nessas, dez cadáveres foram encontrados. Cada corpo demandava horas e horas de trabalho, do momento em que o cão apontava a direção em meio aos escombros até a chegada próximo ao cadáver, seguida de sua retirada. “É um trabalho estressante, pesado, com riscos a todo o instante. Tivemos que abandonar algumas ocorrências, tamanha era a periculosidade dos locais”, lembra o comandante, que andou por solos instáveis, presenciando inúmeras avalanches.
No entanto, nada se compara à dificuldade de contar a um familiar que uma busca teve de ser suspendida, e que a pessoa que esperavam resgatar não poderá ser encontrada, com ou sem vida. “Não tinha o que fazer, o risco em alguns pontos era muito grande. Isso fez com que crescêssemos muito profissionalmente, como se estivéssemos ido para uma faculdade. Percebemos que estamos no caminho certo, que o nosso trabalho com os cães é realmente fundamental, é importante, é vital.”
Para Walter, que acredita muito mais em Deus do que acreditava antes, a tragédia é um reflexo da natureza. “Aquelas regiões não foram feitas para abrigar pessoas. O homem desafiou demais a natureza, mas ela é muito mais forte e não adianta lutar. Por mais fortes que fossem as construções, as barragens ou os sistemas de informação, eles foram inúteis: em dois dias, tudo veio a baixo. Agora, as pessoas não têm para onde ir, perdendo até mesmo a escritura que tinham, uma vez que nem mesmo o terreno existe mais. Algo assim, acontecendo no nosso tempo, é quase inacreditável”, salienta.
Foi a experiência mais marcante da vida do comandante: “Dez dias que valeram por dez anos de existência”, declara Parizotto, que possui na bagagem 16 anos de profissão. “Vimos a morte de perto, o sofrimento das pessoas, a alegria de poder ajudar, mesmo que pondo as nossas vidas em perigo, correndo o risco de contrair leptospirose ou de ser engolido pela terra.”
E por que se arriscar em uma profissão como essa, entrando em conflito entre ser humano e ser bombeiro, passível de ter a vida tirada pela continuação de outra? “A dor das pessoas era a nossa motivação. Anoitecíamos e amanhecíamos nessa missão, tantas vezes sem comer. O que nos moveu, e nos move, a cavar vidas em um cenário disputado por urubus, como é aquele, não é o nosso salário de cada mês, bem mais altos em outras esferas, mas é essa vocação, que nos faz não desanimar e continuar sempre.”
Continuar. É isso que esses heróis farão. No próximo domingo, a equipe retornará à sua missão. Até agora, segundo os números oficiais, são 31 pessoas desaparecidas e 118 mortas. Porém, Walter diz que a estimativa é muito maior. “Vamos entrar no Vale e lá veremos os números aumentarem sensivelmente. Mas é por isso que nós somos nós, seja em situações de risco suportáveis, seja em situações absurdas. Temos medo, como qualquer humano; temos só duas mãos, mas estamos prontos e iremos”, conclui.
(Publicado no Folha Regional em 5 de dezembro de 2008)
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