Era final de 1992 ou início de 1993. Estava deitada, no auge da minha infância, no chão da sala, agarrada a uma edição da Revista Manchete. No rádio, tocava um hit daquele tempo – uma versão nacional da música Words, do Bee Gees. “São só palavras, e palavras são tudo que tenho”... Eu não era lá uma leitora assídua de revistas, mas uma grande reportagem me prendeu a atenção naquela noite.
Falava do Caso Araceli, menina de apenas oito anos, mais ou menos a minha idade na época, que havia sido estuprada e morta em 1973. Nas páginas da Manchete, Araceli em fotos de família, com sorrisos tão lindos e tão puros, que me transformaram para sempre. Aquele sorriso violado, aquele acesso ao lado mais pútrido da humanidade, me marcaram fundo.
Nos dias que seguiram, uma ideia estranha: me vestir igual a ela, com aquelas roupas estilo marinheiro, moda no início dos anos 70. Além da idade, a franja e o rosto – com aqueles olhos profundos, eu também já tinha. Não sei o que houve comigo, mas a reportagem me tocou tanto que hoje, quase 40 anos depois deste que foi um dos crimes mais bárbaros registrados no país, ainda não solucionado, e quase 20 anos depois daquela leitura intensa, o Caso Areceli ou “Crime Araceli”, como ficou conhecido, ainda me causa grande desconforto.
Não sou a pessoa indicada para dizer o motivo deste apego ao caso, mas, acredito que como ser humano, me senti tocada por tamanha crueldade e tamanha identificação. “Podia ser comigo”, devo ter pensado, provavelmente. E hoje, ao rever os frames do crime hediondo, penso: “podia ser com quem eu amo”.
Crônica feita em alusão ao dia 18 de maio, “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário