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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quem tem medo de Mirisola?

Ainda estou pensando em como falar de “Proibidão”, de Marcelo Mirisola, sem assustar ninguém. Primeiro vou falar da minha surpresa ao ler “São Miguel do Oeste” entre as linhas do texto “Terapia do Amor”. “Às vezes sinto saudades dos tempos que eu era um chapeirinho sonhador sem dinheiro no bolso e sem parentes importantes, vindo do interior gelado de São Miguel do Oeste, que divisa com a Argentina. Saudades da Alaíde e, vá lá, saudades do Brecão.”

Sim, ele deu uma leve plagiada em Belchior: “Eu sou apenas um rapaz / Latino-Americano / Sem dinheiro no banco / Sem parentes importantes / E vindo do interior...”, mas não estava nem aí. Nunca se sabe quais são os limites entre realidade e ficção de Mirisola. Mistura supostos personagens de sua infância nebulosa com figuras conhecidas nacionalmente, como Padre Marcelo Rossi e Bispo Edir Macedo, em críticas tão rasgadas que imagino estar ele, o autor, e sua editora “Demônio Negro”, imersos em processos.

Nem Paulo César Pereio, ator saído de Alegrete (RS), escapou das garras de Mirisola, apesar dele ser fã de Pereio. O que o autor critica é o apreço do público jovem por caras do passado, como P.C.P. e Cartola, como se tal apreço fizesse apenas parte de um modismo vazio (que redundância), ou coisa que o valha, que não condiz com a realidade desse público.

Esculacha a Revista Piauí – meio considerado como sinônimo de cult hoje em dia – como sendo revista de maurcinho (tive que rir, tem toda razão) e até desdenhou o “baiano profundo”, Jorge Amado.

Não é o tipo de livro e de autor politicamente corretos, ainda bem. Os dois são bastante divertidos, mas também rabugentos. Em quase todos os capítulos, principalmente em “Bangue-Bangue”, Mirisola mostra a sua rabugice. Já em “Um pouco de lirismo” traz crônicas mais amenas, apesar do escracho costumeiro, a exemplo de “Valentina e o Laranja Intenso”.

Se vale a pena? Claro que vale. Não é todo dia que se encontra um autor (ou seria um personagem?) que admite ser adepto do papai-e-mamãe em tempos de atletismos sexuais.

Gimmicks de um universo paralelo


“Trabalhos Divertidos”, exposição de Éder Minetto, segue para o Celeiro Center onde ficará até o dia 7.

A exposição “Trabalhos Divertidos”, de Éder Minetto, parte do Projeto Unocultural, que até ontem estava no Ateliê de Marlowa, segue a partir de hoje (1) para o Celeiro Center, onde ficará até o dia 7.

Designer, Minetto busca a diversão em seus trabalhos. Motivo que deu nome à sua primeira exposição. Sócio do Estúdio Alice, fez carreira na área publicitária. É formado em Design Industrial e pós-graduado em Gerenciamento de Projetos.

Diz ter pensando na “rebarba industrial” para compor seu trabalho e através dela criou personagens, os gimmicks, ou seja, mascotes publicitários. Porém, nas palavras de Minetto, são gimmicks que de tão feios, jamais poderiam ser selecionados para campanhas da Coca-Cola ou de grandes redes de supermercados.

A criação de Minetto mostra que um bom trabalho também pode surgir da diversão. Na exposição, quadros do cotidiano de um lugar em que seus mascotes podem viver livres e felizes. Um universo paralelo, elaborado por meio de uma grande mistura de objetos, criado por Minetto.

Para quem gostou do trabalho de Éder Minetto, segue o Flickr do designer: http://www.flickr.com/photos/ederminetto/

Lugar de artesanato é na rua!





















O artesanato em série de Luíz da Silva encontrou na rua o seu meio de divulgação.

Luíz da Silva levou sua arte para as ruas. Em cima de sua caminhonete vermelha, no centro da cidade, na quinta-feira, alocou estatuetas, imagens de santos, bustos egípcios e infinitas peças de artesanato fabricadas por ele no Quedas do Palmital, onde tem uma pequena loja. A rua, é o seu meio de divulgação.

Chapecoense, morou no Rio de Janeiro por mais de vinte anos. Lá, estudou na Escola de Belas Artes e se dedicou à restauração de arte sacra em igrejas. “Eu me encontrei com a arte. Eu gosto, sempre gostei de arte”, comenta.

Em Chapecó, há cinco anos trabalha com o artesanato em série. Desenvolve moldes de borracha e fibra e trabalha com o gesso e com o cimento. Depois disso, vem a pintura. Processo que faz sozinho e dá a ele o título de único artesão de artefatos de decorações da cidade.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O artista das cores


Com a câmera nas mãos, deu luz à paixão antiga: a fotografia.

Longe da redação, após visitar a exposição “Recortes Coloridos” no Shopping Itajoara, liguei para ele de um posto telefônico tão retrô que seria digno de Rodrigo Scandolara (Grau), autor das fotos que levei comigo da SG Arte Visual em forma de cartazes e espécies de cartões postais. Do telefone pesado e cinza, de dentro da cabine, confirmei a entrevista e minha ida à loja de Rodrigo, a Vintage Rouparia & Photoarte.

Andei castigada pelo sol e com os recortes coloridos ainda nas pupilas, em direção a Marechal Deodoro da Fonseca, rumo à casa de madeira de dois andares, onde encontraria o artista das cores. Novos recortes coloridos e texturas me preenchem os olhos na Vintage Rouparia & Photoarte. Do lustre que pendia gotas de cristal luminoso, da Marilyn Monroe de Andy Warhol no respiro da escada, dos quadros e das fotos dos Beatles e de John Lennon pelas paredes decoradas, dos papeis de parede e do sofá de veludo vermelho.

Fomos ao sótão para fugir da poluição sonora. Sentei em um banco de letras; ele em dois pufes enormes, entremeando fotos & imagens móbiles. Rodrigo, chapecoense, 26 anos, esboça passagens de sua trajetória pelo Direito. Escolha que não deu certo, já que sua tendência natural era mesmo a arte. Com a câmera nas mãos, deu luz à paixão antiga: a fotografia. Paixão embasada em estudo e curiosidade, praticada há mais ou menos quatro anos.

Em 28 de setembro, ele deu início à sua primeira exposição fotográfica. Convidado por Roberto Panarotto para acompanhar o projeto da Unocultural, Rodrigo passou o ano todo de 2010 fotografando ícones como Jorge Mautner, Júpiter Maçã e Wander Wildner. O último projeto do ano da Unocultural acabou sendo o trabalho do fotógrafo. Seu projeto se baseou em cores. Extraiu, de cada fotografia, a cor mais forte. “A proposta era fotografar os artistas fazendo o que eles gostam”, conta Rodrigo.

Com o gravador desligado, ele fala mais à vontade. Mostra seu conhecimento sobre maquinas fotográficas e relembra de quanto tempo faz que gosta de fotografar shows de rock. Mas, agora ele pretende seguir a sua carreira de fotógrafo de moda, elaborando catálogos, e se vê continuando o trabalho de direção de fotografia no cinema, algo que já tem feito na faculdade de Produção Audiovisual.

Quando e onde

Até o dia 7 de outubro, a exposição “Recortes Coloridos” fica na SG Arte Visual, no Shopping Itajoara. De 8 a 15 de outubro, as fotos de Rodrigo Scandolara (Grau) vão para o Celeiro Center.

domingo, 26 de setembro de 2010

A história do Velho Oeste pelos olhos de Fiúca



Introdução


Tem sangue de índio, mas é branco porque a mãe o lavava com água de cal. Ercílio Pedroso, brasileiro nato, nasceu em Chapecó, Santa Catarina, em 5 de fevereiro de 1932. “Às duas horas da tarde, me alembro até hoje, tinha um sol bonito que nem agora.” Demorou três anos para nascer, mas já nasceu jogando bola com a piazada, “pinchando” pedra nos passarinhos, com um bodoque na mão. Um piazinho inteligente, desde pequenininho. Só que não teve um segundo de aula até agora, também nenhum segundo de cadeia e nenhum segundo de hospital.

“Então eu gostaria de fazer uma reportagem com alguém do Chapecó. Porque aqui eu conheci com mais ou menos 200 casas. Aqui, foi feita a pracinha, mas só da metade pra lá, da metade pra cá, tinha uma bodeguinha de vender banana, de vender fruta. Essa rua aí que desce na rádio, só se descia de a cavalo. Na esquina de lá, tinha um matador de vaca, era banhadão. A piazada ficava matando passarinho, saracurinha, de bodoque. Aqui na esquina tinha o primeiro clube, de madeira, dois andares. Embaixo era o clube e em cima, moradia.”

É o Papai Noel, prove o contrário quem puder. Além disso, só trabalhou no brabo. Fiúca tinha 25 anos quando fizeram escola onde morava e a professora, 19, uma russa que o aceitou na turma porque ele era mais velho do que ela. “Só faço o meu nome male má. Não tenho profissão nenhuma. Enfrentei geada, chuva, sol. A maior parte do tempo fiz poço. Aqui tem três poços, com 33 metros de fundura. Fui eu que fiz os três. Trabalhei quatro anos com encanamento d’água, com 25 peões. Eu fazia 25, 27 metros de valeta por dia; os outros faziam 20, 22. Fui muito fera na picareta. Hoje, tô com 78 anos, mas se me botarem na picareta, ainda vou trabalhar.”

Chegado em um saravá, é desconfiado em relação aos médicos. “Porque eu tinha uma criança com seis meses e deu uma paralisia infantil e meningite. Tava tratando com o médico e o médico disse que era inflamação no intestino. Um dia, numa noite, eu ponhei uma oração no peitinho da criança para a criança não morrer. Eu vou te dizer que aquela febre que dá com a meningite e com a paralisia, parte a cabeça de qualquer pessoa. Digo que aquela febre é pra matar. Eu não sabia o que fazer. Pensei anssim, me veio na cabeça, pra eu pegar água de limão num prato, botar num pano e depois na cabeça da criança. Em dois minutos tava seco. Eu ponhava outro e outro e outro. Eu defendia a meningite da criança ali. Hoje, ele tem 40 e poucos anos. A paralisia pegou, tem uma perna mais fina que a outra. Mas é trabalhador igual.” Dos cinco filhos, três guris e duas meninas, só esse filho foi vacinado contra paralisia e meningite. “Nem uma gripe meus filhos conhecem o que é.”

Tem muita história da cidade que diz gostar tanto. Algumas, não pode revelar. “Tem história feia que eu não posso contar. Assustadora. Se você sair comigo em todos os bairros da cidade, você vai ficar admirada, porque todo mundo me conhece. Onde eu passo é: ‘ô, seu Pedroso!’; ‘ô, seu Fiúca!’”

Dente de ouro na boca, do tempo que o ouro era barato. Se aposentou vendendo fruta e verdura no refeitório da Sadia Alimentos S.A. “Durante vinte anos, todo o dia, todo o dia, todo o dia.” Sua aula, o mundo. “O mundo, para o homem, é a maior escola. Eu conheço onze estado, não achei ninguém que me dissesse ‘você é feio’ ou ‘é bonito’. Eu só achei gente boa. Decerto, eu sou uma pessoa boa. A gente proseia com todo mundo, brinca com todo mundo. Parei em casa de tudo quanto foi nação. Alemão, polaco, gringo. A nação mais ruim que diz que é, de todas as nações, é o russo. Eu parei na casa deles, mas para mim, eram que nem meus pai.”

Adora pessoas, principalmente crianças. Ostentação, não. “Se eu chegar numa casa, pode ser uma casa muito linda, mas se eu não vê flor, eu não acho graça. Eu tenho que ver flor, sou assanhado pelas flor. Sempre trabalhei como jardineiro, eu gosto de plantar muda de arvoredo. Planto em qualquer tempo. Se eu plantar dez muda, nove eu garanto que pega. Tenho muita sorte pra plantar muda.”

Nunca sentiu tristeza. Só quando morreu o pai e a mãe. “Meu vô tinha 22 fio e quase 80 neto. De tudo os fio e os neto, ele tirou eu pra confiança dele. Tudo o que ele via era ‘Fiúca do céu, vi tal coisa e tal coisa.’ Um dia ele disse ‘Fiúca do céu’ – foi lá na Sede Trentin, lá era sertão –, ‘eu vi um tigre pegar um índio!’ eu disse ‘credo, vô, o que é o tigre, o que é o índio? ele disse ‘índio é uma pessoa que nem nóis, mas é do mato.’ Perguntei pra ele se ele não atirou no tigre, ele tinha um revolvinho, pequeninho. ‘Não, se eu atirasse e errasse, ele vinha pela fumaça e me derrubava do cavalo.’ Foi lá pelas bandas de Seara, viu cana florescida, nunca tinha visto. ‘Fiúca do céu, sabe o que eu vi hoje? Cana florescida!’”

Não conhecia tigre, índio, ou cana. Mas escutava a tudo, atento. O avô morreu com 105 anos. Cedo, Fiúca ia tomar café com o avô. Era revirado de feijão com guarapa e rapadura. Assim como Fiúca, não conhecia o que era dentista e médico, mesmo depois de ter sido picado por seis cobras.

Fiúca casou porque comprou a mulher. Mas, comprou mal. Muito braba. “Brigou comigo desde o terceiro dia de casada. Pita e bebe. E eu nem chimarrão tomo.” Foi depois de 40 anos, que os dois se separaram. “Se eu te conto, você não acredita. Ela bebeu num ano 120 garrafas de cachaça.” Agora, Fiúca está num céu aberto. Vai onde quer, em qualquer hora do dia ou da noite, sem encrenca. “Ah, quase não danço. Vou no baile porque gosto de escuitá a música, porque eu também fui músico. Mas vou lá vê a música, vejo o pessoal dançando e fico nervoso e danço também. Sovaqueio a muierada.”

Tem três terrenos que comprou com gaita. Saía do São Cristóvão, atravessava a cidade, chegava no Santa Maria ou no Maria Goretti. Voltava à uma hora da manhã, na escuridão, porque luz só apareceu depois da meia-noite há 45 anos. “Nunca encontrei um cachorro na estrada que me pulasse. Mas agora saia hoje de noite com a gaita nas costas. Não caminha vinte metros, toma um tapa no pescoço e se foi a gaita.”

Só passou por um perigo até agora. Foi tocar num baile para lá do São Pedro e quando voltou, em um potreiro, tinha 40 “vaca braba”. Era proibido passar por lá, só que Fiúca não sabia. “As vaca me avançaram. Vieram tudo as vaca me pegar. E tinha um toro vermeio, o toro tava lá e o gado por aqui. O toro veio e atravessou na frente do gado e eu esmureci. Minha arma era a gaita nas costas. O gado oiava pra mim. O toro ia e voltava, ia e voltava e aí eu sai a passo. Você tem que ter uma devoção forte. Senão fosse isso, eu ia ficar em pedacinho assim na guampa do gado.”

Faz mais de 30 quilômetros por dia, sozinho, não é adepto às andanças em bando. “Eu não faço falta em lugar nenhum. Daqui uma hora, você vai lá no Bormann e vai ver eu lá. Tô no Maria Goretti, tô no Santa Maria, tô no Cristo Rei. Não posso lhe contar toda a minha história, porque se eu lhe contar toda a minha história, eu não conto em 15 dias: eu levo três ano te contando. Eu te conto tanta história. Eu te conto que eu conheço três pedra com 120 metros de altura. Eu acho que eu tenho a fotografia em casa. Eu tenho muitas fotografias, mas eu me separei da muié e ela me consumiu com elas. Eu não posso te contar história de caçada. Se eu te contar história de caçada, eu levo dois ano. Fui muito caçadô. Te conto causo de tigre, causo de tudo quanto é bicho, que você vai ficar abismada.”

Tocou em baile de casamento de índio. Passou fome e medo por lá. “Em baile de índio, você tá parado aqui e ele vem dançando de lá. Se você vê que ele vem em você, caia fora, porque ele não respeita ninguém. Ele vem e te derruba. É que nem anta no mato. Anta do mato vem corrida, tem um pau no meio do caminho, ela dá uma cabeçada e passa.” Conhece da costa do Uruguai à costa do Irani. Tocou também em baile de casamento cigano. “Três dia de bebida, de refrigerante, comida, doce. Três dia! E eu com a minha gaita véia. Via a sorte, dançava, uma coisa louca.”

Fiúca parte, todo aprumado. Da praça central vai para o terminal urbano, pegar um ônibus para o Distrito de Marechal Bormann, onde ia visitar uma namorada que não chega a ter 100 anos, só 90 e 10. Mas esse, espero, era só o início da nossa prosa.

sábado, 25 de setembro de 2010

Foi o pé que cresceu ou foi o chinelo que diminuiu?


Se te excluem de uma sociedade, você já não é mais obrigado a seguir a sua lei. Esta há de ser a nossa brecha, a nossa clave de sol. O caminho é mais pela rebelião do que pela obediência. A rebelião é um extremo anarquista, que tem como base a criação da própria lei. Um “indivíduo”, não sendo aceito como ele é, sem poder dar vazão a sua voz e adaptar suas regras dentro de um sistema, tem todo o direito de criar um novo mundo, uma nova lei, podendo ser avessa a uma lei maior.
Seres humanos são jogados em favelas, nos morros, em partes desprivilegiadas das cidades, sem infraestrutura, saneamento básico ou lazer, por não se encaixarem nos padrões sociais dos brancos e católicos, “gente fina, elegante e sincera”, que habitam os centros e bairros nobres. Cada um que nasce em um determinado ponto desprivilegiado, embora possa ser bom por essência, é discriminado, sendo alvo de preconceito plurilateral, explicitados em pensamentos, olhares, palavras e atitudes. O preconceito não é um mal que se prolifera somente entre analfabetos e leigos, mas que é disseminado nos lugares mais improváveis, como em universidades e demais instituições de ensino. Diploma não dá humanidade a ninguém, isso é fato.
A pessoa então, atingida pelo preconceito, se torna, com o passar do tempo, exatamente aquilo que a pintaram, dando movimento ao círculo vicioso da criminalidade. Incorpora artifícios de defesa que vão desde o modo de andar, à indumentária, a música e outras manifestações culturais, ao porte de armas, e claro, ao uso delas.
O sol na moleira, a boca seca, o pé na poeira & a pedra na mão, lançada no menor sinal de provocação. Essa é a lei da selva, alimentada por “pessoas de bem”, capitalistas convictos, engolidos dia após dia pelo próprio sistema que adoram. A criminalidade é cria do capitalismo e agora é a hora do aborto. O mundo está em crise. O capitalismo, modelo fortemente difundido pelos Estados Unidos, mostrou as suas falhas. É hora de descobrir um novo mundo. De “braços dados ou não”.

olhodarua

O zine olhodarua é o jornalismo de rua, o jornalismo de muro, o jornalismo de botequim. É o jornalismo casado com a poesia, de mãos dadas com a literatura, amante da arte e do joão da esquina. O jornalismo que dispensa terninhos e laquê, quebra o protocolo e extrapola a pauta. E por que não?

(Encontrado no meu blog falido "zine olhodarua", um projeto impresso e online de fanzine)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

tributo aos trópicos

agora que está tudo calmo e eu já perdi a mão, sigo os conselhos de virgínia wolff e registro alguns acessos meus. tenho criado rostos em minhas galerias. os crio e já penso em abate-los. e me é um alivio quando consigo. vivo na cidade dos vampiros, xapecó. ofereço meu pescoço sem querer, por pura inocência. eles se saciam e nem dizem obrigado. eles saciam, destroem e partem, voam em seus vôos rasos. detonam meu pescoço de carne nova, eternamente nova. arrumo minhas malas no pensamento. escolho meu destino no meu mapa particular. recebo convites indecentes e desdenho, como se já não tivesse um corpo que sustenta esse espírito de fogaréu vivo ambulante. não tenho rédeas. corro de edifício em edifício com o mais vermelho dos pelos. me enamoro pelas letras. antes fosse pelos números. teria respostas exatas para me dar. eu andava pelas ruas cravadas de cacos de espelhos falsos em frangalhos. ignorei os piquetes e os levantes que meus olhos nublados viam pela ótica de um óculos de camelô. vestia negro, da cabeça aos pés. me escondia marginal no meu capuz de moleton. nas pernas, a calça junto ao corpo se esfregava viçosa. na mão, um cigarro que acinzentava o rosto de cansaço venenoso. o cabelo vermelho se vestia de voltas no vento, assustava as carolas, buscava alento no suor do fim da tarde. cabeça forrada de recortes de jornais, erros ortográficos, frases que não escrevi, peripécias que não delatei. te trazia no peito chacoalhado de horror. te comi em todas as horas do dia. levava a desordem no casco. pisei nos cacos de espelhos e escolhi meu ângulo menos terroso. eu era cinza de uma brasa que pisoteei. ela me convidou para ir ao seu apartamento. recusei, novamente, soberana. como se não precisasse entorpecer o corpo de ervas doces. mas eu precisava. queria assinar minha alforria. não pude. não deu. não como, não durmo, não vivo. me chamam de máquina. me chamam de robô, escravo. óleo de máquina escorrendo pelo vácuo dos dentes. eu deslizava por xapecó. bati nas portas abandonadas do velho oeste seu-vagem, ninguém me atendeu. nem uma moça no saloon para me entreter com seu amor barato com gosto de bituca amanhecida. a tarde caía e eu também. pedindo as contas para o mundo, desejando uma permissão da dona de mim, eu mesma. não me dei. não me dou. no chuveiro, desci pelo ralo. voei no submundo das águas. fui maremoto, tufão. entrei em mim e fui engolida pelo universo que eu escondia. cavalguei pelas montanhas de sangue, adormeci nos anticorpos e nasci de novo do meio de mim. minha mão me deu uma alma, ela brilhava como falso brilhante mas era negra e grande e vasta demais para caber em mim. fui morar na minha boca. morri no sussurro úmido dos meus lábios que se partiram em fendas de dor e de sangue. bebi do que sou. me iniciei. me tornei vampira estridente, num ventre de fogo. provei do teu veneno, não suportei. cometi suicídio no primeiro raio de sol. hoje sou pó, mas não me pergunte nada. minhas respostas são embaralhados focos de dor. adormeço e acordo sem saber o que uno em silabas. ainda te espero chegar. faça de mim quebra-cabeças e organize meu sonho ácido. me desvende, me descubra. sinto calor. me aproximo de ti e te vejo de perto e te olho nos olhos e faço casa debaixo do teu chapéu. tem lugar na tua boca? quero ver se nossas línguas se entendem, se as palavras combinam, se as vírgulas se encaixam. não me encontro mais em mim. quem sabe no teu abraço, quem sabe no teu grande abraço que abarca o mundo. tenho milhões de caracteres para preencher até engolir o branco das laudas. o branco me assusta. preciso entupi-lo de letras como se as letras fizessem do branco paradeiro. preciso de paradeiro. sou um mistério para mim. me derramo no teu chão e colho os teus refrões e faço deles a roupa que estou vestindo. soletro teu nome em sonhos e te rapto em pesadelos horrendos e sou maga de cristal na janela do teu quintal. eu que nunca fui de rimas, arremesso os ecos nas trincheiras. me ponha em ordem ou me ponha em chamas de vez. centauro dos céus de fogo, me leve na colina de onomatopéias. deixe eu gritar meus eufemismos no boom do tempo.

Mañana, baby

Do dia em que comprei a obra (09/11/2007, data rabiscada debaixo do meu apelido de faculdade, Fabita), seis dias antes do meu aniversário, até o dia em que a li, há um intervalo de mais de um ano. Me senti, por muito tempo, obrigada a ler a bíblia da geração beat, On The Road (Pé na Estrada), de Jack Kerouac.
Enquanto eu era bombardeada pela crítica da rua, que falava o quanto o livro era bom e indispensável, não conseguia, para variar, chegar perto de On the Road. Foi então em uma daquelas férias de verão, mais precisamente as férias de 2008/2009, longe do barulho alheio, com um amor não correspondido pesado no peito e nenhum centavo no bolso, que me embalei na rede da varanda e o devorei, finalmente.
“(...) e eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais falam chavões, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosos fogos de artifício explodindo como constelações em cujo centro fervilhante – pop – pode-se ver um brilho azul intenso”.
Era como se meu espírito estivesse contribuído para a elaboração daquelas páginas todas, por vezes, um tanto cansativas e repetitivas. Pudera, se trata de uma bíblia. Obra que me influenciou e influenciou pessoas de todo canto a saírem de suas zonas de conforto, a exemplo de Bob Dylan. Não só influenciou, como inspirou obras, inspirou gerações, inclusive a minha, de inícios dos anos 80.
Dizem que o livro foi escrito em quase 37 metros de papel e em três semanas. Como se ele, Jack Kerouac, tivesse aberto uma veia a faca e tivesse a deixado jorrar, até acabar o sangue. Senti as estrelas nos olhos na garupa dos caminhões, o vento da noite na cara, colhi algodão nos vastos campos, vaguei pelos bares, fui caroneira de Dean Moriarty, me apaixonei de novo.
E deixei o tempo passar, como costumo e gosto de fazer, como se já não fizesse mais parte dessa esmagadora prensa mercadológica. “‘Claro, baby, mañana.’ Era sempre mañana. Foi tudo o que eu ouvi durante toda a semana seguinte – mañana, uma palavra adorável que provavelmente quer dizer paraíso."
Sim, recomendo.

(Publicado no Caderno Comportamento em 25 de setembro de 2010)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

mesmo que se perca o sono...



Nem sempre somos bem compreendidos, nem sempre recebemos um mísero elogio ou um obrigado, mas continuamos tentando fazer o melhor, dentro das nossas capacidades, mesmo que se perca o sono, mesmo que se perca o punho.

IMPRENSA NEGRA




CRIATURA DE OLHEIRAS FUNDAS & DORES TERRÍVEIS NO BRAÇO DIREITO. CARREGO UM PESO ENORME NO PEITO E OUTRO NO CORPO. CARREGO INFINITAS VEZES MAIS DO QUE PODERIA CARREGAR. PARTE É NOJO. NOJO DOS QUE CONHECEM EM UM DIA E DESCONHECEM NO OUTRO. AH, VELHO OESTE, AINDA TE MATAREI DENTRO DE MIM; E OUTRA É NOJO, DOS QUE RECLAMAM DAS COISAS EXISTENTES E DAS INEXISTENTES. JÁ OUVIU FALAR EM IMPRENSA NEGRA? EU NÃO. TALVEZ TENHA OUVIDO FALAR SOBRE A IMPRENSA ROSA OU MARROM, MAS DUVIDO QUE CONHEÇA A NEGRA. FUNDEI ELA NA MINHA CABEÇA ESSA MANHÃ. ALGO TERRORISTA, COISA DE QUEM CONFABULA MESMO EM SONHOS E QUANDO ACORDA, JÁ DE OLHEIRAS PESADAS E DE BRAÇO CADENTE DE TANTO ESCREVER DORMINDO, MIRABOLA NO PRIMEIRO E DOCE BAFO DA MANHÃ. SUGIRO QUE NÃO SE META COMIGO. COSTUMO MATAR EM DIAS DE SANGUE. SUGIRO QUE NÃO SE APROXIME, NÃO SOU DADA A CONVERSAS OU ENCONTROS CASUAIS. COSTUMO TER CASOS AMOROSOS INTENSOS ENTRE MEU CÉREBRO E DE OUTROS. O MAIS PERIGOSO DOS CASOS É O MENTAL. SUGIRO QUE NÃO ENTRE NO MEU JOGO, A GUERRA PODE DURAR UMA VIDA INTEIRA. ME TORNO VERME & ENTRO NO TEU SONO E NAS PREGAS DO TEU CÉREBRO O RAPTO E O MATO LENTA E PESADAMENTE. MINHAS OLHEIRAS NÃO VIERAM DE GRAÇA; MINHA DOR, TAMPOUCO. LUTEI SOZINHA POR SÉCULOS SEM FIM. FUI INSETO EM TEMPOS DE INSETICIDA. JÁ VOEI PARA A ÁFRICA, ÍNDIA E PELOS CAMPOS BRANCOS DA BOLÍVIA, CHILE E COLÔMBIA. MAS AINDA NÃO SAÍ DO LUGAR. 27 ANOS NA CARA, RUGAS DE EXPRESSÃO, VINCOS DE SOLIDÃO. DESVIE, CAMINHANTE. ESTOU ESPERANDO A VÍTIMA DA SEMANA. EM POUCOS DIAS, A MATAREI DENTRO DE MIM. QUANTOS DIAS PERECERÁ? TE ARRANCAREI AS DIGITAIS ANTES QUE POSSA DEIXAR SUA MARCA VIRULENTA DENTRO DE MIM. ESCREVO PARA VIVER. ESCREVO PORQUE AMO. DO MEU AMOR, NASCE O ÓDIO. DO ÓDIO, FAÇO PROSA ROTA. NÃO TENHO CONTROLE DE TI, MUITO MENOS DE MIM. HÁ ENTIDADES OCULTAS QUE REGEM AS LETRAS, QUE TU JAMAIS VAI DOMAR. EXISTEM ENTIDADES QUE ME REGEM, QUE EU JAMAIS VOU DOMAR. EXISTEM ENTIDADES EM TI, QUE EU JAMAIS, OUSAREI, DOMAR.

Nas profundezas do subsolo

A peça “Memórias do Subsolo” foge do conceito tradicional. Espetáculo sério, que apresenta variações, próprias do ser humano.


Inspirado no texto de Fiódor Dostoievski, o espetáculo “Memórias do Subsolo”, inclui experiências dos atores e não somente aquelas sugeridas pelo texto, ou seja, permite a autonomia criadora. Faz parte da “Semana Ousada de Artes UFSC & UDESC”, desenvolvida em uma parceria com a Fundação Cultural de Chapecó.
É de autoria da atriz Inajá Neckel, que nesse momento se abstém da atuação e assume a direção da peça. Direcionado ao público adulto, se trata de um espetáculo mais sério, que apresenta as variações, próprias do ser humano. “A ideia de montar um Dostoievski me acompanhou a vida inteira. O primeiro espetáculo de teatro que mexeu comigo foi ‘Crime e Castigo’. Eu já tinha lido o livro. Era uma adolescente e fiquei louca. Disse: ‘eu quero fazer isso na minha vida’”, conta Inajá.
O escritor russo sempre acompanhou a atriz, que se apaixonou ainda mais pelos russos quando fazia o Bacharelado em Interpretação Teatral na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Chapecoense, aos 31 anos, agora conclui o mestrado, feito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Uma grande crítica ao racionalismo, “Memórias do Subsolo” de Dostoievski pode dar a impressão de que existem vários personagens no texto. Porém, Ina explica que existe apenas um, que é o homem do subsolo. “O homem do subsolo é povoado por milhões de vozes, como nós também somos, esse turbilhão.” São nove atores em cena (nove vozes) que vivem numa catástrofe. Para quem espera por uma peça de teatro tradicional, é melhor abandonar logo essa esperança.
“Só não gostaria que as pessoas pensassem que estou montando Dostoievski. Eu não me atreveria. Respeito demais ele. Estou montando uma percepção de Dostoievski. Minha e dos meus atores.” Inajá não espera que entendam a literatura, mas a linguagem da cena, a percepção da ação do ator. “É uma construção poética, corpórea, essencialmente corpórea. Um trabalho físico, que nasce do físico e que chega a um outro nível.” Um espetáculo com base técnica, mas Ina esclarece que está dentro de uma técnica que faz a peça chegar além.
A diretora – que diz não se encaixar nos moldes formais de direção – se preocupa em encontrar uma sensibilidade comum, algo que tenta alcançar por meio dos personagens-ideias. Para ela, não há como controlar as percepções do público. “É muita pretensão do ator querer controlar o público. Não há controle. O ator pode ter domínio de si e só. É como se você quisesse que o público reagisse de tal modo, em um momento específico. Impossível, pretensioso demais.”
O grupo trabalhou de março a julho, três vezes por semana, três horas diárias. Agora, ensaiam duas vezes por semana, três horas por dia. “Eles compraram a minha ideia”, comenta. Alguns dos atores são iniciantes nas artes cênicas.
A peça faz parte de um processo que ainda não terminou. “A construção das cenas não nasce separada de todo esse processo de criação, de poética, de autonomia”, prossegue. “Em cada segundo que passa, não sei quantas células morrem em mim, morrem em você, morrem em todo mundo, e se não tivermos alguma coisa um pouco maior para nos apegar, nada funciona.”

(Publicado no Voz do Oeste em 22 de setembro de 2010)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

AGUARDO RETORNO

TEM UM CARA QUE É UM PERIGO PARA A MINHA CABEÇA. SIM, ELE ME REMETE AO QUE EU FUI, ANTES DE TER QUE LEVAR DINHEIRO PARA CASA. ELE ME FAZ PENSAR SE EU DEVERIA DEIXAR DE SER UM MEIO DA INFORMAÇÃO APENAS OU UM ESPELHO DO LADO ROSA DAS COISAS. VOU LOGO AVISANDO, MINHA LÍNGUA É AFIADA E, AO LANÇAR VENENO, NÃO VÊ A QUEM. TENHO MEDO DELA, POR ISSO A DEIXO GUARDADA. E SE EU A TROUXESSE PARA O TERRITÓRIO DAS PALAVRAS E PARA OS JORNAIS DIÁRIOS? SE ME DESSE O DIREITO? E SE, AO ATRAVESSAR MADRUGADAS BUSCANDO ÂNGULOS E FRASES, ME PERMITISSE TAMBÉM BUSCAR AS CRÍTICAS DOÍDAS? E SE EU FIZESSE AINDA MAIS DO QUE FAÇO? NA CERTA, SERIA MAIS FIEL AO QUE EU SINTO. E JORNALISTA SE PERMITE SENTIR E ESCARRAR O QUE SENTE, MESMO QUE ISSO SEJA CRUEL? EU COSTUMAVA ME PERMITIR. ERA MAIS FIEL E TINHA TAMBÉM MAIS INIMIGOS. SOU FIEL NO LADO ROSA DAS LETRAS, MAS OCULTO O QUE ME INCOMODA NA MAIORIA DAS LINHAS. POR QUE? FUI E SOU CRIADA COM BASE NUMA ÓTICA MENOS FILOSÓFICA E MAIS MERCADOLÓGICA. TRAZER DINHEIRO PARA CASA ME LIMITA. MANTER EMPREGOS ME LIMITA. POR ISSO, NÃO RARO PROCURO ESCAPES. PORÉM, SE AO INVÉS DE INVENTAR ESCAPES, EU TECESSE MINHA IRA NOS MEIOS TRADICIONAIS? QUANTOS DIAS EU DURARIA, QUANTOS DIAS DURARIAM OS JORNAIS? NINGUÉM ENTENDE OS IMPASSES EM QUE ESTÃO INSERIDOS OS JORNALISTAS, ATÉ QUE SE TORNE UM DELES. NOSSOS ACESSOS TEMPESTUOSOS NA FACULDADE, VINHAM DE UMA CAVERNA DE SOMBRAS. FALÁVAMOS MAL, MAS NÃO TÍNHAMOS BOTADO NOSSOS PÉS DE ALL STAR SUJO EM UMA REDAÇÃO. ENCHÍAMOS A BOCA PARA FALAR E COMO FALÁVAMOS. ATÉ QUE CHEGOU O DIA DE NÃO SERMOS MAIS SUSTENTADOS PELOS PAIS. SE CADA VEZ QUE OUÇO UMA BARBARIDADE, OU MELHOR, ALGO QUE NÃO CONDIZ COM OS MEUS CONCEITOS OU OPINIÕES, EU VOMITASSE MINHA INDIGNAÇÃO NAS FOLHAS DE JORNAIS? QUE TAL? ENCONTRARIA TERRENO, PODE TER CERTEZA. E SE EU DEIXASSE DE LADO MEU ASCENDENTE EM GÊMEOS, ESQUECESSE A SUPERFICIALIDADE MOMENTÂNEA QUE ME IMPONHO E ESCULHAMBASSE EM PESQUISAS (IN)DIGNAS DE FILÓSOFOS, HISTORIADORES OU LETRADOS? PASSARIA O RESTO DA VIDA PARA ESCREVER UM TEXTO. HÁ ALGUM JORNAL DISPOSTO A ME ESPERAR? A ME AGÜENTAR? AGUARDO RETORNO.

o que os olhos dizem




sábado, 18 de setembro de 2010

classificados

não existo no barulho;

não existo em bando.

necessito do silêncio e da solidão

de um canto barato,

para cantar meu canto escrito.

não quero ninguém ao meu lado.

ninguém para dividir espaço

ou palavras.

sou egoísta.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cinco minutos com Galeano

Outro dia, uma moça desconhecida comentou em um texto rápido – que falava do universo e suas experiências – do meu blog (http://cafecigarrosedesordem.blogspot.com): “a vida é eterna em cinco minutos.”

Pesquisei, e descobri uma canção de Victor Jara, “Te Recuerdo Amanda”, que tem essa frase. “Son cinco minutos / la vida es eterna / en cinco minutos / Suena la sirena / de vuelta al trabajo / y tu caminando lo iluminas todo / los cinco minutos / te hacen florecer”

O comentário me remeteu ao livro que traz a beleza e a emoção dos “pequenos momentos”, de Eduardo Galeano, “O Livro dos Abraços”. Me foi indicado por um amigo (ver Perfil dessa edição do Caderno Comportamento) em uma noite no Morrison Rock’n Blues Bar. O estranho é que nos dias seguintes, a obra “caiu em minhas mãos” e eu entendi os bons comentários que ouvi. Eu floresci naqueles pequenos momentos.

Nunca havia lido o autor das veias abertas da América Latina. Ali, pude perceber o motivo dele ser tão admirado. “O Livro dos Abraços” apresenta textos miúdos de passagens por cidades de paises diferentes, histórias curiosas ouvidas pelo autor e sentimentos em noites tortuosas, tudo isso junto de um punhado de ilustrações em negro que parecem ser de tempos remotos ou de um estilo passado. Quase um livro de recordações, já que recordar, do Latim re-cordis, é “tornar a passar pelo coração”, como diz na página que antecede os momentos de Galeano.

“Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.” Esse é um recorte de um texto sentido por Galeano que me tocou, chamado “A televisão/3”.

O autor e também jornalista, nascido em 1940, é uruguaio, mas foi exilado na Argentina e na Espanha, entre 1973 e 1985. Escritor premiado, Eduardo Galeano, de cinco em cinco minutos, se faz necessário como dose diária de um abraço que pode ir do calmo ao intranqüilo, assim como a vida.

(Publicado no Caderno Comportamento em 18 de setembro de 2010)

“Vento Negro eu sou”

Capturar as palavras foi tanto ou mais difícil do que capturar os ângulos na penumbra.

Eram iluminados por ondas de projeção. Um no vocal, outro no violão. Juntos, eram perfeitos. Dois opostos, de elementos complementares. Senti um arrepio na espinha e uma vontade de chorar, ao ouvir a voz conhecida cantando: “Onde a terra começar / Vento Negro gente eu sou / Onde a terra terminar / Vento negro eu sou”, (“Vento Negro”, composta por José Alberto Fogaça), como se fosse a primeira vez que eu ouvia o espetáculo mágico.

Noite de quarta-feira. Atravessei a madrugada tentando capturar o melhor ângulo e algumas palavras dos dois no Morrison Rock’n Blues Bar. Marcelo Peron e Mateus Pereira Specht, violão e voz, numa ordem que pode variar, conforme o vento.

Capturar as palavras foi tanto ou mais difícil do que capturar os ângulos na penumbra. Os dois falavam como se fossem ir embora. “Vento negro, campo afora / Vai correr / Quem vai embora tem que saber / É viração”. E logo, realmente foram. Mas para o palco, aquele campo magnético com o qual não ousei competir. Nesse pequeno instante dentro do tempo, a selva urbana embalou a nossa prosa noturna, que foi pouca, mas intensa.

A aventura

“Fomos para a casa de um amigo nosso na Barra da Lagoa. Estávamos com o dinheiro contado. Só que a gente se emocionou e acabou gastando todo o dinheiro. Tivemos que ser sustentados pelo nosso amigo, que chegou a vender um jogo de xadrez para comprar as passagens para a gente voltar!”, relembram. Nem preciso perguntar se o amigo disse: “Venham mais vezes”.

Foi a chance de criarem juntos. Muitas músicas foram compostas nesse período, incorporadas ao repertório da Diabo a Quatro, surgida de uma idéia que nasceu do outro lado da fronteira: em Pelotas (RS), ou na Satolep de Mateus, que (des)costura o seu destino desde a infância, num rasgar e costurar sem fim. Em Chapecó, a Diabo a Quatro emergiu em 2005 e segue até hoje no Velho Oeste como um convite ao encantamento.

A banda teve momentos únicos ao longo da carreira. No antigo TNT – O Bar do Fano, ver a Diabo a Quatro era uma experiência grandiosa. Se vangloriam de ter reunido mais de 300 pessoas em uma cancha de bocha, no Bar da Odi. “Isso marca a história do alternativo”, lança Mateus. “Fazemos música pop. A palavra pop soa meio ácida ao alternativo, mas viemos de uma cultura pop.”

De próprio punho

Cantar/tocar música própria é algo delicado para o vocalista. “Não vejo muito sentido em fazer show com música própria. As pessoas não vão para o show para conhecer música. Vão para ouvir o que elas conhecem e gostam. Há uma certa expectativa.” Mesmo assim, de quando em quando, as músicas próprias têm espaço no show dos dois.

Opostos complementares

MPB, música nativista & Rock and Roll. Combinação, no mínimo, acertada. “Uma coisa que é considerada brega para o pessoal daqui, é a cultura gaúcha. Mas nós não fechamos os olhos para a cultura gaúcha.” Na música Jesus Krishna, por exemplo, há uma mescla de milonga com baião, além de caracteres religiosos, da vivência de Mateus com esoterismo e ocultismo.

Um ser teatral

Mateus é um ator e continua o sendo no palco das canções. Bata e calça branca, olhos pintados de negro, heranças do teatro. Busca suas crenças e as representa, em uma performance de paralelos: artística e religiosa. “Como um xamã” – explica. “O xamã é ao mesmo tempo um sacerdote, um mestre de cerimônias e também um ator”, se remete aos conceitos absorvidos por Jim Morrison.

Volta para a Mitologia Grega: “O primeiro ator que surgiu, representou Baco – o deus do vinho”, fala o vocalista, contando que Secos & Molhados e O Teatro Mágico, são bandas que influenciam o teatro da Diabo a Quatro, dona de um ecletismo inteligente.

Ele solta poesia no ar, sem perceber. Já é natural. Figuras de linguagem invadem a noite que, para mim, chegava ao fim. Perdi para o palco, o campo magnético, que recuperou os dois, para o deleite do público. “Não creio em paz sem divisão / De tanto amor que eu espalhei / Em cada céu em cada chão / Minha alma lá deixei”.

Morrison Bar

“Estão todos aí? A cerimônia vai começar.” A frase do vocalista da banda norte americana The Doors, Jim Morrison, é ótima para falar desse bar que inaugurou em 25 de junho em Chapecó. Isso porque o bar se tornou quase que um templo para os admiradores do “Rei Lagarto.”

Proprietário do Morrison Bar, o porto alegrense Rodrigo Linhares dos Santos, fundou uma casa semelhante na Praia do Rosa, litoral catarinense, há 9 anos. Em Chapecó, ele e os sócios resolveram abrir a filial do bar de maneira inesperada. “Viemos a passeio e procuramos uma casa no estilo para curtir, mas não encontramos em lugar nenhum.”

A homenagem ao vocalista do Doors aconteceu pela passagem de uma fase marcante na vida de Rodrigo. “Doors e Jim Morrison foram fortes na minha vida”, diz o proprietário.

(Publicado no Caderno Comportamento em 18 de setembro de 2010)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

um homem com uma dor












um homem com uma dor

é muito mais elegante

caminha assim de lado

como se chegasse atrasado

andasse mais adiante

carrega o peso da dor

como se portasse medalhas

uma coroa um milhão de dólares

ou coisa que os valha

ópios édens analgésicos

não me toquem nessa dor

ela é tudo que me sobra

sofrer, vai ser minha última obra


(paulo leminski)

a cartomante

há pouco mais de um ano, uma cartomante-leitora-de-mãos, com um índio incorporado que nunca-se-engana, previu a morte de uma pessoa querida. previu e acertou. ela disse também que havia um homem, que eu não desconfiava, que já tinha uma pessoa, mas que guardava por mim amor platônico. disse mais: falou que ficaríamos juntos, que ele deixaria da dita mulher e que seríamos felizes. engraçado, somente a tragédia se configurou. pode parecer tolo, mas a previsão da cartomante ficou em mim. tanto que a cada novo rosto, procuro esse homem. mas nunca, nunca o encontrei. existem bilhões de pessoas na terra, mas nenhuma que tenha dito “eu te amo” & “vamos ficar juntos”, “não precisa mudar, te amo assim” ou “quero ficar só com você”, como diz aquela música de amor urbano e contemporâneo. fico pessimista e penso: se eles, os homens, fossem bons, eu não teria os abandonado ou eles não teriam me abandonado. se eles fossem bons, eu não estaria só, acreditando em previsões de velhas bruxas clarividentes. o amor é como um personagem lendário que teimamos em acreditar. como um duende, um elfo ou coisa que o valha. tenho quase certeza de que ele não existe, mas a lenda permanece e me (des)conforta o peito. tenho quase certeza que efraim medina reyes estava certo quanto aos atributos certos que as mulheres precisam ter para serem amadas por um homem e que não importa se elas atravessam as fases da lua em nado celestial: nada vale, senão as formas & perfumes, pesos & medidas. dados etéreos são démodé. felizes dos homens, pois as mulheres já não são assim. meus olhos são prova disso. então, desculpe, madame. mas sua previsão é furada. homem nenhum é capaz de amar o que a dor me fez. agora, devolva a vida daquela que a tua previsão levou. e demita o índio velho, porque ele finalmente se enganou.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

ave, dor

devo isso tudo à minha dor. se me elogiam ou me julgam, procurem antes entender a minha dor. minha dor foi o que me fez assim. minha dor é o que eu sou. se lêem minhas linhas, se admiram minhas letras, dêem graças à minha dor. sem ela, não seria feridaviva, sem ela não sentiria o que sinto e do jeito que sinto. se esperam um livro, me façam dor. só minha dor será capaz de escrever. mas não mexam na minha dor, lembrou leminski. minha dor é só minha. me faz envergar, sou envergada por ela. sou curvada por ela, minha dor me encurva, me envenena e me cura. se há amor nessas palavras, celebrem à minha dor, que chegou antes. ela me levou, ela me elevou, ela me guiou, ela me fez, dor.

tempos de annabel lee

e encontrei um outro blog, meio bobo "diário de annabel lee" {http://annabel_lee.weblogger.terra.com.br}, também de 2004. mas, escolhi alguns escritos.

O Mundo das Esponjas


Eles estão sentados

Parados... de boca aberta

A saliva escorrendo pelo queixo

Eles estão sentados

Ouvindo tudo

Sugando tudo

Seus cérebros guardam as informações

Mas suas almas não captam as mensagens

Eles estão sentados

Não sentem

Não pensam

Não amam

Suas nádegas amassadas nas cadeiras

Seus olhos fixos

Esbugalhados

Eles estão sentados

De expressão pesada

Eles não sorriem

Ou choram

Eles não querem sonhar

Querem dinheiro

E um pouco de glamour

Eles querem novela

E nenhum papel no mundo

Querem coluna social

Fofoca e carnaval

Eles querem reality show

Gaiolas e televisão

Eles estão sentados

E nada os tira dali

Seus corpos guardam o vírus

De um mundo de ar-condicionado

Esperando o belo dia

Em que serão pessoas felizes

Enquanto dizem por aí

Fazer o quê?

É a vida...


O que é o amor? Um sentimento louco, distorcido... que soa pesado e lento, violento... que não tem tom definido ou limite escolhido. O que é o amor? Uma gota divina nesse poço mundano, vulgar e profano. O sagrado dentro dos ímpios. A arte dos mundos. O que é o amor? Indefinido... indiscritível... eterno... etéreo... lisérgico. O amor é um perfume doce... amargo... azedo... salgado... ou cítrico... amadeirado... ou perfeito. É a combinação dos mais puros elementos... um sonho dentro de um sonho... ou talvez... um espetáculo ruidoso... ou também... um epitáfio bauzaqueano... só sei que ele chegou até mim, fez casa no meu corpo... trouxe a febre mais ardente e padeço como símbalo estridente... e me fortaleço tal qual o medo diante do medo. Eu sou o amor agora... e o que sinto é vivo e mórbido... cadavérico e renascente. Só sei que o que eu era eu não sou mais, depois que decifrei os códigos do meu amor.... e fim.


Não sei por que agüento a tua frieza, o teu descaso, a tua indiferença. Hoje tudo está tão pesado, minha alma não suporta meu corpo, meu corpo não suporta minha alma, minha cabeça parece vítima de microfonia. Sem saída, a rua acabou. É hora de procurar outro lugar pra caminhar. Jamais hei de acostumar-me com esses abraços gelados, com esses beijos esquivos, com essas palavras forçadas. Não... jamais! Não sou um fantoche, tão pouco sou sua. Sou minha e não me permito seguir quando percebo que o amor não cabe a mim.


Universo Estranho


Chega perto de mim

Não tenha medo

Minha maldade às vezes se esconde

Eu sei o que você guarda

Por detrás desses olhos castanhos

Eu conheço o teu sonho mais doce

Teu medo mais violento

Eu conheço o que você pensa

Quando está sozinho

Trancado em seu quarto

Eu sei o que você tem

Dentro de suas gavetas mais secretas

Eu posso te ajudar

Cuidar dos teus abismos

Eu posso amar você

E te dar colo nos dias tristes

Eu sei como falar

E como calar quando a chuva sussurra

E escorre pela nossa janela

Que deixa o vento passar

Que balança as cortinas tão leves

Que toca nossos rostos pálidos

Nas noites tranqüilas e poéticas

Perfumadas por incensos suaves

Eu sei... eu sei o que você quer

E sei o que te falta

Eu sou um chão de gelo

Que se enrijece quando é preciso

Eu sou a voz que te chama no escuro

E a luz que consome as sombras

Dos teus pesadelos

Eu sou o mal que te amedronta

Mas sou o bem que te acalenta

Eu sou um universo incerto

Pronto para ser descoberto...

Adentre em mim e veja.

cerejas suicidas

encontrei um blog meu muito antigo {http://annabel-lee.weblogger.terra.com.br}, de 2004, que chamei de "cerejas suicidas ". nele, alguns posts memoráveis...

não me pergunte!

histórias e contos

são mais sábios que eu

deixe lhe contar

deixe que eu te mostre

o deserto dos meus olhos

o impulso das minhas vozes

meus demônios

meus anjos alados

minhas funestas verdades

poesia desmembrada

além de incerta

calma e inválida

vulgar e profana

deixe-me mostrar

o sagrado de mim

vagando na noite perdida

onde não há estrelas

ah, morrison

tu que foi tão forte

e teu corpo tão fraco

venha me buscar em uma noite qualquer

deixe-me escolher meu signo

vamos ouvir a noite cantar

e esperar o dia nascer

com dois sois multicoloridos

só pra variar

mais um pouco de nonsense para esquentar a noite

já que vinho se tornou risco de vida

mais uma dose de poesia absurda

mais cem copos de inconsciência, por favor

ninguém mais agüenta esse mundinho real

ningüém mais agüenta acreditar que somos simples mortais

sonho, sonho... me traga músicas dos beatles

com clipes nostálgicos... bem fora das leis

sonho, sonho... me traga o amor dos puros

e me diga pra qual estrada devo ir

em qual trem devo entrar

sonho, sonho... não me deixe tão só

preciso de beijos abstratos e abraços sem fim

sonho... seja bom... ao menos você

já que eu, sem querer, sou tão cruel e imperfeita

dúvidas

distância

frieza

descaso

solidão

antigüidades

sem valor

acomodação

sem amor

ponto final

Por mil anos procurei sua alma...

Quantos poemas comecei assim

Nada comparado ao que eu realmente sinto

Pois, como Nietzsche diria

As palavras estão mortas em nossos corações

Porém, mortas, vivas ou mortas-vivas

Teimo em libertá-las

Pois as vejo como libélulas enclausuradas

Borboletas de um inferno não maldoso

Mas conflituoso e furtivo

Que se despedaça a cada vil instante real

Que anceia por uma porta do mundo surreal

Como o de Alice No País Das Maravilhas

Insano, porém poético

Irritante, porém desconcertante

Impiedoso, porém fantástico

E nada irá roubar-lhe essas qualidades mais que humanas

E nada irá fazê-lo perder o perfume etéreo

E nada colocará um ponto final

Pois não existe final

É... existem estranhas formas de fugir quando se está em dias estranhos. Nada é aceitável... tolerável... digno de paciência. Quantas músicas ainda irei cantar para acalmar minhas fúrias instintivas? Quantos poemas pobres de rima, métrica ou estética farei antes da noite chegar? Não deveria ter aberto minha janela neste dia tão claro, tão cheio de dor. Se a morte chegará com o fim dos tempos, terei que aproveitar antes que o sol se dissolva e até lá é melhor ser pagão, do que ser pseudo-profeta nas surdezes do mundo.

Estou tentando achar o meio-termo... não quero ser grossa... mas também não quero mentir ou fingir, ser hipócrita. Não quero ser extremista, ser anti-social, mas também quero que as pessoas saibam o que eu penso, o que eu aprovo ou desaprovo nas suas atitudes... personalidades. Quero que elas saibam também que se estou ao lado delas é porque eu as amo e não por mera conveniência. Se procuro por elas é porque tenho bons sentimentos e não por não querer ficar sozinha, pois disso eu não tenho medo e mais, eu gosto disso muitas vezes. Não quero mais brigar, ficar magoada com ninguém... quero perdoar a todos e tentar enteder o lado de cada um... entender seus motivos. Saber que algumas pessoas amam com toda sua alma, mas expressam de formas diferentes. Entender que não existe superioridade, não existem pessoas ignorantes ou fúteis... todos têm algo a oferecer, sem distinção. E que o meio-termo não é algo morno... mas é um ponto que se aproxima muito da paz.

nada a dizer, palavras são tão vis... como se eu não fosse vil. sim, eu sou uma anti-epopéia, um impulso nervoso ou um dia estranho. é, eu sou uma flor do mal e nada mudará isso.

vamos correr, correr, correr! o deserto está próximo e a rainha da estrada está a procura do rei lagarto. vamos chorar, chorar, chorar e esperar que a noite traga seu exército púrpura. vamos gritar, gritar, gritar e nos escondermos no oeste porque o oeste é melhor. vamos amar, amar, amar, o xamã traz o pêndulo, a faca e o amuleto, nos sacrificaremos pelos belos, fortes e sábios e nos tornaremos mojos risings. sim, vamos cair, cair, cair, cada vez mais fundo na inconsciência, esqueçamos nossos nomes, esqueçamos nosso mundo. vamos girar, girar e girar pois o karma cósmico do desejo nos chama e já é hora de partir.

desânimo...ciúme...dor...ódio...amor...fim.

eu sei... eu sei! já não dá mais para se esconder atrás do muro de berlim... já não dá mais para deslizar pelas florestas úmidas antes de cair na inconsciência... eu sei... eu sei. somos anjos em céus de concreto... eu sei. mas eu também sei que podemos ser heróis, podemos ser heróis ocultos. não... não nos suicidaremos antes de amanhecer, nem morreremos imersos em uma banheira de hotel, nem fugiremos para Hamburgo. nós ficaremos e esperaremos as fases passarem, cantando músicas antigas e tomando café nas estações. não teremos overdoses, nem nos derreteremos nos cânceres modernos, nem nos renderemos ao capitalismo que espreita do outro lado... do outro lado do nosso mundo. não... não seria justo, tão pouco seria digno. não beberemos pelos pubs da cidade, nem andaremos em latas estridentes pelas músicas podres. não. não deixaremos que a tristeza nos sucumba... pois a poesia não precisa ser triste... e para sentir não é preciso sofrer... deste romance eu já cansei.


terça-feira, 14 de setembro de 2010

canção mordida

acho que desocupei esse coração tolo mordido de balas. como um quarto de hotel de caixeiros viajantes. desocupado, por um tempo mínimo. pois há sempre um forasteiro querendo entrar. comer, dormir & partir. como um hotel de estrelas perturbadas, em fim de carreira. ora beijam as paredes, ora atiram nelas com espingardas psiquiátricas, ora jogam os televisores pelas janelas. kiss, kiss. bang, bang. homicídios diários no meu velho oeste. psicotrópicos a fazem lunática. ela, a fruta-mordida. as balas, uma a uma, a fizeram escultura escarlate e disparatada. furos negros na carne. não cicatriza o fruto. fruto apodrecendo no peito, morango mofo, com largos albergues de dor. a fruta vigia a janela, a fruta se vende às paixões baratas, às drogas (i)lícitas, aos sonhos de cetim rasgado, às migalhas dormidas do teu pão. se queima toda em cada tragada ou madrugada, a cada inventiva frustrada. sou espiã da tua obra destrutiva. te vejo sucumbir noite após noite desse banco podre de metrô. eu giro contigo, eu corro, passo pelos túneis & pelas províncias & por cada estação. fico enjoada. teu movimento constante é de náusea. tum, tum, tum, tum, tum, tum. quando irá parar? quando irá explodir, cor furtada? te quero sangue na minha garganta, a prova de que partiu. quero te sentir sangue, quero te ver sangue. coleciona amores, coração, que hábito plebeu. poderia colecionar corpos e decora-los. mas não, escolheu decorar o peito de amores platônicos. decidiu levar tiros ao invés de receber rosas; guardar caveiras, ao invés de canções. em cada furo, uma caveira indigente. em cada amor, a morte à espreita.

“Gonzo é o jornalismo mais verdadeiro que há.”


Defensor ferrenho do Jornalismo Gonzo, para ele o estilo é o futuro, não somente do entretenimento, como da informação. Czarnobai “desenterrou” esse estilo de fazer jornalismo em sua monografia, feita 2003, e balançou as estruturas da Fabico!

Fale um pouco da tua formação, especializações, áreas de atuação e de interesse:

Eu sou formado em Comunicação/Jornalismo pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas desde cedo senti que não me enquadraria bem no mercado jornalístico – pelo menos não de uma forma convencional. Trabalhei em redações online de portais, jornais e revistas entre 1999 e 2004, e a partir de 2005 me inclinei mais para o mundo da publicidade, onde desenvolvi um intenso trabalho com branded entertainment. Enquanto isso também comecei a me envolver cada vez mais com os universos da TV e do cinema, tendo roteirizado, dirigido e atuado em diversos comerciais, filmes e programas.


Por que escolheu fazer a tua monografia sobre o Gonzo Journalism?

Em primeiro lugar porque ainda não havia uma monografia que falasse exclusivamente do tema em português; em segundo porque eu via no jornalismo participativo em primeira pessoa – independente de possuir ou não o rótulo "gonzo" – o futuro tanto da informação quanto do entretenimento.


Como e quando teve o primeiro contato com o Gonzo?

Não sei ao certo. Na primeira semana de aula na Fabico, fui à uma festa organizada pelos veteranos para os calouros – que aqui chamamos de BIXOS, assim mesmo, com X. Depois da festa, escrevi um breve relato em primeira pessoa como se fosse uma espécie de "enviado especial" misturando ficção e realidade. Imprimi meia dúzia de cópias e afixei em murais, portas de salas, corredores e elevadores da faculdade. Aquilo teve um impacto TREMENDO na faculdade, e me deu o incentivo que eu precisava para seguir fazendo coisas semelhantes. Muitos anos depois, quando o CardosOnline já era um fanzine relativamente conhecido, Daniel Pellizzari (que era também um dos colunistas) me perguntou se eu conhecia o trabalho do Hunter Thompson, pois havia alguma semelhança entre os nossos estilos. Quando fui procurar, me dei conta de já ter lido algo sobre ele em alguma edição muito antiga da Revista Trip. A partir daí li cada vez mais sobre o assunto e me tornei cada vez mais devoto, admirador e praticante.


Como foi pra você desenvolver a monografia sobre o Gonzo?

Bastante difícil: não havia literatura base e nem professores interessados em abraçar o tema – a maioria porque simplesmente desconhecia o trabalho de HST. Tanto é verdade que tive de ser orientado por um professor do departamento de Letras – Paulo Seben – e botei na banca um especialista em cinema – Carlos Gerbase – e outro em novas mídias – Leo Meira. A internet acabou sendo fundamental no meu trabalho. Se ela não existisse, seria totalmente impossível realizá-lo com a qualidade que acredito ter alcançado.


Qual é a importância social de um estudo com este direcionamento?

Nenhuma, imagino.


Sentiu discriminação pela escolha que fez? Sentiu mudanças no contexto em que você vive após a conclusão da monografia?

Discriminação não é exatamente a palavra, mas desde o começo da faculdade tanto os professores quanto meus colegas sabiam que eu não me enquadrava, não apenas ali, mas em NENHUM lugar. Eu sempre pensei diferente da maioria das pessoas, na maioria dos contextos, então todo mundo já sabia que a escolha do tema da minha monografia seria surpreendente. A grande verdade é que até nisso fui subversivo: enquanto todos esperavam que eu fosse fazer algo sobre fanzines online ou internet, eu fui desencavar um estilo jornalístico-literário praticamente esquecido 40 anos atrás. Mas valeu a pena: não apenas fiz um trabalho de que me orgulho como ainda por cima o fiz seguindo à risca a cartilha gonzo. A monografia foi inteiramente escrita em UMA SEMANA de trabalho praticamente ininterrupto, sem revisões ou correções. Do jeito que escrevi mandei pra gráfica.


Pra você, Gonzo é jornalismo? O defende como tal?

Não só isso: gonzo é o jornalismo mais verdadeiro que há. Enquanto no jornalismo tradicional se trabalha com a idéia da neutralidade – algo que inexiste na prática – no gonzo se admite a parcialidade e se deixa isso muito claro desde o início. Não é apenas uma apresentação dos fatos, mas sim um posicionamento destes fatos dentro de um contexto definido, algo que me parece muito mais honesto e honroso do que qualquer formato jornalístico que se possa conceber.


Gonzo é um estilo, um gênero, uma técnica?

Depende muito da tua definição de gonzo. Há quem diga que gonzo é tudo que se faz em primeira pessoa – premissa que permite rotular um subgênero de filmes adultos onde o diretor filma a si próprio em ação de "gonzo porn". Outros defendem que gonzo é tudo aquilo que tem um caráter, uma PARTICULARIDADE muito forte e só pode ser produzido por uma pessoa específica. Há também quem diga que gonzo é todo jornalismo no qual o repórter é o objeto da própria reportagem, ou seja: VIVE uma situação determinada para depois poder escrever sobre ela, algo que se aproxima muito do que no teatro se chama de "method acting". E há quem diga que gonzo, mesmo, só o Hunter Thompson. Botando tudo em uma escala MATEMÁGICA, acredito que gonzo seja um somatório de todas essas coisas, MENOS a parte de ser algo exclusivo do HST.


Em poucas palavras, como você define o Gonzo Journalism:

Redação em primeira pessoa de cunho informativo que mistura jornalismo e ficção de uma forma divertida, irônica ou absurda, elaborada a partir de uma pesquisa ou captação prévia realizada de forma imersiva pelo autor que é, ao mesmo tempo, personagem e narrador.


(Entrevista feita em 2009 para o meu TCC)