estranho ser o meu próprio carrasco. saber que me boicoto, que me censuro. o que escrevo de mais puro não está aqui & por vezes não está em lugar algum senão em minha mente. imagine um cérebro, com todas as suas voltas preenchidas de linhas-não-escritas, esperando o momento do gozo, de explodir, de externizar mucosa a poesia inocente. minha fala, eu bem sei, é tão pouca, tão pobre, que quem me conhece pensa que não sou a mesma que escreve, apesar de ter dois olhos clementes, pedindo uma chance de mostrar a intimidade das coisas. será que levarei a óbito todas estas linhas, acidentando-as, para depois cremá-las em véus nefastos irreversíveis? carregarei ao túmulo tudo aquilo que não disse & o que fui, que só eu mesma ou nem eu mesma conheci, que não passará de rumores em poucos anos? meu mundo é tão para dentro, é tão interno, que há tempos entendi que não morava em meu corpo, em minha casa ou em minha cidade fantasma. estou & não estou aqui. o que sai é timidez. o que fica, imensidão. mas o que é um fazedor de proezas sem um espectador de proezas? vontades do ego, quem sabe, mas um dia ainda gostaria de fundir-me em algo ou alguém, com tamanha compreensão que pudéssemos vibrar em sintonias siamesas, sentindo o mesmo vento bater na cara, sendo golpeados pelas mesmas cores que eclodem pelas ruas à fora, banhados uníssones pela chuva ritualística de cada final de tarde e, claro, caminhar de mãos dadas, mas que as mãos unidas fossem cúmplices, enraizadas & resistentes, independentes das estações.
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