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terça-feira, 18 de agosto de 2009

Um Olho Só


Há de ser uma raça solitária a dos jornalistas. Pelo menos aqueles que realmente vivem a profissão. É assim, e creio que sempre tem sido, a solitária saga dos jornalistas-escritores. Não que eu me considere um deles. Não me entenda mal. Na verdade, me sinto é mesmo solitário. Solitário com “o”, gênero masculino mesmo. Me sinto tão homem entre os homens...
Depois de um dia de trabalho duro, fumo o meu cigarro, tomo o meu vinho tinto, fino e seco “Oremus”, escolhido bem mais pelo preço do que pela qualidade ou pela estampa de mandala que ele carrega ou por ser ele um Cabernet Sauvignon, ter 12% de álcool ou por ser da safra recente de 2007. Escolho meus vinhos pelo preço: O mais barato me ganha. O mesmo nem sempre acontece com os cigarros, apesar de me deixar levar por marcas baratas na falta de. Quanto aos amores e amizades, prefiro não comentar.
E olho simples a chuva cair. O que vejo da minha janela é uma das obras mais medíocres que a arquitetura urbana já criou. Minha grande janela, antiga e verde, dá para uma garagem. Sim, uma garagem que ocupa tanto espaço para guardar automóveis que pouco deixa para o céu. O céu é obstruído por uma antena mal criada que libera fios e mais fios de modernidade.
Debaixo de minha janela, pousam fáceis vasos de flores não menos medíocres, embalados em papéis de presente cafonas. O som que se ouve é de motor, constante e chato e denso. Deixo o incenso se consumir no ar da janela e penso, penso e penso. As gotas de chuva me são como bálsamos filosóficos; a solidão me é escape para analisar os pormenores da vida.
A cada dia que passa, me torno mais insuportável. Tenho o estranho costume de gostar daqueles que todos odeiam. Sempre preferi ser odiada. Mas hoje é um dia “feliz”, me sinto aliviada com o dever cumprido, mesmo que o dever de um jornalista nunca acabe, só continue, eternamente. Assim acontece com os amantes da vida, como eu e como tantos. A paixão nunca acaba, só adormece para que consigamos fazer o que precisa ser feito. E depois retorna.
No momento, fujo, e como fujo. Meu olhar de repente se perde no brilho fosco das luzes da noite que vem. “Não se pode ter tudo”, penso. E não se pode mesmo. Longe das páginas dos jornais, sou a menina debaixo do guarda-chuva que tem medo de temporais. Amo tão ferozmente que prefiro não amar. Prefiro o ódio. Prefiro a indiferença. Prefiro a solidão. Com o passar do tempo, aprendi a frear os meus impulsos. Quando vejo que estou no ápice da minha agonia, eu retrocedo.
E como poderia não retroceder? Não me jogo na fogueira de Torquemada como antes. Sei bem o que posso querer e o que não posso querer. Não sou digna dos quereres altivos, não sou digna do que não posso ter. O que tenho me basta. E o que mais posso querer? Há de ser a idade. Há de ser o mal da raça solitária ou talvez o vinho ou a chuva leve lá fora, o inverno aqui dentro, o sonho desfeito, o amor mal feito, o juízo adquirido ou a infância interrompida. Há de ser problema meu e agora teu, que me queres, ou que apenas diz me querer.
Não confio em humanos e Deus já não existe nessas horas. Paro, penso de novo, retomo a razão e adormeço insone, crente de que tudo será diferente e ainda mais mágico na próxima estação.

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