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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Tião, o Andarilho da Passarela


Minha vida é andar
Por este país
Pra ver se um dia
Descanso feliz


(Gonzaguinha -
Vida de Viajante)


Cidade pequena é assim: todo mundo conhece todo mundo, e basta avistar o rosto de um possível forasteiro que logo, logo se comenta. Foi assim com Tião, o Andarilho da Passarela, percebido pelos olhares curiosos dos moradores de Xanxerê nesta semana, ainda mais porque escolheu um lugar um tanto impróprio para esticar o seu pano: o ponto de ônibus que fica embaixo da passarela, na beira da estrada da BR-282.
Os moradores dizem que não é de hoje que ele perambula por aquelas bandas com o seu carrinho de papel, algo que ele mesmo confirmou. Como a Assistência Social da prefeitura não pôde passar informações sobre o destino do até então "sem nome" andarilho, a equipe de reportagem do Folha Regional decidiu procurar uma profissional especializada na Língua Brasileira de Sinais (Libras), Marisa Giroletti, para conversar com ele, já que ele é deficiente auditivo.
Muito amigável, Tião dormia quando chegamos, apesar de os caminhões de carga pesada passarem quase ao lado do seu travesseiro improvisado: um cobertor envolto em um pedaço de plástico. Assim que acordou e nos viu, abriu um sorriso e se dispôs a conversar, sem sair de sua (in)cômoda posição. Braços cruzados atrás da cabeça, pés encostados em um dos pilares do ponto de ônibus, Tião, e somente Tião – pois não soube dizer o seu sobrenome, tampouco escrevê-lo –, não tem carteira de identidade ou quaisquer documentos. O que leva consigo é uma carteira de habilitação de categoria própria para dirigir caminhões e outros documentos de um caminhão, porém, nenhum deles é seu.
Várias de nossas perguntas não puderam ser respondidas por Tião. De acordo com Marisa, ele não se comunica em Libras, pois usa gestos caseiros e leitura labial. "Ele fala pausadamente e usa palavras-chave. Quando questionado, ele olha bem para a boca da pessoa e faz leitura labial. Alguma coisa entende através de gestos, mas são gestos naturais, e não aqueles da língua de sinais", explica Marisa. Para ela, o andarilho ficou surdo depois de adulto, e é hoje um surdo oralizado.
O que conseguimos compreender é que ele não tem casa, mulher ou filhos; sua mãe morreu e de seu pai não sabe nem mesmo o nome. Entretanto, tem um irmão chamado Jorge, mas não pode mais morar junto dele. "Ele faz muitos sinais que dão a impressão de que ele é de um lugar mais distante do que Chapecó." O andarilho nunca teve casa, morava com o irmão, e agora ganha ou compra comida no restaurante do Posto Gueno, assim como o cigarro que acendeu no fim da entrevista. "Perguntei se ele gosta de beber, e ele respondeu, sorrindo, que sim; que gosta muito de beber... Mas é muito tranquilo, não me pareceu uma pessoa agressiva, e sim bastante simpático. Ele deve viver de doações, porque o que tem no carrinho são as coisas dele, não é para vender", lembra a intérprete. Segundo ela, ele não apresenta deficiência mental. Troca de roupa, mas provavelmente não tomou como rotina a higiene pessoal.
Na opinião de Marisa, é preciso encaminhá-lo para outro local, porque ali ele está atrapalhando. "Está num ponto de ônibus; podem ter mulheres que querem pegar o ônibus, ou estudantes, à noite, e de repente ele pode estar bêbado e não gostar de companhia. Não se sabe qual é o comportamento dele alcoolizado. Além disso, o carrinho atrapalha a visão dos motoristas de caminhão."

Profissional especializado

Um dos compromissos do prefeito eleito Bruno Bortoluzzi é inserir um profissional intérprete no Poder Público, na prefeitura ou na Secretaria de Desenvolvimento Regional (SDR). "Se tivesse esse intérprete, que entendesse da linguagem dos sinais, ele poderia até mesmo acompanhar o prefeito e outras autoridades em entrevistas na TV, porque os surdos também assistem e precisam de acesso às informações", afirma Marisa, citando como exemplo os comunicados em rede nacional.
Para resolver essa questão, está sendo discutida a possibilidade de abrir um concurso direcionado à área de Educação Especial. Um intérprete poderia acompanhar os deficientes auditivos às consultas médicas, ser útil nas sessões da Câmara de Vereadores ou, em um caso como o de Tião, auxiliar a comunicação, mais do que uma pessoa leiga conseguiria. "Nós fizemos isso de maneira voluntária, mas a profissão de intérprete é uma profissão como outra qualquer", conclui.

(Publicado no Folha Regional em 6 de fevereiro de 2009)

2 comentários:

fabita . disse...

mania de andarilho.

fabita . disse...

jornalismo provinciano.