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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

diálogo bobo II

- o que você quer?
- você.
- em que sentido?
- todos.
- quanto?
- muito.
- quando?
- agora e até quando eu não sei.

sábado, 22 de agosto de 2009

esperando o ônibus das 7

eu sou mais uma das mulheres que fumam seus cigarros na noite de sexta. sentadas ou pendidas em bancos ou paredes da suja rodoviária, estamos nós: o brilho suado na cara, a roupa encardida da semana inteira, a poeira no corpo, o esmalte que descasca e o velho vazio no peito. o mesmo vazio que se alastra sábado à dentro e quando chega a noite se intensifica corrosivo, vertendo em febre ausente.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Um Olho Só


Há de ser uma raça solitária a dos jornalistas. Pelo menos aqueles que realmente vivem a profissão. É assim, e creio que sempre tem sido, a solitária saga dos jornalistas-escritores. Não que eu me considere um deles. Não me entenda mal. Na verdade, me sinto é mesmo solitário. Solitário com “o”, gênero masculino mesmo. Me sinto tão homem entre os homens...
Depois de um dia de trabalho duro, fumo o meu cigarro, tomo o meu vinho tinto, fino e seco “Oremus”, escolhido bem mais pelo preço do que pela qualidade ou pela estampa de mandala que ele carrega ou por ser ele um Cabernet Sauvignon, ter 12% de álcool ou por ser da safra recente de 2007. Escolho meus vinhos pelo preço: O mais barato me ganha. O mesmo nem sempre acontece com os cigarros, apesar de me deixar levar por marcas baratas na falta de. Quanto aos amores e amizades, prefiro não comentar.
E olho simples a chuva cair. O que vejo da minha janela é uma das obras mais medíocres que a arquitetura urbana já criou. Minha grande janela, antiga e verde, dá para uma garagem. Sim, uma garagem que ocupa tanto espaço para guardar automóveis que pouco deixa para o céu. O céu é obstruído por uma antena mal criada que libera fios e mais fios de modernidade.
Debaixo de minha janela, pousam fáceis vasos de flores não menos medíocres, embalados em papéis de presente cafonas. O som que se ouve é de motor, constante e chato e denso. Deixo o incenso se consumir no ar da janela e penso, penso e penso. As gotas de chuva me são como bálsamos filosóficos; a solidão me é escape para analisar os pormenores da vida.
A cada dia que passa, me torno mais insuportável. Tenho o estranho costume de gostar daqueles que todos odeiam. Sempre preferi ser odiada. Mas hoje é um dia “feliz”, me sinto aliviada com o dever cumprido, mesmo que o dever de um jornalista nunca acabe, só continue, eternamente. Assim acontece com os amantes da vida, como eu e como tantos. A paixão nunca acaba, só adormece para que consigamos fazer o que precisa ser feito. E depois retorna.
No momento, fujo, e como fujo. Meu olhar de repente se perde no brilho fosco das luzes da noite que vem. “Não se pode ter tudo”, penso. E não se pode mesmo. Longe das páginas dos jornais, sou a menina debaixo do guarda-chuva que tem medo de temporais. Amo tão ferozmente que prefiro não amar. Prefiro o ódio. Prefiro a indiferença. Prefiro a solidão. Com o passar do tempo, aprendi a frear os meus impulsos. Quando vejo que estou no ápice da minha agonia, eu retrocedo.
E como poderia não retroceder? Não me jogo na fogueira de Torquemada como antes. Sei bem o que posso querer e o que não posso querer. Não sou digna dos quereres altivos, não sou digna do que não posso ter. O que tenho me basta. E o que mais posso querer? Há de ser a idade. Há de ser o mal da raça solitária ou talvez o vinho ou a chuva leve lá fora, o inverno aqui dentro, o sonho desfeito, o amor mal feito, o juízo adquirido ou a infância interrompida. Há de ser problema meu e agora teu, que me queres, ou que apenas diz me querer.
Não confio em humanos e Deus já não existe nessas horas. Paro, penso de novo, retomo a razão e adormeço insone, crente de que tudo será diferente e ainda mais mágico na próxima estação.

sábado, 8 de agosto de 2009

a um mestre de calças


me explica como você pode me conhecer mais do que eu mesma, me explica o calor que emana do meu espírito em contato com o seu, me explica essa saudade mútua que corta, me explica tudo. ando por montanhas que você já não anda, meu medo me impele para os relevos que correm longe de ti. faça um novo exemplar de você mesmo e me envie ou então me espere em outra vida. deixe eu me pintar pra você do jeito que eu quiser, deixe eu me derreter em acordes velozes, deixe eu te pintar com tintas de ácido se eu quiser. tua máscara se dissolve, tua música se alonga, teu peso se dissipa. lembro que te vi, barba crescida debruçada em livros de consulta local; lembro de ti, jaqueta de couro preto abraçando diários poéticos; lembro que te vi, aliança reluzente de ouro dizendo em focos luminosos: “se afaste, quem sabe em outra vida”. lembro de você e de suas crenças, seus ritos, suas histórias dos tempos remotos do universo. somos feitos da mesma matéria. não despertamos nos horários previstos, não escrevemos o que pede a pauta. somos da mesma matéria, poética, inflamada, doente e quase viva. quem sabe em outra vida, quem sabe.