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sexta-feira, 28 de maio de 2010

Não me chame de Querosene


Ler “Uma Reportagem Maldita (Querô)”, dá impressão ao leitor de estar lendo as linhas escritas pelo próprio protagonista, Querosene, ou simplesmente Querô. Plínio Marcos, o escritor-andarilho-vendedor-de-livros, jornalista, diretor e ator, insere Querô em primeira pessoa e de tal forma que parece ser o marginal o autor da trama.
Querosene recebeu o apelido odioso – rejeitado veementemente – de Violeta, dona do meretrício que serviu de casa durante boa parte de sua vida. Isso porque sua mãe, ao pari-lo, tomou querosene, tamanha foi a pressão social que sentiu com a criança nos braços e sem ter onde morar.
“Não tem por onde. Assim é que é. Uns têm tudo logo de saída. Os outros só se estrepam”, sintetiza o personagem já no início da estória. Cansado dos maus tratos, Querô cai no mundo e começa a cometer delitos. E é aí que se desenrola ainda mais todo o trágico destino do garoto.
Romance realista ou denúncia social, “Uma Reportagem Maldita (Querô)” faz com que acessemos o universo íntimo da marginalidade, de forma que é impossível não compreender o que faz um marginal ser de fato um marginal.
Ao aproximar-se do fim, podemos encontrar o jornalista, que gravou fitas e mais fitas de conversa com Querô, pouco antes da morte. Seria Plínio Marcos o jornalista, se inserindo no livro? Teria a estória existido? Não se sabe. Mas vidas como as de Querô não são difíceis de encontrar. Porém, escritas com a riqueza de detalhes, proximidade de linguagem e intensidade de Plínio Marcos, são raras.
Um belo recorte ainda atual de uma realidade torta, desigual, poucas vezes registrada como deveria pelo jornalismo tradicional. Sim, pode-se dizer que a obra de Marcos é jornalística, documental, muito mais do que os textos convencionais que vemos nos jornais, caracterizados como, de fato, jornalísticos. Longe dos boletins policiais, os casos têm mais complexidade do que se imagina. Os porquês, esquecidos dos leads das matérias informativas, possuem mais conteúdo do que se julga.
A obra “Uma Reportagem Maldita (Querô)” foi escrita em 1976, época da censura, como muitos escritos de Plínio, e recentemente ganhou adaptação no cinema, em 2007. Além dessa obra, ele escreveu peças de teatro memoráveis, como “Navalha na Carne” e “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, conhecida internacionalmente, que também ganhou versão no cinema, em 1970 e 2003.


Título: Uma Reportagem Maldita (Querô)
Autor: Plínio Marcos
Categoria: Romance
Ano: 1976


(Publicado no Caderno Blitz, em 28 de maio de 2010)


quarta-feira, 26 de maio de 2010

As injustiças do mundo



Raquete de tênis arrancada das mãos por dois inimigos maiores e mais fortes que eu, senti, pela primeira vez, que não existia justiça divina, muito menos humana


Por Milly Lacombe | Ilustração Helena Pessoa

Aos 8 anos, meu mundo se dividia entre dois pólos: futebol e tênis. Meu radar não captava nada que não navegasse por uma dessas freqüências. Foi nu­ma manhã qualquer da fase mais binária da minha vida que pe­guei a Dunlop de madeira que alguém tinha me trazido da Eu­ropa no dia anterior e me mandei para o clube para jogar pa­redão. Era um dia que tinha tudo para ser perfeito.
Estava ali, totalmente concentrada em fazer a bolinha ir e vir, ainda meio sem jeito porque a raquete era bem maior do que a mi­nha mão, quando entraram na quadra um menino e uma me­ni­na, adolescentes e de mãos dadas. Ficaram ali me olhando por al­guns segundos, eu certa de que eles estavam apenas apreciando meu equipamento novinho, até que a menina, sob o olhar ri­so­nho do menino, veio em minha direção: “Sai que a gente quer jo­gar”. “Mas eu tô jogando”, argumentei. “Dane-se! A gente agora é que vai jogar.” Num golpe bastante rápido, sacou de mi­nhas mã­os a raquete novinha e a atirou longe. Eu estava com­ple­ta­men­te embasbacada. Onde já se viu tamanho absurdo? Nin­guém ia fazer nada por mim? E a tal justiça divina? Não interce­deria? Tu­do parecia extremamente novo. As sensações de raiva, im­po­tência, frustração, indignação – foi a primeira vez na vida que deparei com sentimentos tão agudos.
Olhei para os lados na esperança de que alguém tivesse visto e viesse em minha defesa. Nada. Olhei para os dois adolescentes pa­rados à minha frente, muito maiores do que eu, e entendi que, naquela situação, não havia nada que eu pudesse fazer.

Na boca, gostos novos e ruins

Fui andando com a cabeça baixa em di­re­ção ao local onde a raquete havia sido a­­ti­­rada. Na boca, gostos novos e ruins. En­contrei a raquete, abaixei para apanhá-la e se­gui a passos de cágado em direção à lan­cho­nete. Enquanto me arrastava pelo clube, re­­passava o filme em minha cabeça. Co­me­cei a imaginar todo tipo de vingança. Ah, se eu fosse maior, mais forte, mais ágil. Só que eu não era nenhuma dessas coisas.
Cresci e, várias outra vezes na vida, ru­mi­nei esse gosto na boca. O mundo está lon­­ge de ser justo. O sistema a que nos sub­­­metemos diariamente é cruel e privilegia descaradamente os mais fortes e podero­sos. A honestidade, atualmente, vale mui­­to pouco. E, exatamente como aconteceu na­­quela manhã em que tudo o que eu queria era jogar paredão e experimentar minha Dun­lop nova, não há nada que possamos fa­­zer. Apenas abaixar a cabeça e sair an­dan­do. Comecei a entender o que dizia meu pai, que, aos 48 anos, abandonou a pro­fissão de advogado por não acreditar mais na justiça. Nem na divina, muito me­nos na do homem.
A cada dia que passa, a cada manhã que abro os jornais, me convenço de que não há justiça à nossa volta. E de que nunca ha­ve­rá. Mas aí olho para o lado e vejo minha mulher com uma xícara de café quente para mim, que ela não me entrega sem antes rou­bar um beijo e dizer que me ama, e tudo entra em perspectiva no­vamente.
Quanto àquela manhã dos meus 8 anos, a primeira vez que me senti moralmente aniquilada na vida, nem tudo foi frus­tra­ção. Ao chegar na lanchonete, encontrei minha mãe, que me viu chorando. Ela perguntou o que tinha acontecido. Contei. Foi quan­do ela me arrastou pelo braço, meus pezinhos praticamente fo­ra do chão, em direção ao paredão. Chegando lá, entrou comigo na quadra e vociferou em voz muito alta, esticando o queixo na direção de meus dois inimigos: “Foram eles?”. Eu confirmei com a cabeça. A próxima coisa que vi foram duas raquetes sendo arre­messadas bastante longe, e minha mãe recomendando, com aque­le olhar siciliano que afugentaria um lobisomem, que os dois saíssem dali e não voltassem mais.
Assistida e protegida pela orgulhosíssima matriarca, fiquei jogando por horas. Porque, ao contrário das demais, a justiça materna, assim como o amor, raramente falha. O duro é que, pelo resto da vida, buscaremos alguém que nos proteja das “injus­tezas” do mundo da mesma forma que essas mulheres, um dia, nos protegeram.

(Publicado na Revista TPM, Coluna do Meio, em julho de 2007)

sábado, 22 de maio de 2010

ácido

estou bem no meio

de tudo o que eu deixei

e do que restou daquilo

que um dia foi.

e tu,

que tanto me atrai como,

na mesma medida,

me repele,

me faz pensar

se pelo menos sou

o suficiente

do que deveria ser pra ti.

sou o suficiente pra mim.

da cara de sono,

cabelos armados ao amanhecer,

olhos fundos de dores profundas

até as idéias complexas

acumuladas durante os anos,

que agora se precipitam

na simplicidade dos fatos.

não, tu não és quem eu procuro.

e como são improváveis

os encontros da vida.

pessoas não aceitam as falhas,

suas e alheias.

como são tolas

ao negar o erro,

ao querer o impossível.

e como é bom desejar o impossível,

até que as ilusões

abracem toda a roda viva

e parem o movimento.

mova-se,

mova-se como jamais se moveu.

beije a flor exótica

e espere o perfume

perfurar ácido ou belo,

mas inspire.

só não bata na minha porta

se eu não for a flor (es)colhida.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

buenas e m'espalho




Atípico e indecifrável

“Minha música, o que eu faço, a minha vida, sempre foi calcada no débilmentalzismo. Eu amo a débilmentalidade.”

Uma figura atípica. Quem conhece Astronauta Pingüim, sabe que esta é uma verdade. No Start Bowling Bar, em Carazinho, na última sexta, o músico deu uma entrevista exclusiva para o Blitz e mostrou um pouco de sua personalidade mítica e por vezes indecifrável.

Blitz – Qual é o seu nome verdadeiro?
Astronauta Pingüim – O nome que eu considero é Astronauta Pingüim, mas meu nome de batismo é Fabrício Carvalho, só que nem a minha família me chama assim. Pingüim é muito de infância, acho que eu tinha um jeito de andar diferente das outras crianças, aí me apelidaram de Pingüim. Eu não tenho como saber onde isso começou. Astronauta surgiu na época de adolescência. Assumi os dois nomes. Sabe aquela coisa de colégio, quando te chamam de um apelido e tu não gosta, mas é pior negar, porque aí é que vão te chamar?

Blitz – Astronauta Pingüim é um personagem?
AP – Não, não é um personagem. Sou eu mesmo. Gosto de toda essa indumentária. Não uso sempre porque às vezes não estou no clima. Não tenho uma cueca ou um par de meias, que não tenha sido minha mãe ou alguma namorada que me deu.

Blitz – Você tem várias namoradas?
AP – Quem me dera.

Blitz – Quem é o Astronauta Pingüim nas horas vagas? Soube que você vê cada programa...
AP –
Eu adoro o Ratinho. E acho que o mundo inteiro adora o Ratinho, só falta o povo admitir.

Blitz – Quando você começou a trabalhar com música?
AP –
Vou fazer 35 anos dia 11 de outubro e a música entrou na minha vida quando eu tinha uns oito ou nove anos de idade. Eu tenho um pai, muito querido. Nunca foi presente, mas sempre bancou o que eu queria. Lembro que em 1987, quando eu devia ter uns 12 anos, comecei a fazer música.

Blitz – Onde você nasceu?
AP –
Nasci em São Leopoldo, mas meu pai é mineiro. Sou de uma família ridícula. Se meu pai é mineiro, o que veio fazer aqui? Mas enfim... Moro agora em São Paulo, graças ao meu bom Deus e ao meu bom discernimento. Sou muito grato àquela cidade. Também sou muito grato à cidade de Carazinho. Adoro. Tenho um grande amigo aqui, (Ilario Junior Amaral da Silva) que me trouxe à Carazinho da primeira, da segunda e da terceira vez. Passo Fundo, Porto Alegre, São Leopoldo, adoro todas essas cidades. Mas no Brasil, São Paulo é a cidade que eu mais amo. Dou graças a Deus de morar na melhor cidade da América do Sul. Não tenho palavras para exemplificar minha gratidão por São Paulo.

Blitz – Recentemente, você toca com o baterista Ramiro Pissetti (ex Os Pistoleiros, Incríveis Animais que Tocam e atual Animales), não é?
AP –
Eu amo o Ramiro. Se tu soubesse o quanto eu amo o Ramiro Pissetti, o Glauco Caruso, outro baterista que toca comigo. Cleiton Martins, Cristiano Krause. Amo essas pessoas. Elas me dão suporte – palavra mais próxima do que quero dizer – para eu fazer a minha debilmentalzisse. Minha música, o que eu faço, a minha vida, sempre foi calcada no débilmentalzismo. Eu amo a débilmentalidade. Essas pessoas se privam, às vezes, por mim. O Ramiro então, um professor de uma faculdade, se priva de dar aulas para ir tocar comigo. Mas às vezes eu toco sozinho também, quando ninguém me dá bola. Eu toco baixo, toco bateria, toco guitarra...

Blitz – E essa proposta de ter você no teclado e voz, ao lado do baterista, tocando músicas próprias, mas também clássicas da Madonna, Cyndi Lauper e até Lulu Santos? Muita música das décadas de 1980 e 1990...
AP –
Não é uma coisa que eu tenha inventado, uma grande invenção.

Blitz – Quanto ao seu álbum Supersexxxysounds (2008)? Se encaixa no estilo Eletro Rock?
AP – Esse é o meu segundo álbum. Legal você chamar de Eletro Rock, porque ninguém chama. Eu acho que é, porque tem situações eletrônicas. Bem aquela dos anos 80 e 90. Ele é muito bom, mas o próximo vai ser ainda melhor.

Blitz – Ainda toca com o Júpiter Maçã?
AP –
Toquei com o Júpiter Maçã de 2000 a 2003, aí o Flávio Basso teve uns envolvimentos na vida dele e eu tive os meus e nos separamos. Voltei a tocar com ele em fevereiro de 2009 e estou até agora. Toco piano e órgão. Viajo bastante por causa do Júpiter, principalmente para o sul.

Blitz – Você participou do clipe recente do Júpiter Maçã, Modern Kid. Uma proposta bem diferente do que a banda já havia apresentado, mais moderna.
AP –
É uma proposta diferente, mas que eu não entendi. Te juro. Não sei quão mais moderna é essa proposta. Sei que me pediram para fazer um personagem naquele clipe que eu acho que não iria servir e eu não fiz, sou quase um manequim naquele clipe. E isso eu quis ser.

Blitz – O que a música representa na tua vida, na vida das pessoas?
AP –
Dependo da música, vivo dela; dependo das pessoas gostarem do que faço. É uma estratégia que vai se desenvolvendo de forma gradual. Não se trata da pessoa gostar da minha música e ponto. Não é só isso. Tu gosta da minha música e no próximo show eu vou te enxergar. No outro tu vai vir falar comigo. Essa é a grande coisa. Eu faço amigos nos shows. Tenho amigos que vieram me ver aqui. Eles estavam num show em Passo Fundo. Uma das coisas mais legais, uma das únicas coisas que valem a pena, é conhecer pessoas. O que vale é a parceria. Como todas essas pessoas não vão morar no meu coração? Eu quero mais é fazer amizade nesse mundo – uma das poucas coisas que são verdadeiras.

Conheça Astronauta Pingüim: www.myspace.com/astronautapinguim

(Publicado no Caderno Blitz em 21 de maio de 2010)

terça-feira, 18 de maio de 2010

E nós relaxamos e gostamos


“Relaxe e Goste” mostra o nosso despreparo e impaciência secular ao lidar com o sexo oposto, com idades opostas, com humanos opostos

Ao chegar no teatro, passados alguns minutos das 20h – horário de início da peça –, me deparo com um homem semi-nu, enrolado da cintura para baixo em uma toalha vermelha, com a cara branca de creme de barbear, me pedindo licença, enquanto eu tentava entrar porta a dentro. Ao me afastar, observo que o homem botou para estourar uma daquelas bombinhas, que lembram a infância, porém um tanto maior, entrando em seguida dentro do auditório do Notre Dame Aparecida atordoado, em meio a fumaça.
Era o início, pelo menos para mim, da peça “Relaxe e Goste”, escrita numa parceria de gigantes: Luis Fernando Veríssimo e Millôr Fernandes, trazida à Carazinho pelo Sesc no último sábado. A resposta do público não podia ser melhor. Risadas e acenos de cabeça em sinal de identificação denunciavam o sucesso da peça, que tratou da reação homem-mulher desde os primórdios.
Uma possível sátira da história mal contada de Adão & Eva no paraíso; da maneira equivocada que os adultos falam sobre sexo com as crianças e de como o ser humano é patético quando tenta usar demais a razão ao se tratar de relacionamentos ou quando acha que é muito experiente em termos de sexo. Nuca se é.
“Relaxe e Goste” mostra o nosso despreparo e impaciência secular ao lidar com o sexo oposto, com idades opostas, com humanos opostos. Não se chega a grandes conclusões filosóficas através da peça, não se distingue mensagens sérias e grandes morais, mas se garante uma boa dose de entretenimento, com personagens impagáveis, como o bom e velho Deus, Eva e seus palpites e desalinho, sem contar com os professores de sexo, totalmente desconexos ao tentar novas posições de nomes impronunciáveis, interagindo com o público.
Foi uma noite de humor inteligente, bem estruturado, digno de seus autores. Nós relaxamos e gostamos, e esperamos por novas noites assim, regadas a boa cultura, risos e relações de espelhismo divertidamente constrangedoras.

(Publicado no Caderno Blitz em 21 de maio de 2010)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Hotel dos Corbellinis


Com nome inspirado na placa cadente de um dos hotéis mais antigos de Espumoso (o Hotel Corbellini, que pertence ao avô do baterista), a banda Corbellinis cresce mais a cada show. A explicação é simples: felicidade em fazer o que gostam, conhecendo novas pessoas (que no início eram poucas) e lugares (por tantas ezes impróprios).
A música, para eles, é um misto de satisfação e responsabilidade, que carrega uma pitada intimista dos compositores, resultando em identificação por parte do público. Crentes de que a energia da banda é harmônica, os Corbellinis querem em breve, além de lançar o EP, disponibilizar suas músicas no MySpace.
E depois? Nada demais, só um desejozinho à toa, expressado pela banda através do trecho de When the Music’s Over, do The Doors: We want the world and we want it now (nós queremos o mundo e nós o queremos agora).


Os Corbellinis são:

Everton “Cotonote” Kottwitz (Guitarra)
Gustavo “Barba”Avila (Vocal e Contrabaixo)
Tiano Corbellini Masutti (Bateria)

(Publicado no Caderno Blitz em 14 de maio de 2010)