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domingo, 28 de março de 2010

cão de rua



ah, relacionamentos modernos.
tu ficas com teu ovo apunhalado
e eu com meus morangos mofados,
o mistério de um intruso num edifício
e a liberdade de um cão de rua.

sexta-feira, 19 de março de 2010

anões de jardim


sempre quis ser livre como um homem. andar pelas ruas de noite, chamando apenas a atenção de alguns anões de jardim. sempre quis viajar pelo mundo, minha mochila e eu. como um homem. sempre quis ser forte como um homem e gerar como um homem, se defender como um homem. mas não do tipo que mente ou massacra ou faz guerra. apenas livre, como um homem. e sempre quis achar o meu espaço no mundo, meu lugar, meu rumo, meu prumo. nunca fui competitiva, ou alardeante e quase nunca fui agressiva. abaixo os olhos e choro, na primeira ofensa. e sempre tentei achar no abraço de um homem a minha espécie equivocada de salvação. e acho que deus sabe do que precisamos e que nossa ansiedade é pura bobagem. e sim, eu acredito em deus. e sou feliz com as coisas mais pequenas. se ligo o rádio e ouço o que gosto; se aquela pessoa fala comigo na hora exata; se tenho dinheiro para a passagem de volta para casa. nunca, sempre, sempre e nunca amo o tempo todo. e tenho toda a preguiça do mundo, mas nunca para escrever. e tenho toda a loucura do mundo, mas não para trair. e tenho toda a bondade do mundo, mas não para perdoar. guardo rancor, sou imperfeita, me debato contra meu inimigo imaginário. e sei que meu corpo acumula as minhas boas e más escolhas e se fico sozinha em casa de noite, sei que o que eu sinto é um sentimento universal, e que ele, o vazio, só existe para que tentemos preencher. com arte, com vida, amor, lances simples, palavras, frases noturnas, loucuras de bar, amigos, ócio, viagens e finais felizes.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Formigas lidando com elefantes

Mãe de Pedro Luiz Migott Maciel ainda espera pelo filho que desapareceu em 27 de maio de 2008.

“Somos formigas lidando com elefantes. Ninguém sai da cadeira para ajudar”, desabafa Marines Migott Maciel, mãe de Pedro Luiz Migott Maciel, atleta, ciclista, desaparecido aos 21 anos, em 27 de maio de 2008 em Bento Gonçalves, cidade onde morava.
Trabalhador, sem vícios, Pedro se dedicava exclusivamente ao esporte e ao emprego, em uma empresa de móveis. Além de filho, era amigo e grande companheiro da mãe Marines. “Ele ligava todos os dias do trabalho, ao meio-dia. Só que naquela terça-feira ele não ligou e o telefone dele estava desligado”.
A mãe desconfia que uma pancada na cabeça dias antes teria feito o filho perder a memória. Naquela terça-feira, Pedro saiu para ir para o trabalho, como sempre, e não voltou mais. Marines encontrou os documentos do filho em casa – coisa que ele jamais fizera – e a pia do banheiro ainda seca. “‘Ele saiu de casa tão apressado que não teve tempo de lavar o rosto’, pensei.” Um amigo, que estava no ponto de ônibus, viu o rapaz indo para o lado contrário da empresa em que trabalhava, gritou, chamou, mas Pedro demorou a atinar.
E desde então a mãe se sente indefesa diante dessa situação, conta que o apoio da polícia é quase nulo, já que não há suspeita de crime.
Com ajuda de amigos e parentes, a mãe procura o filho por todo o estado do Rio Grande do Sul, espalhando cartazes com a foto de Pedro, hoje com 23 anos, e um retrato-falado que representa a suposta imagem atual do garoto. “Meu filho está vivo; não sinto o meu filho morto”, afirma Marines, que diz suportar um fardo penoso demais para qualquer mãe.
Em Carazinho, no último sábado, novos cartazes podiam ser vistos em pontos movimentados da cidade, como na praça e arredores. No entanto, a chuva, a má intenção de alguma pessoa ou a preocupação com a limpeza nos locais, resultou na retirada dos cartazes. Já na segunda-feira, os cartazes de Pedro não estavam mais nesses locais.
O que a família espera é apoio para encontrar o rapaz, que nessa altura pode ter se tornado um andarilho e estar sofrendo toda a discriminação que uma pessoa nessas condições sofre no meio social.


Foto e informações sobre Pedro, e de centenas de outras pessoas desaparecidas, podem ser encontrados no site: http://www.desaparecidos.rs.gov.br

FONES PARA CONTATO:

(54) 3454-6259 - 9186-5130 - 9204-0410 ou 9648-3928

terça-feira, 16 de março de 2010

nunca fui a mais inteligente,
nem a mais bonita ou experiente.
mas acho que sou uma das pessoas
mais sensíveis e intensas que já conheci...

conto do além-mar

enquanto a velha esposa macumbeira rezava fervorosa, chamando todas as virgenzinhas & santos do corpo celeste no seu transe particular tão bem bolado, influenciado por toda a literatura de ladainhas de uma vida inteira, o velho, de corpo fechado, chegando quase aos cem, caminhava ereto & branco para o “chaleira preta” – uma zona vaporosa de uma rua paralela à flores da cunha, num cais de porto de um passado distante. crê-se que o sexo dele por lá grunhia nos embalos das batidas da umbanda, tamanha a força da bruxa, leitora do baralho cigano de madame lenormand da paris antiga. e ele, que pouco ouvia, pois seus ouvidos foram comidos por negros pelos quentes, deixava a carne impessoal tomar a sua, nojenta, afundando na lingerie, até que decidisse, depois de alguns goles de pinga forte, seguir para casa indiferente. a velha, já cansada de crenças & profecias & esperas, eis que um dia partiu. conta a lenda que nesse dia, na volta do “chaleira preta”, depois de ter levado a comadre e melhor amiga da cartomante para ter com ele no puteiro, o machão chorou. desde aquele dia, dizem as más línguas, que dona macumbeira virou mesmo dona puta e que o velho ereto botou a fazer via-sacra em cada meretrício da cidade, mas agora a procura da reza única da esposa maldita, fugitiva dos pesados cornos. acontece que a dor foi tanta para o pobre velho, que findou lhe trazendo o beijo da morte, talvez sua grande alegria, já que a boca do povo diz ainda vê-lo abrir as pernas da velha mulher nas noites quentes de verão, quando nenhum cliente toma coragem de com ela se deitar, graças às pragas que o marido joga das lonjuras do além-mar...

domingo, 14 de março de 2010

Sempre acho que vou encontrar o mar no fim do horizonte.
O mais estranho disso é saber que não gosto do mar.

fotografias em preto & branco



chove e faz frio no rio grande. o ar é seco, o dia é cinza. sinto falta da ilusão de ser amada. consciente das minhas limitações, das tuas, do mundo, sigo só para um café. sonny boy williamson na cabeça que se agita na estação do trem. lembro de quando passeamos juntos por aqui, das fotografias em preto & branco e dos rolos coloridos da analógica, lembro do deslumbramento diante do antigo, da arquitetura dos anos 30, das casas que fazíamos nossas. penso em onde possa estar agora, abraçando ombros de cabelos lisos, pretos e longos, arrastando nas calçadas. não sou eu que estou contigo. estranho. parecia que era para ser... e a lembrança não chega a doer e a tua solidão também é uma opção e a minha, condição. amor não se pede e não se deixa pedir. deixa estar, deixa morrer. lá vem o trem, o dia seguinte, a lotação para o nada, o frio, o frio... deixa eu devanear, poetizar, sozinha na terra antiga. sou tão pequena, tenho tanto para escrever. pequena demais para ser escolhida, grande demais para passar despercebida. mediana. sinto o corte do vento na cara, dilacerada de emoções velhas e pesadas. me escondo no manto xadrez, meus olhos captam um mundo invisível aos outros olhos, meu perfume espiral do outro lado do mundo. te espero chegar. beijo de até mais ver.

quarta-feira, 10 de março de 2010

O NÃO-TEXTO

PROMETI ESCREVER O TEXTO DA MINHA VIDA EM UMA HORA. NÃO VOU. NA CORRERIA DOS DIÁRIOS, NA CORRERIA DO BATUQUE DOS TECLADOS, ELA NÃO SE ENCONTRA. TE VI E PARALISEI. ME VI. ANDARILHA DUM MUNDO DE BOLSOS VAZIOS. NASCI COM BOLSOS FORRADOS. FUREI. NASCI BELA, A BELEZA PERDI. DURMO DE FAVOR NA CASA DA VELHA MACUMBEIRA. RIO GRANDE, BUENOS IRES, VELHO OESTE. NÃO IMPORTA. NÃO SOU NADA, ALÉM DE MAIS UMA. TE VI... PENSO LOGO EM PRECONCEITOS, CHANCES, CAPACIDADES. NÃO FIZ, NÃO FAÇO PARTE. NÃO SOU, NÃO SEREI PARTE. HÁ QUEM LEIA, FAÇA, APRENDA E TRANSMITA. HÁ QUEM NASÇA EMERGENTE, FODIDA, FALIDA, PEQUENA E VIÚVA DE QUEBRANTES. E HÁ QUEM FAÇA DISSO VIDA, SEM CULPA DE NASCENÇA. HÁ QUEM TENHA TALENTO E HÁ QUEM DESPERDIÇA. EU SOU MAIS POSE DO QUE TUDO, MAIS PLÁGIO DO QUE PULSO, MAIS VULGAR DO QUE POEMA. ESSE NÃO É O TEXTO DA MINHA VIDA. ESSE TEXTO NÃO É MEU. EU NÃO RELI, NÃO SOU VOCÊ, NÃO TENHO MEMÓRIA. TALVEZ NUNCA CONHEÇA O VELHO MUNDO. TALVEZ NÃO SAIBA MAIS ATRAVESSAR A RUA SEM QUASE MORRER. MUQUIRANA-SANGUINÁRIA, VÍCIO COR DE VERMELHO LICOR. VI MINHA POESIA NO FOLHETIM DA ESQUINA. A POESIA NÃO ERA MINHA. MEU EGO VIROU PÓ. CAMINHANTE POBRE NA MULTIDÃO. LUZ PELA METADE DOS OLHOS. PIFEI. ENGOLI ASTROLOGIA HOJE, DO CAFÉ AO SERÃO. IGNORÂNCIA COM ROUPA DE CIÊNCIA ANTIGA, ME DEIXE EM PAZ. E TE VI. E TE VI E FIZ DE TI MEU CHÃO. MEU CHÃO ESPERANÇOSO E ESCORREGADIO. VOU CAIR NA PRIMEIRA IMERSÃO. CAÇANDO UM CANTO PARA ESCREVER. NÃO ESCREVO MAIS A MÃO, NÃO ESCREVO SEM MEUS PADRÕES, NÃO VIVO SEM REPETIÇÕES, TENHO A ESPONTANEIDADE DE UM ERMITÃO, TENHO A LEVEZA DE UM TREM DOS ANOS 20. PARE, OLHE, ESCUTE. ESTOU VELHA DE EMOÇÕES. NÃO GUARDEI TEU NOME, DUAS HORAS DEPOIS TINHA ESQUECIDO DE TI. QUEM É VOCÊ? NA REPORTAGEM DA MANHÃ, TU ERA DEUS, NO BOLETIM DA MEIA- TARDE, UM COMPLETO DESCONHECIDO. FUREI O JANTAR PARA ESCREVER. COMI A BATERIA PARA DESCANSAR. GAZEEI A VOLTA PARA RESMUNGAR, EM MIM, NA TELA BRANCA, MINHA E TUA E DE TODOS. E EU NÃO LEIO POESIA. E EU NÃO RELEIO. EU NÃO ME LEMBRO! CORROMPIDA, IMPERFEITA, CRAVADA DE CRAVOS PODRES, DA TUA LANÇA JOGADA EM FLAMAS. RIDÍCULA CHAMA. PEGO O TAXI, MORRO NA CAMA, ME DEIXE EM PAZ, QUIETA, TÍMIDA, VAGA, DE GESTOS FINITOS/////////////////////////

sexta-feira, 5 de março de 2010

Dois minutos eternos



Tânia Rösing esteve no Chile durante os tremores e fala sobre a experiência


“Inesquecível, inusitada e irrepetível”. É assim que Tânia Rösing, professora, doutora em Teoria Literária, idealizadora e organizadora das Jornadas Literárias de Passo Fundo, define a experiência vivida em Santiago do Chile, enquanto participava do Congresso Ibero-Americano de Língua e Literatura Infantil e Juvenil da Fundação SM, que deveria acontecer de 24 a 28 de fevereiro.
Do 5º andar do Hotel São Francisco, Tânia e o esposo foram surpreendidos na madrugada de sábado (27) por um tremor que durou pouco, mas que foi o suficiente tirar os móveis e a estabilidade emocional do lugar. “Foram só dois minutos, mas foram dois minutos eternos”, declara Tânia.Eternos, assim como foi eterno o caminho do 5º andar até a calçada, onde esperaram pelo socorro. O resgate veio a bordo de um avião-extra que acompanhava o presidente Lula. Já no Brasil, em São Paulo, Tânia rumou para Passo Fundo, chegando na cidade no dia 2.
Nem ela, nem o esposo se feriram. Mas, para Tânia, a Santiago que conheceu, de arquitetura vitoriana, de igrejas e prédios marcados pelos traços espanhóis, franceses e ingleses, não será mais a mesma. “Santiago estava vivendo um momento atraente. Peças de teatro com personagens da literatura, como Don Quixote de La Macha, e grandes shows folclóricos. Agora não sei o que será”, finaliza.


(Publicado no Diário da Manhã em 5 de março de 2010)


Tremores numéricos




Números. Como acontece em todas as situações de catástrofe e morte, a imprensa divulga números. Número de cidades atingidas, número de graus de magnitude, número de dinheiro investido, número de mortos. Número de vidas perdidas. É o que está sendo divulgado recentemente com os terremotos ocorridos no Chile, Peru e parte da Argentina.
A vida, essa presença misteriosa que habita todos nós. Nós, que somos muito mais do que números, que somos seres subjetivos, contraditórios, ricos em detalhes genéticos, habituais, filosóficos... nesta hora de abalo somos mesmo números. Portadores de RG, CPF e o escambau. Somos nome, sobrenome e idade. Somos um a mais ou um a menos.
E os números aumentam, as vidas perdidas, encaixadas rapidamente em gavetas numéricas. Mas é lógico que a imprensa precisa divulgar os números; é claro que a imprensa é subsidiada por dados. Mas a imprensa também pode olhar nos olhos fundos de quem perdeu família, casa e identidade, desolado no meio dos escombros, e desvendar o sentimento, e sem sensacionalismo.
É só regular o macro das pupilas, desfocar os fundos numéricos e direcionar para a imagem do desolado, daquele que já não sabe mais para onde ir, o que fazer, o que sentir. Deixar a mente gravar o essencial e a lente ler aquelas perguntas direcionadas ao Deus da Fúria, os porquês sem resposta, desencontrados por entre a tralha toda, de roupas em trapos, dos móveis em frangalhos, dos sonhos idos e das lembranças impregnadas.
Como pessoas que somos, como cidadãos do mundo, podemos reconhecer irmãos em qualquer nação, em qualquer idioma, em qualquer território ou fronteira, mesmo que de longe. Filhos do mesmo Deus, da Fúria e do Alento, temos o poder de nos despedir da matemática da dor e abrir espaço para o lado humano, o centro nervoso da vida, que se aproxima, que sente, que compadece e que transmite isso com verdade, acima de tudo.