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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Caso Araceli ou os tecidos de flanela da infância

Era final de 1992 ou início de 1993. Estava deitada, no auge da minha infância, no chão da sala, agarrada a uma edição da Revista Manchete. No rádio, tocava um hit daquele tempo – uma versão nacional da música Words, do Bee Gees. “São só palavras, e palavras são tudo que tenho”... Eu não era lá uma leitora assídua de revistas, mas uma grande reportagem me prendeu a atenção naquela noite.
Falava do Caso Araceli, menina de apenas oito anos, mais ou menos a minha idade na época, que havia sido estuprada e morta em 1973. Nas páginas da Manchete, Araceli em fotos de família, com sorrisos tão lindos e tão puros, que me transformaram para sempre. Aquele sorriso violado, aquele acesso ao lado mais pútrido da humanidade, me marcaram fundo.
Nos dias que seguiram, uma ideia estranha: me vestir igual a ela, com aquelas roupas estilo marinheiro, moda no início dos anos 70. Além da idade, a franja e o rosto – com aqueles olhos profundos, eu também já tinha. Não sei o que houve comigo, mas a reportagem me tocou tanto que hoje, quase 40 anos depois deste que foi um dos crimes mais bárbaros registrados no país, ainda não solucionado, e quase 20 anos depois daquela leitura intensa, o Caso Areceli ou “Crime Araceli”, como ficou conhecido, ainda me causa grande desconforto.
Não sou a pessoa indicada para dizer o motivo deste apego ao caso, mas, acredito que como ser humano, me senti tocada por tamanha crueldade e tamanha identificação. “Podia ser comigo”, devo ter pensado, provavelmente. E hoje, ao rever os frames do crime hediondo, penso: “podia ser com quem eu amo”.

Crônica feita em alusão ao dia 18 de maio, “Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”.  

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