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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Quinze minutos


A história de Ica, um alcoólatra em recuperação que procurou
ajuda e conseguiu, de quinze em quinze minutos, seguir sem o álcool

O envolvimento com o alcoolismo de Valdir Cavalli, o Ica, começou cedo, com apenas oito anos de idade. Ica morava com os pais e o avô – um professor aposentado que bebia uma garrafinha de Pepsi Cola de cachaça por dia. Incumbido da tarefa de comprar a bebida, o menino experimentava a cachaça na estrada de volta da bodega. Chegando próximo de casa, completava com água do rio o que havia tomado, para que o avô não percebesse a diferença.
“Cada vez que eu fazia isso, meu avô reclamava com a minha mãe que o bodegueiro o estava enganando. Eles não sabiam que eu mesmo a tomava”, conta Valdir que, através de entrevistas, constatou que a história se repete ainda hoje com crianças de oito a dez anos. “Noventa por cento das crianças confirmam já ter experimentado bebida alcoólica. Ou tomaram uma caipirinha que o pai ofereceu, ou um gole de cerveja, ou um vinho adoçado. Isso é um perigo”.
Na concepção de Ica, o avô foi um exemplo. Apesar disso, ele não vê no avô ou em seus pais, a justificativa para o seu problema com a bebida. A curiosidade infantil o fez experimentar a cachaça, vontade que foi aumentando com o passar do tempo. “O alcoolismo é uma doença e ela é progressiva. Ninguém começa bebendo dois litros de cachaça por dia”, quantidade ingerida por ele antes de parar de beber.
Adepto da máxima: “Evite a ressaca. Mantenha-se bêbado”, Ica bebia um dia porque estava alegre, outro porque estava triste; um dia porque estava sem dinheiro, outro porque tinha dinheiro. “Quando há um alcoólatra em uma família, todas as pessoas são prejudicadas. A pessoa que bebe pode não perceber isso, mas além de prejudicar a si mesmo, ela pode atrapalhar a vida de vinte, trinta ou quarenta pessoas diretamente envolvidas com ela”. Em um dia o alcoólatra pode agir de maneira agressiva e no dia seguinte fingir que nada aconteceu. “O alcoólatra lembra sim do que faz e as pessoas lembram muito mais”, salienta.
“Você apronta em um bar hoje, ou maltrata uma pessoa, diz um palavrão, e amanhã passa e faz de conta que não fez nada, só que a pessoa está sentindo ainda. Um exemplo disso é o marido alcoólatra que chega em casa e xinga a mulher. No outro dia ele lembra, mas fica na dele. A mulher vai guardando rancores e mais rancores, assim como todas as pessoas que são ofendidas pelo alcoólatra. Dificilmente alguém vai cobrar a atitude, até porque tem medo, já que o alcoólatra se torna alguém muito explosivo”.
Potencializado pelo álcool, o lado negativo do ser humano aflora ao menor sinal de contradição. Entretanto, o doente alcoólatra não associa o álcool aos problemas sociais que enfrenta. Ica largou os estudos e teve dois casamentos malsucedidos. Na época de seu primeiro casamento, quando morava em Porto Alegre, Valdir vira sua esposa partir com apenas dois anos de vida conjugal. No inverno, Ica ia trabalhar e levava a cachaça dentro de uma garrafa térmica. Passava pelo portão da guarita e tomava a pinga – que dizia ser café –, durante o trabalho. “Eu trabalhava à noite em um frigorífico e depois das 2h da madrugada eu fazia hora extra, o chamado serão. Das 2h às 6h eu tomava cachaça. Ia para casa, bêbado, a mulher já tinha ido trabalhar, e eu ia dormir. Dormia o dia inteiro. À noite levava mais uma garrafa e assim foi indo, até que descobriram e me deram a conta”. Mesmo encontrando outros empregos, ele continuava a beber. Não passava de seis meses em um lugar. A mulher então o abandonara após uma briga entre eles e o pai da moça. O motivo, é claro, o alcoolismo.
Dois anos depois, no Paraná, Valdir se casaria novamente. Por quatro anos, a outra esposa o aguentara. “Quando ela me abandonou, eu achei que estava com a razão. Dizia que ela não prestava, que era uma vagabunda, que tinha outro homem. Ciúme. Na realidade, depois que eu parei de beber, eu fui ver que essa razão só existia na minha cabeça, na minha imaginação, e que não havia motivos, pois os motivos eram causados por mim. Eu via coisas que não via quando estava sóbrio”, conta Ica. Posteriormente, ele reconheceu que a mulher era uma boa pessoa. Ela até mesmo o procurou cinco anos após ele ter parado de beber, mas o relacionamento não foi reatado pelo medo que ele tinha de magoá-la novamente.
Enquanto bebia, Ica era muito discriminado. Isolou-se e foi isolado da sociedade, sofrendo bastante com a distância da família. “Entrei em períodos depressivos, tinha vontade de me matar. Dormi na rua, em portas de igreja, emprego eu não conseguia, quando conseguia era um trabalho pequeno, como de carpir um lote. Era aquele servicinho feito em um dia ou meio dia. Porque a sociedade é capaz de dar mais valor a um ladrão, a um bandido ou assassino do que a um doente alcoólatra. O alcoólatra é visto como um indivíduo inútil na sociedade. É aquela pessoa que só serve para causar confusão e não como um doente que pode, por meio de tratamento, mudar de vida”.
E para aqueles que não acreditam que exista vida pós-alcoolismo, Valdir é um exemplo de que isso é sim possível. Depois de várias tentativas frustradas, tentando se convencer de que conseguiria se livrar sozinho da doença, o A.A. (Alcoólicos Anônimos) e a sua fé em Deus foram definitivos para sua recuperação. Aos 51 anos, ele está longe do álcool há 18. “É uma nova vida. Eu nasci de novo. Mesmo assim, eu nunca vou deixar de ser um doente alcoólatra. Não existem ex-alcóolatras, existem alcoólatras em recuperação”. Através do A.A., Ica conseguiu atingir objetivos que lhe pareciam impossíveis. Ele voltou aos estudos e há doze anos, finalmente, conseguiu formar uma nova família, ao lado da terceira esposa e dos filhos.
Até então, lhe faltava a coragem de admitir que era um alcoólatra. “Eu dizia: ‘Não, eu não sou bêbado. Eu bebo quando eu quero. Se eu não quiser beber eu não bebo.’ Mas as coisas não eram bem assim. Eu não tinha controle. Depois do primeiro copo, eu queria beber todos. Cheguei até mesmo a mendigar um copo de cachaça, porque não tinha mais dinheiro para comprar, via as pessoas bebendo e pedia pelo amor de Deus que me dessem um gole. Eu não tinha coragem de dizer: ‘Eu preciso de tratamento; eu preciso dessa sala.’ E a partir do momento que eu conheci os Alcoólicos Anônimos, tive uma visão totalmente diferente do que é ser um doente alcoólatra”.
O alcoolismo, não escolhe idade, sexo, cor, religião ou classe social. É constatado pela medicina como uma doença incurável, que pode ser amenizada com o apoio das pessoas, através de muita conversa e troca de experiências, algo que acontece no A.A. “Decidi que a partir daquele dia eu ia fazer o programa do A.A. que é de 24h sem álcool, mas tive que fazer de quinze em quinze minutos. A cada quinze minutos eu pedia ao meu poder superior, que é Deus, que me desse esse tempo para ficar sem o álcool. Logo que eu parei, uns quinze ou vinte dias depois, me deu uma crise muito forte. Tive queda de pressão, cólica renal e problemas com o fígado. Achei que ia morrer. Não vi mais nada e quando percebi estava internado num hospital de Francisco Beltrão. Não sei como me levaram. Dizem que me deram por morto. Minha pressão estava 3 por 5. Todo amarrado, soro por todo o lado. Consequência da reação que meu corpo teve pela falta do álcool”.
Após ter largado a bebida, ser aceito na sociedade foi outro processo doloroso para Valdir. A comunidade lembrava dele pelo que fazia nos tempos de bar. “As pessoas me enxergavam como aquele alcoólatra de antes”, lamenta Ica. Comportamento que só foi mudando com o passar dos anos, diante das mudanças apresentadas por ele. “Você pode fazer dez coisas positivas e uma negativa, as pessoas vão lembrar daquela coisa negativa. Mesmo assim, hoje eu ando de cabeça erguida”. Porém, ele não nega que no passado causou mal a muitas pessoas. Intrigas e desavenças na própria família o marcaram para sempre.
Ica ainda foi dono de bar por nove anos, seu ganha-pão. Sem poder beber, lá ele via as pessoas se transformarem após algumas doses, o sofrimento pelo qual elas passavam, falando coisas sem sentido, esquecendo o caminho de casa. Hoje, ele lidera um grupo de A.A. em Flor da Serra do Sul, ao lado de apoiadores e outros alcoólatras em recuperação. “Sem Deus, a pessoa não é nada. Aquele que não acredita em Deus dificilmente vai alcançar um objetivo na vida. Porque hoje, se eu sou o que sou, é porque Deus me deu esse poder”, finaliza.

Valdir Cavalli (Ica) é professor de Língua Inglesa em uma extensão da Escola Nossa Senhora da Glória, onde dá aulas para o 1º ano do ensino fundamental. É também tutor de Pedagogia e aluno do Curso de Letras (Língua Portuguesa e Espanhola) no Pólo da Universidade Aberta do Brasil de Flor da Serra do Sul.

(Publicado no Sentinela do Oeste em 1º de outubro de 2009)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Retalhos de dramas humanos


CPA Identidade provoca reações ao trazer o público para o Vale da Sombra da Morte
Na penumbra do Vale da Sombra da Morte, iluminado por algumas poucas velas no hall de entrada, uma voz ousa furar o silêncio com poesia. Mas a ousadia não parou por aí, pois era só o início da pré-estréia da peça “Retalhos”, do CPA (Centro de Produções Artísticas) Identidade, na noite de terça-feira, 6 de outubro.
O pavilhão da Igreja Matriz Nossa Senhora das Graças foi invadido por seletos habitantes de um leprosário – Bimbo, Augusta e Zeca, a espera de um Corvo, símbolo de esperança e sobrevivência, mesmo que vaga e precária –, lugar inalcançado por qualquer resquício de benevolência humana ou divina. Assistidos pela comunidade escolar do Colégio Estadual Claudino Crestani, os atores trouxeram um drama que trata de fé, preconceito e milhares de outros signos subjetivos que compõem o enredo, escrito originalmente por Vilmar Mazetto, de Francisco Beltrão.
“Retalhos”, sob a ótica do Centro de Produções Artísticas Identidade, acabou ganhando uma nova roupagem, elaborada por um dos atores, Rodrigo (Guigo) Mingori, que, além de também dirigir a peça, ao lado do ator e diretor do grupo Mateus Dal Ponte, deu à trama pinceladas autorais, porém preservando o enredo-base da peça original e seus personagens.
Uma peça histórica, anacrônica e herética, que se passa por volta de 1900, no leprosário – lugar em que a sociedade jogava os leprosos para morrer. “Apesar de ser uma peça de época, o público pode chegar a conclusão de que não se passa em 1900, mas sim em 2009”, explica Mateus, que é também acadêmico de Artes Cênicas da Unoesc (Universidade do Oeste de Santa Catarina) Campus São Miguel e professor de teatro em Guarujá do Sul (SC). A peça, assim como a arte, na visão de Dal Ponte, faz com que o público pense a respeito de questões despercebidas do cotidiano. “O teatro serve para instigar algum pensamento, algum questionamento sobre a vida e sobre as convenções sociais”, complementa.
Ora com Black Sabbath ao fundo, numa das mais clássicas músicas da banda (Black Sabbath), ora com “Canto Para Minha Morte”, de Raul Seixas, sendo cantada a plenos pulmões (“Vou te encontrar vestida de cetim/Pois em qualquer lugar esperas só por mim”...) o grupo mostrou a que veio, sincronizando música e sentido, entre dicotomias que envolvem fé e religião, sofrimento e ateísmo.
A peça, vista pelos alunos durante todo o dia 6 e pelo público geral no dia 7, fará parte do I Festejo (Festival de Teatro de Joaçaba), organizado pela Unoesc de Joaçaba, que acontecerá no dia 17 desse mês. Entre mais de 70 inscritos, apenas dez foram selecionados e o grupo de Palma Sola foi um deles, junto de grupos com vinte e trinta anos de estrada. Os critérios de avaliação foram o currículo do diretor, a sinopse da peça e o histórico do grupo.
Essa será a primeira vez que o CPA Identidade se apresentará em um festival catarinense de teatro. No Paraná, o grupo participou de quatro edições do festival de teatro de Planalto, tendo ficado em primeiro lugar em duas edições, e de diversas mostras de teatro em Pato Branco, Chopinzinho, Francisco Beltrão, Capanema e Planalto.
O Centro de Produções Artísticas Identidade existe há sete anos e nasceu nos tempos de escola, quando ainda se chamava Grupo de Teatro Claudino Crestani. Do grupo inicial, quatro pessoas permaneceram. O novo nome serviu para desvincular o grupo da escola, procurando seguir uma linha mais profissional, com ensaios e trabalhos contínuos, sempre com a intenção de fazer alguma diferença social, na região e principalmente em Palma Sola.


(Publicado no Sentinela do Oeste em 8 de outubro de 2009)

Luiz Hermete Arisi: “Laçado” pela política



Escolhido no barbante, Arisi foi o primeiro vice-prefeito de Salgado Filho. O aposentado conta a história dos seus 79 anos

Conhecer a vida de Luiz Hermete Arisi é conhecer um pouco da história de Salgado Filho (PR). Com alguma dificuldade, entrevistamos o primeiro vice-prefeito do município, que teve perda significativa da audição – um problema hereditário, potencializado por conta dos derrames que sofreu. Apoiado em sua bengala, o homem atrás dos olhos azuis e do cabelo grisalho é um interessante personagem da região, exemplo de amizade e de luta.

Vindo do Rio Grande do Sul, Luiz Hermete Arisi chegou em Salgado Filho – pertencente ainda ao município de Barracão (PR) – em 28 de dezembro de 1958, já com a intenção de ser comerciante. Ex-motorista de ônibus, Arisi enfrentou dificuldades financeiras no Rio Grande do Sul. Aceitando o convite de um cunhado que morava na região e tinha um pequeno comércio. Abriu então em Salgado Filho a firma Comércio e Exportação de Cereais Fronteira LTDA, com o cunhado e um sócio que morava em Marmeleiro (PR). Do Rio Grande, trouxe um caminhão novo, que serviu como ferramenta de trabalho nas terras paranaenses.
Em 1958, o gaúcho nascido em Marau (RS) a 5 de maio de 1930, aos 28 anos, já era casado e tinha um filho. A esposa conheceu ainda no tempo de escola. Teve seis filhos, três homens e três mulheres, onze netos e dois bisnetos. Mas foi mesmo o trabalho que ocupou boa parte da vida de Luiz. “Naquele tempo, tudo era difícil. As estradas eram conservadas a braço. Então faça ideia: um caminhão no meio de tocos e paus”.
Depois de muito esforço, os lucros começaram a aumentar. “Quase dobramos o capital”, conta Arisi. A abrangência da companhia era grande, principalmente nas bodegas do interior. Mais caminhões foram comprados e os destinos das viagens se tornaram mais distantes. “Eu tinha um cunhado, José Santin, já falecido, que viajava nessas estradas. Ia para o Rio de Janeiro com aquele Mercedão carregado de feijão”.
Com muito trabalho e muita luta, Arisi começou a ficar conhecido. “Agora estou careca e andando de bengala, mas trabalhei muito. Não só no comércio, mas na política também”. Depois de sofrer ataque epilético, ele acabou vendendo o caminhão.

E a política o pegou...

“A vida não é a gente que escolhe, parece que é o destino que escolhe. Em 1964, a política me pegou. Aquela foi a maior besteira que eu fiz”, lança Arisi, o primeiro vice-prefeito de Salgado Filho. Tudo começou em uma reunião para a qual foi convidado sem saber o motivo. “Eu fui pra conhecer o tal de deputado Arnaldo Busatto*, mas eu não sabia que a finalidade maior da reunião era para escolher um candidato a vice-prefeito e apresentar o candidato a prefeito que ele tinha escolhido [Adolfo Rosewicz]”.

“Fui lá na reunião, fiquei meio para trás, o pessoal começou a conversar e a conversar. Fiquei gostando da conversa. Depois de apresentar o candidato a prefeito, ele disse que queria escolher o candidato a vice. Conversa com um, conversa com outro, conversa aqui e conversa ali. Ninguém se ofereceu. ‘Mas então me apontem um. Um desses aqui está bom’, Busatto disse. Ninguém falava. Quieto. Eu estava ali meio sem saber de nada, não entendia de política naquele tempo. O deputado tinha um barbante e fazia um trançado no dedo. E trançava e trançava e trançava. De repente, ele disse mais uma vez: ‘Vamos, vamos. Escolham o candidato a vice. O Dr. Adolfo está esperando para conhecer o candidato a vice de vocês. Essa é a nossa terra, é a terra de vocês...’, dizia ele, com aquele barbante. Olhou pra um, olhou pra outro. ‘Mas vocês não vão escolher mesmo o candidato? Então escolho eu’. Ele pegou aquele barbante, abriu e me lançou. ‘É esse aqui.’ Foi mais do que me jogarem um balde de água quente no rosto. Fiquei vermelho que nem um peru. Falei: ‘Ih, eu não. Eu não entendo nada de política’. E o deputado: ‘Não precisa entender, nós te ensinamos’”, relata Luiz Arisi, aplaudido por todos na ocasião.

Em 1960, as primeiras eleições municipais tiveram no total 786 votos, incluindo as comunidades de Flor da Serra e Manfrinópolis, que mais tarde emanciparam-se. Uma só área, com um total de 468 quilômetros quadrados, pertencentes à comarca de Santo Antônio. Um tempo em que prefeito e vice eram escolhidos separadamente. “O prefeito tinha uma cédula e o vice tinha outra cédula. Tinha que se eleger mesmo, não é que nem hoje que um vai na garupa do outro”.
Adolfo Rosewicz havia vindo de Curitiba. Um médico que não votava em Salgado Filho. Pela sorte de Arisi, o primeiro prefeito havia sido vereador em Curitiba e conhecia um pouco de política. Já o candidato a prefeito do outro partido, amigo de Arisi, era farmacêutico. “Ele era farmacêutico, mas o outro era médico”, justificando a escolha do povo. “Ganhamos as eleições. Não muito folgado, mas ganhamos. Dr. Adolfo ganhou com 69 fotos e eu com 71”.
Só que depois da campanha e da vitória, vieram as responsabilidades. Os novos governantes tomaram posse na Comarca de Santo Antônio. Chegando em Salgado Filho, prefeito, vice e vereador não tinham onde ir. Não havia prefeitura. Era uma terra sem lei. “Não tinha um lápis, um papel ou uma caneta que se podia dizer que era da prefeitura. Nada, nada, nada”, se empolga Arisi, batendo a bengala contra o chão.
Era hora de trabalhar. Alugaram uma sala de dois cômodos para instalar a prefeitura. Ali funcionava tudo. O tempo foi passando e “o médico de Curitiba” não agüentou o fardo. “Ele consultava muitas pessoas, mas ninguém perguntava: ‘Quanto é que custa?’ E o salário do prefeito estava atrasado”.
No início da década de 60, não havia ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). “Era um tal de Artigo 20. Tinha que ir no estado, conversar com o deputado para conseguir as verbas de retorno. Até quando entrou a nova constituição, com o presidente Castelo Branco, os prefeitos não recebiam um centavo sequer de ICMS e nem do fundo de participação dos municípios (FPM) chamado de Artigo 15. A arrecadação da prefeitura vinha um pouco de alvarás e depois da aprovação de uma lei, conseguimos cobrar uma taxa rodoviária anual, para a construção de estradas. A ‘sorte’ é que na época vereador não recebia salário.”
Após Dr. Adolfo ter abandonado o cargo de prefeito, em 1966, com algumas dívidas no caixa, Arisi assumiria em seu lugar. Com a revolução de 1964, tudo mudou, inclusive as questões econômicas da prefeitura. A partir daí, Arisi veria dinheiro. Com o fundo de participação dos municípios, já não era preciso ir até Curitiba pedir a verba. Vinha tudo direto para o banco. “Com dinheiro, a gente vira bom prefeito”.
Terminando esse mandato, Luiz pôde se candidatar novamente, vindo a se eleger em 1968. Comprou patrolas e tratores de esteira para construção de estradas. Ser prefeito em pleno período militar, segundo Arisi, não foi tarefa difícil. “Pra mim, o Regime Militar fez o Brasil crescer. Não havia interesse próprio e sim o interesse da nação”.
Nesse período, Luiz conseguiu apertar a mão de três presidentes da República. “Um deles não foi bom: O tal de Arthur da Costa e Silva. E era gaúcho ainda o danado. Um dia, ele reuniu toda a prefeitaiada do Paraná, lá em Curitiba, e passou a conversa em nós. Naquele tempo, as prefeituras recebiam 20% da arrecadação da nação (FPM – Fundo de Participação dos Municípios), que era distribuído para os municípios. Ele disse que era preciso dar um corte na arrecadação porque queria pagar as dívidas do Brasil. Cortar ele cortou, mas dívida do Brasil acho que ele não pagou foi nada”.
A porcentagem do FPM nunca mais voltou a ser a mesma. De 20%, ficou em 10%, ou seja, foi cortada pela metade. “Aí ficou difícil, porque o pessoal estava acostumado a ser bem atendido e tocou de encurtar a corda. Não era fácil. Área grande, bastante gente para atender, mas com jeito ia. Já tinha experiência, sabia onde ir, os deputados me conheciam... mas tudo termina”, diz Arisi, depois de uma longa pausa.
Depois do fim da carreira política, Arisi foi passar um tempo em suas terras. “Eu fui me esconder, porque eu não agüentava mais conversar com o povo. Troquei as conversas com o povo, pelas conversas com os bois. O tal de ser prefeito tem horas que é bom, mas tem horas que não presta”. Atualmente, um dos filhos de Arisi, Alberto (Beto), é prefeito de Salgado Filho. “Agora, tem os computadores que ajudam, a internet... No meu tempo não tinha isso, tinha só aquela maquininha de bater, nem mimeografo tinha para fazer uma cópia”.
E o que Arisi deixa depois de uma vida de experiências inusitadas, viagens e contato com tantas pessoas? “Para conhecer bem a pessoa, é preciso fazer negócio. Quando se faz o negócio certo, a pessoa fica amiga. Quando a gente consegue mais um amigo, é mais uma alegria no coração. Quando não se tem amigo, não se tem vida. E quando a maioria é amigo, a gente se sente bem e gosta de viver. O que eu sei é isso, a experiência da vida. Eu gosto de Salgado Filho porque gosto das pessoas que vivem comigo. Eu não vou sair daqui, não. Vou ficar em Salgado Filho até o fim da vida. Já pensei até na minha morada do fim da vida. Tenho minha capelinha pronta no cemitério, vou ficar junto daqueles amigos que eu conheci e que já estão lá...”.

* Arnaldo Busatto fundou o município, era médico, representava Salgado Filho e a região, ficando a frente do comando político.

(Publicado no Sentinela do Oeste em 8 de outubro de 2009)